Telas de monitoramento do Centro de Sismologia - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Sentiu aí? Pesquisadores da USP monitoram terremotos em todo o País

Centro de Sismologia da USP conta com estações sismográficas e ajuda da população para monitorar tremores de terra; nove cidades brasileiras foram atingidas desde o início de 2022

 14/02/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 25/02/2022 as 9:16

Valentina Moreira

Os tremores de terra no Brasil são mais comuns do que as pessoas imaginam. Desde o início de 2022, nove cidades brasileiras já foram atingidas por terremotos. Isso acontece porque a Terra está em constante movimento, e isso não é diferente por aqui. A questão é fazer com que esse movimento não se torne um risco para a população, o que passa por manter a atividade sísmica sob vigilância constante. 

Esse é o trabalho do Centro de Sismologia da USP que, em conjunto com a Rede Sismográfica Brasileira (RSBR), monitora a atividade sísmica no Brasil, acompanhando os locais onde é mais provável que os tremores de terra aconteçam e determinando métricas para que as construções não sejam danificadas. Para isso, os pesquisadores contam com complexo sistema de medição, que, com a ajuda da população, mantém o registo dos tremores que acontecem em todas as regiões do País.

Formado por pesquisadores do Laboratório de Sismologia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e do grupo de Tecnologia de Petróleo, Gás Natural e Bioenergia do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), ambos da USP, o Centro de Sismologia atua no monitoramento de sismicidade e pesquisa desde 2009, operando a parte Sudeste da RSBR. Mas, de acordo com Marcelo Bianchi, professor e pesquisador da instituição, o esforço dos pesquisadores do IAG em supervisionar a atividade sísmica brasileira começou ainda no século passado, antes da criação do centro, e foi importante para que a pesquisa se disseminasse em outras regiões.

Hoje, em cooperação com a Universidade de Brasília (UnB), o Observatório Nacional (ON) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o centro da USP também atua no acompanhamento da sismicidade nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, por meio da operação de 27 estações sismográficas. 

Marcelo Bianchi - Foto: Academia

Marcelo Bianchi, professor e pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP e do Centro de Sismologia - Foto: Divulgação/IAG USP

Desde o início de 2022, já foram registrados 9 tremores no Brasil, nas cidades de Bebedouro/SP; Biquinhas/MG; Canhoba/SE; Curvelo/MG; Forquilha/CE; Jacobina/BA; Machadinho d'Oeste/RO; Tejucuoca/CE — Foto: Reprodução/RSBR

Nessas estações, aparelhos de alta precisão registram a movimentação do solo e enviam os dados obtidos para o centro de pesquisa, onde eles serão analisados. Em conjunto com as 27 operadas pela USP, a Rede Sismográfica Brasileira soma um total de mais de 90 estações de sismologia espalhadas pelo território nacional. Nesse sistema, “os centros de pesquisa ficam responsáveis por operar as estações, garantindo que os dados estejam acessíveis 24 horas por dia para serem analisados pelos analistas na USP ou em outros lugares”, explica Bianchi. 

Estação da Rede Sismográfica Brasileira operada pela USP - Foto: Reprodução/RSBR

Monitoramento dos tremores

O monitoramento da atividade sísmica pelo Centro de Sismologia da USP acontece em três etapas principais: a aquisição, o processamento e a disseminação dos dados. Na primeira etapa, os dados são coletados a partir da operação das estações sismográficas, que registram o movimento do solo em um determinado período de tempo. Para manter o envio dos dados em funcionamento, Bianchi conta que a equipe do centro faz viagens frequentes. “Temos que manter viagens de campo constantes para dar suporte à operação dos instrumentos, com viagens de manutenção corretiva e de rotina para acompanhamento dos instrumentos.” 

Após serem adquiridos, esses dados são processados de forma automática, para que sejam identificados os eventos globais, ou seja, aqueles que correspondem a eventos maiores ocorridos em diversos locais do mundo. Depois da análise automática, os analistas do centro revisam os dados em busca dos eventos menores, normalmente ocorridos no Brasil. Os dados desses eventos serão então catalogados pelo centro de sismologia e disseminados livremente para a população, por meio de uma plataforma on-line, que é atualizada frequentemente.

Atividade sísmica no Brasil

Há quase 70 anos, na madrugada do dia 27 de janeiro de 1955, a terra tremeu na Serra do Tombador, no Mato Grosso, em 1955. Acontecia o maior sismo já registrado no Brasil, um terremoto com magnitude 6,2 na escala Richter. 

Para se ter uma referência da intensidade do tremor, o terremoto do Haiti em 2010, responsável por grandes desastres no país e pela morte de mais de 200 mil pessoas, teve magnitude de 7,0 registrada . Todavia, diferente do que aconteceu no Haiti, o sismo na Serra do Tombador causou poucos impactos, e a explicação para isso, segundo Bianchi, é a densidade populacional próxima à área de ocorrência.

“O que é importante quando pensamos em sismicidade é considerar o risco e a ameaça. O risco envolve a população exposta a uma determinada ameaça. Embora o sismo da Serra do Tombador, em 1955, tenha sido uma grande ameaça, o risco associado era pequeno, pela baixa quantidade de pessoas expostas.”

O professor completa que, para evitar que um sismo se torne um risco para as pessoas, é importante que esses eventos sejam sempre monitorados. Ele explica que, apesar de o monitoramento não ser capaz de prever quando e onde um terremoto irá ocorrer precisamente, permite que se conheça os locais mais suscetíveis à ocorrência de abalos e a intensidade máxima a que esses eventos podem chegar. 

No boletim produzido pelo centro de sismologia, foram compilados os sismos ocorridos no Brasil desde 1720. Nele, estão destacadas as regiões onde o fenômeno é mais comum: o sul de Minas Gerais; uma região no norte de Minas, próximo à cidade de Montes Claros; o Pantanal; a divisa entre Goiás e Tocantins, a região Nordeste e um alinhamento de sismos entre Manaus e Roraima – Foto: Centro de Sismologia da USP/RSBR

Tremores de terra em Minas Gerais

No dia 10 de janeiro de 2022, uma quinta-feira, a cidade de Divinópolis, no centro-oeste de Minas Gerais, foi atingida por tremores de terra, que continuam ocorrendo até o fechamento desta reportagem. Durante o período, o Centro de Sismologia registrou 29 tremores na região, de magnitude variada entre 3,0 e 1,6. Tânia Stark, moradora do bairro Jardim das Oliveiras, contou que, mesmo morando a alguns quilômetros da origem do tremor, foi possível senti-lo de sua casa. 

Apesar do susto, o professor Bianchi explica que tremores como os que ocorreram em Minas Gerais são normais. “No Brasil é comum a ocorrência de surtos de eventos como esses, de baixa magnitude, sentidos até um raio de 10 km de distância do epicentro. Em geral, tais eventos não causam danos em construções e são apenas sentidos pela população. Eles não têm hora para ocorrer e também não conseguimos dizer quanto tempo pode durar a sequência de eventos.”

Cidade de Divinópolis, em Minas Gerais - Foto: Wikipedia

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Clique no player e confira o depoimento de Tânia Stark, moradora de Divinópolis, em Minas Gerais, falando sobre o tremor de terra na cidade.

A sensação dos terremotos estarem mais frequentes também não é motivo de preocupação. “Quando olhamos o nosso conhecimento da sismicidade, não se observa nenhum aumento do número de eventos no tempo. O que acontece é que a sismicidade é um processo longo, de centenas de anos, e quando olhado pela visão de uma pessoa apenas, pode dar a impressão de estar aumentando em momentos específicos, mas não podemos esquecer que o nosso planeta trabalha em uma outra escala de tempo”, completa. 

A respeito da incidência desses fenômenos em Minas, o professor destaca que o centro já mapeou algumas regiões do País que são preferenciais para a ocorrência de tremores e que o sul do estado se encaixa neste perfil. Uma possível explicação para essa frequência seria a variação da espessura do solo nesta área, que a torna mais sensível para que os tremores sejam sentidos na superfície. “O nosso entendimento hoje é que tais eventos são resultados das condições de tensão impostas na litosfera do continente sul-americano.”

Como a população pode ajudar no monitoramento dos terremotos?

Marcelo Bianchi conta que, embora o sistema de monitoramento da RSBR tenha um grande alcance, ele ainda tem limitações para detectar terremotos de baixa magnitude, como os que aconteceram em Divinópolis. Segundo o pesquisador, nem sempre os instrumentos conseguem detectar esses tremores, e, quando eles são detectados, isso acontece somente por uma estação, que gera poucos dados. 

Para solucionar esse desafio, o Centro de Sismologia da USP conta com o apoio dos moradores, que, em seus relatos pessoais, conseguem dar indícios do horário de ocorrência, da intensidade e dos danos resultantes dos tremores informações que nem sempre estão contidas nas medidas de magnitude, e que podem passar despercebidas pelos analistas.

“De forma geral, os relatos recebidos são um guia para os eventos. Olhamos a hora reportada e o local e então usamos isso para buscar nas estações mais próximas por eventos. Em muitos casos, quando temos mais de cinco relatos com horários e locais coincidentes, normalmente está indicando a ocorrência de um sismo”, diz Bianchi.

Dada a importância dos relatos, o centro mantém em seu site o portal Sentiu aí?, onde as pessoas podem registrar seus depoimentos após experienciar um tremor. Além do aplicativo Sismo USP, que está disponível para download gratuito nos sistemas Android e iOS e pode ser utilizado com a mesma finalidade.


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