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Hemocentros ligados à USP fazem campanhas por doação de sangue

Com o distanciamento social, redução nas doações voluntárias diminuiram reservas dos bancos de sangue; instituições também buscam quem teve covid-19 para doação de plasma

25/03/2021

Crisley Santana

Ele leva oxigênio a cada parte do nosso corpo, defende o nosso organismo contra infecções, não pode ser produzido em laboratórios e é insubstituível. O sangue é um dos tecidos do nosso corpo e tem uma particularidade: a única fonte de matéria-prima para produção dele somos nós mesmos. Por isso, há espaços específicos para administração do sangue e seus componentes. Os hemocentros são locais onde ocorrem coleta, processamento e preparação do sangue. 

Além de realizar transfusões, eles se dedicam à pesquisa e estudo da hematologia e hemoterapia. Segundo o site do Redome do Instituto Nacional do Câncer, há 106 hemocentros no Brasil, sendo 14 no Estado de São Paulo. Dois deles são ligados à USP,  um em Ribeirão Preto e outro em São Paulo. 

A Fundação Pró-Sangue é o maior hemocentro da América Latina, chega a realizar mais de 5 mil transfusões de sangue por mês, somente no complexo do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).  Há 37 anos em funcionamento, é considerado referência para a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde. A fundação é uma instituição pública ligada à Secretaria da Saúde do Governo do Estado de São Paulo e ao HC-FMUSP.

Já o Hemocentro de Ribeirão Preto é responsável desde 1990 pela coleta de sangue e transporte para hospitais e centros de saúde. A rede da instituição coleta cerca de 97 mil bolsas de sangue por ano e ainda oferece apoio à graduação e pós-graduação dos estudantes da USP, além de oferecer cursos à comunidade externa.

Os hemocentros também reúnem cientistas que estudam sobre o funcionamento dos componentes do sangue e tratamentos para doenças. Em Ribeirão Preto, são dois centros de pesquisa (Centro de Terapia Celular e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia).

Situação emergencial

Com a pandemia de covid-19 e a necessidade de distanciamento social, a Organização Pan-Americana da Saúde alertou que as doações de sangue se tornaram mais necessárias do que nunca. Isso porque houve uma redução significativa nas doações voluntárias e muitos países enfrentam escassez de sangue para transfusões. “Estamos preocupados com o esgotamento das reservas dos bancos de sangue, pois isso coloca em risco a vida de muitas pessoas que precisam de transfusões”, disse a diretora da organização, Carissa Etienne. 

Entre os pacientes que chegam diariamente aos hospitais precisando de transfusões estão pessoas com câncer e leucemia, que necessitam de serviços de transplante, e mulheres que sofrem de hemorragia pós-parto. Além disso, os serviços de emergência exigem disponibilidade contínua de sangue para responder a casos de trauma decorrentes de acidentes de trânsito e outras lesões.

Por isso, os hemocentros ligados à USP têm intensificado campanhas de doação, além de esclarecer sobre práticas de biossegurança que protegem funcionários e doadores durante a pandemia. As duas instituições estão abertas mesmo durante a fase emergencial de isolamento e até durante fins de semana. As doações podem ser agendadas a distância pelos sites (confira abaixo) e, para tirar dúvidas, há uma assistente virtual, a Livia.bot, que pode ser acessada neste link. 

Em outras ações, os hemocentros também têm se empenhando em coletar e distribuir bolsas de plasma convalescente (parte líquida do sangue) para regiões em situação emergencial, como durante a lotação de hospitais da cidade de Araraquara, pois esse componente permite transferir anticorpos ao paciente com covid-19, até que o organismo afetado tenha tempo de construir sua própria resposta imune. 

Campanhas nas redes sociais alertam para necessidade de doação de sangue na pandemia - Foto: Reprodução/Facebook

Sangue e ciência

Os dois hemocentros ligados à USP são espaços de coleta e administração do sangue, mas também de muita ciência para entender melhor doenças e tratamentos relacionados ao sangue, às células-tronco que dão origem ao sangue, um dos locais no qual ele é produzido (medula óssea) e muito mais.

Fundação Pró-Sangue - Hemocentro de São Paulo

A Fundação Pró-Sangue é responsável pelo maior hemocentro da América Latina. A  estrutura conta com agências transfusionais e laboratórios, além de outras agências no Instituto do Câncer (Icesp), Instituto do Coração (Incor) e Instituto da Criança (ICr). Externamente, a fundação possui agências que também possuem postos de coleta em Barueri, Osasco, Dante Pazzaneze e Mandaqui. 

Ao todo, atende a mais de 100 serviços de saúde. É, portanto, fundamental para o suprimento de sangue em São Paulo, além de manter cooperação acadêmica e técnico-científica com a USP, possuindo importante atuação em âmbito de pesquisa.

Segundo dados do Relatório de Gestão de 2019, a Pró-Sangue atendeu 151.369 candidatos à doação. Desses doadores, foram coletadas 112.523 bolsas de sangue total. O perfil do doador nesse ano foi composto por: maioria homens, com idade entre 18 e 29 anos, participantes da primeira doação. Atualmente, a instituição possui mais de dois milhões de indivíduos cadastrados em seu sistema de doação.

VEJA AQUI COMO DOAR SANGUE

O agendamento pode ser feito pela internet (clique aqui para saber mais)

Hemocentro de ribeirão preto

No Hemocentro de Ribeirão Preto, que inclui o Centro de Terapia Celular (CTC), o foco são as pesquisas sobre células-tronco. Foi lá, por exemplo, que foi desenvolvida a primeira linhagem de células-tronco embrionárias no Brasil, em 2008. Já em 2016, eles criaram 18 novas linhagens de células-tronco, nas quais os genomas refletem melhor a miscigenação brasileira.

Outros avanços do CTC foram tratamento da hemofilia, com a produção inédita dos fatores responsáveis pela coagulação do sangue FVII, FVIII e FIX utilizando células humanas. A descoberta resultou no registro de patentes e alternativas mais seguras e acessíveis aos pacientes.

 Outras pesquisas são:

  • desenvolvimento de plataforma e expansão de células T geneticamente modificadas para o tratamento de pacientes com leucemias e linfomas; 
  • descoberta do início do processo de inativação do cromossomo X durante o desenvolvimento embrionário humano; 
  • avanço no tratamento das escleroses sistêmica e múltipla; 
  • novas perspectivas no combate a um dos tipos de tumores cerebrais cancerígenos mais agressivos, os astrocitomas;  
  • inibição de células de melanoma em cultura; 
  • estudos sobre os telômeros; 
  • formação de um banco de células com a genética da população brasileira.

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Células-Tronco e Terapia Celular no Câncer (INCT) é  formado em parceria com o Ministério da Ciência e desenvolve pesquisas básicas e clínicas para entender, isolar, cultivar e usar de forma terapêutica as células-tronco somáticas e pluripotentes. Além do estudo de células-tronco neoplásicas, em particular as associadas às leucemias e aos linfomas.

VEJA AQUI COMO DOAR SANGUE

O agendamento pode ser realizado pelo site (clique aqui para saber mais)

Entenda a importância do sangue para o nosso organismo e como funciona a sua “fabricação”

De onde surge o sangue?

A medula óssea é um tecido líquido-gelatinoso do nosso corpo que preenche o interior de alguns ossos do corpo, como a bacia, a principal produtora da medula, na qual encontramos células-tronco e células gordurosas.

icone_celula_tronco

As células-tronco têm capacidade de se transformar em outros tipos de células, como a chamada hematopoiética, que após várias etapas transforma-se em células que compõem o sangue: glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e as plaquetas. Em média, 55% do sangue é líquido e 45% são células.

VOCÊ SABIA?

As células-tronco são conhecidas como células fontes ou progenitoras. Isso é porque elas podem se converter em qualquer tipo de célula do nosso corpo, duplicar-se e gerar células iguais a si. Todo esse processo permite a reposição celular e a regeneração dos tecidos no organismo. É por isso que o nosso corpo é capaz de repor o sangue que doamos.

Curiosidade

Quando nascemos todos os ossos produzem células do sangue, mas, com o tempo, o corpo concentra essa habilidade apenas em alguns ossos, como vértebras, costelas, quadril, crânio, ossos chatos e esterno. Nas crianças, ossos longos como o fêmur produzem sangue.

Do que ele é feito?

Assim como a pele, o sangue é um tecido do corpo. Em média, cada pessoa possui 5 litros, mas esse valor pode variar dependendo do tamanho, peso, se é homem ou mulher. Veja os componentes do sangue e suas funções no nosso organismo:

Plasma

de coloração amarelo-palha, através dele circulam por todo o organismo as substâncias nutritivas necessárias à vida das células. Essas substâncias são: proteínas, enzimas, hormônios, fatores de coagulação, imunoglobina e albumina.

Plaquetas

são pequenas células que tomam parte no processo de coagulação sanguínea, agindo nos sangramentos (hemorragias). Existem entre 200.000 e 400.000 plaquetas por milímetro cúbico de sangue.

Glóbulos vermelhos

podem ser chamados de hemácias ou eritrócitos; são responsáveis pelo transporte de oxigênio, levando energia para o corpo se movimentar. Elas também levam dióxido de carbono, produzido pelo organismo, até os pulmões, onde ele é eliminado. Existem entre 4 milhões e 500 mil a 5 milhões de hemácias por milímetro cúbico de sangue.

Glóbulos brancos

também chamados de leucócitos, fazem parte da linha de defesa do organismo e são acionados em casos de infecções, para que cheguem aos tecidos na tentativa de destruírem os agressores, tais como vírus e bactérias. Existem entre 5 mil a 10 mil leucócitos por milímetro cúbico de sangue.

VOCÊ SABIA?

O sangue é vermelho porque as hemácias (glóbulos vermelhos) possuem uma proteína chamada hemoglobina que contém moléculas de ferro em sua estrutura e quando em contato com o oxigênio têm cor avermelhada.

Curiosidade

A água que bebemos ajuda na formação do plasma, a parte líquida do sangue. Ele ainda é formado por proteínas e sais minerais.

As letras que definem o tipo sanguíneo

Existem 43 sistemas de sangue diferentes, os mais importantes são o ABO e o Rh. Mas o que são esses sistemas? Nos anos 1900, o médico austríaco Karl Landsteiner percebeu que se juntarmos amostras de sangue de pessoas diferentes poderiam acontecer duas situações: os sangues se misturavam sem nenhum problema ou eles não se misturavam e ainda ocorria uma reação que levava à destruição das hemácias (glóbulos vermelhos) e formação de coágulos, ou seja, o sangue deixa de ser líquido e se transforma num tipo de gel sólido.

Esse experimento permitiu a descoberta dos conceitos de sangue compatível e incompatível. Uma das células do sangue, a hemácia (glóbulos vermelhos), tem algumas proteínas em sua superfície que são chamadas de antígenos ou aglutinogênios. São esses antígenos que receberam os nomes de A, B, AB e O. Mas, na verdade, existem apenas dois tipos de antígenos, que são o A e o B:

E como surge a incompatibilidade entre os sangues?

Se você tem hemácias que apresentam antígenos A na superfície (tipo sanguíneo A) isso significa que seu corpo possui anticorpos contra hemácias com antígenos B. Portanto, qualquer sangue que contenha antígenos B será rejeitado.

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Se uma pessoa tiver antígenos A na superfície das suas hemácias, o sangue dela é classificado

TIPO A

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Se uma pessoa tiver antígenos A e antígenos B na superfície das suas hemácias, o sangue dela é classificado como

TIPO AB

20210325_tipo_sanguineo_b

Se uma pessoa o tiver antígenos B na superfície das suas hemácias, o sangue dela é classificado como

TIPO B

20210325_tipo_sanguineo_o

Se uma pessoa não tiver nem o antígeno A nem o antígeno B na superfície das suas hemácias, o sangue dela é classificado como

tipo O

(ou tipo zero)

Você é Rh+ ou Rh-?

Em 1940, o médico austríaco Landsteiner ainda descobriu o chamado fator Rh. Ele era responsável pela incompatibilidade de alguns tipos de sangue mesmo quando o sistema ABO era respeitado. O sistema Rh segue a mesma lógica do sistema ABO.

O antígeno Rh, também chamado de antígeno D, pode ou não estar presente nas membranas das hemácias. Se estiver presente, a pessoa é classificada como Rh positivo. Quem é Rh+ não tem anticorpos contra o antígeno Rh. Por outro lado, se a pessoa não tiver o antígeno Rh nas membranas das hemácias, ela é classificada como Rh negativo. Quando positivo (Rh+), haverá aglutinação do sangue se ele entrar em contato com sangue que tenha anticorpos anti-Rh (A- B- AB- O-).

Já os tipos sanguíneos negativos (A- B- AB- O-) não possuem a proteína e não sofrerão aglutinação quando em contato com anticorpos Rh-. Por isso, uma pessoa não pode receber um tipo de sangue no qual ele possui anticorpos contra. Por exemplo, quem tem sangue B não pode receber sangue de um paciente com sangue A, já que os seus anticorpos contra o antígeno A irão destruir as hemácias transfundidas quase que imediatamente.

O mesmo ocorre se a pessoa é Rh+. Ela precisa receber sangue do mesmo grupo sanguíneo A, B, AB ou O e Rh+.

Pode doar paraPode receber de
A+A+, AB+A+, A-, O+, O-
A-A+, A-, AB+, AB- A-, O-
B+B+, AB+B+, B-, O+, O-
B-B+, B-, AB+, AB-B-, O-
AB+AB+TODOS OS TIPOS
AB-AB+, AB- A-, B-, AB-, O-
O+A+, B+, AB+, O+O+, O-
O-TODOS OS TIPOSO-

VOCÊ SABIA?

No Brasil, os tipos sanguíneos se distribuem da seguinte forma na população:

O+A+B+O-A-AB+B-AB-
42%33%10%6%5% 3%1%1%

VOCÊ SABIA?

O tipo AB é considerado um receptor universal, enquanto o tipo O é um doador universal

Podemos salvar até 3 vidas

Com uma doação de sangue, cerca 450 ml, ela se transforma em três hemocomponentes: concentrado de glóbulos vermelhos (usados nos casos de hemorragias ou anemias severas), concentrado de plaquetas (para casos de sangramento) e plasma (após processado, pode ser usado em medicamentos hemoderivados e pacientes com deficiências de coagulação).

Uma breve história

A hemoterapia é a administração do sangue e seus componentes para tratamentos de doenças e condições clínicas, como anemia. A história da hemoterapia passa pelo período paleolítico, quando a importância do sangue para a vida já era compreendida pelos humanos. A trajetória do sangue passou por misticismo, períodos de transfusão de animais para pessoas, de pessoa para pessoa (com a morte dos doadores), de estudos e experimentos, até chegar à primeira experiência de transfusão sem que o receptor morresse no processo. Ela ocorreu em 1818 na Inglaterra, realizada pelo médico obstetra James Blundell.

As descobertas sobre os diferentes tipos sanguíneos, antígenos e sistema Rh, ocorridas no início do século 20, revolucionaram a hemoterapia e facilitou passos importantes para a evolução da área.

O estudo do sangue (hematologia) no Brasil começou no século 19, por meio da publicação de um livro, no qual o médico Miguel Pereira derrubou o preconceito de que a população brasileira seria lenta no trabalho por conta de uma anemia tropical. Mais tarde, nomes como Oswaldo Cruz, Adolfo Lutz e Vital Brasil contribuíram com o avanço da área por meio de institutos de pesquisa.

A hemoterapia, então, iniciou sua trajetória no País em 1933, por meio da criação de um serviço de transfusão no Rio de Janeiro. O primeiro hemocentro brasileiro surgiu em 1941.

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Fontes: Ministério da Saúde, Hemocentro Ribeirão Preto, Fundação Pró-Sangue