![Foto: Marcos Santos/USP Imagens](https://jornal.usp.br/wp-content/uploads/20160719_01_picasso.jpg)
São tantos Picassos para conhecer que o visitante, mesmo depois de observar as 153 obras organizadas por temas e ordem cronológica no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, tem a impressão de que o verdadeiro Pablo Picasso ainda está por se apresentar. Impressão provocada pela inquietude do próprio pintor, que dizia: “O que já fiz não me interessa. Só penso no que ainda não fiz”.
A mostra Picasso – Mão Erudita, Olho Selvagem traduz a busca e os múltiplos caminhos do artista. As obras pertencem ao Musée National Picasso-Paris e a grande maioria é inédita no Brasil. “São peças que Picasso decidiu conservar por toda a vida, a maioria das quais conviveu com ele. Por isso, elas possibilitam penetrar no âmago do seu processo criativo”, explica Emilia Philippot, curadora da instituição que tem a maior coleção do artista no mundo. “Desde os primeiros anos de formação, durante os quais o jovem prodígio molda cópias em gesso de mármore antigo, até as últimas etapas de sua vida, marcadas por intensa prática da gravura, a coleção possibilita abordar o homem e sua obra em toda a sua complexidade. Por isso, decidimos tirar proveito do caráter específico dessa coleção para esboçar um retrato plural do artista que questiona sua relação com a criação, entre fabricação e concepção, execução e idealização, mão e olho.”
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Essa característica do acervo foi preservada com muita sensibilidade pelo Núcleo de Curadoria do Instituto Tomie Ohtake. “As pinturas, desenhos, esculturas e cerâmicas vão traçando um percurso em torno de conjuntos que seguem as principais fases do artista”, observa Paulo Miyada, curador geral do Instituto Tomie Ohtake e mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “São 34 pinturas, 42 desenhos, 20 esculturas e 20 gravuras, além de uma série de 22 fotogramas de André Villers, realizados em parceria com Picasso. Completam a mostra 12 fotografias de autoria de Dora Maar, três de Pirre Manciet e filmes sobre os trabalhos e seus processos de realização.”
A equipe de pesquisadores do Núcleo de Curadoria, coordenada por Miyada, atuou na montagem da mostra, que está dividida em dez seções: “O primeiro Picasso”, lembrando a sua formação e influência; “Picasso exorcista e as senhoritas de Avignon”, uma fase marcada pelo fascínio do corpo feminino; “Picasso cubista”; “Picasso clássico”; “Picasso surrealista”; “Picasso engajado e Guernica“; “Picasso na resistência”; “Picasso múltiplo: a alegria da experimentação”; “Picasso trabalhando e o mistério Picasso”, mostrando a magia de seu processo criativo na pintura; e “O último Picasso: o triunfo do desejo”.
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Um mundo humano
“Afinal, uma obra de arte não se realiza com as ideias, mas com as mãos”, argumentava Picasso. Ceramista, pintor, escultor, gravador, as mãos de Picasso conduzem a um mundo denso e humano. O artista cidadão que, em 1936, fica ao lado dos republicanos espanhóis. E o revolucionário criador de Guernica, em protesto ao bombardeamento da cidade basca pelos aviões nazistas, em 26 de abril de 1937, surpreende mostrando uma arte vital que se integra e participa dos rumos do homem. Picasso imprime as suas impressões no mundo.
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“Como seria possível não se interessar pelos outros homens e, com total indiferença, afastar-se da própria vida que eles mesmos trazem com tanta abundância? Não, a pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo”, observou o artista.
Picasso, em cada obra, busca, na arte, a razão de sua existência. Logo ao entrar no primeiro núcleo, o visitante encontra um menino pintando. “Pablo Picasso tinha somente 14 anos quando pintou O Homem de Boné, um de seus primeiros óleos sobre tela de real importância”, conta a curadora Emilia Philippot. “Ele conservou essa tela até o final da vida.”
O caminhar entre as obras leva a um ceramista que poucos conhecem. “A cerâmica funciona como a gravura. A passagem pelo forno é como a tiragem. É nesse momento que você descobre o que fez. Quando a tiragem chega às suas mãos, você já não é a mesma pessoa que gravou. Você se vê obrigado a retomar a gravura. Com a cerâmica, entretanto, não se pode fazer mais nada”, explicou o artista.
O mestre e o visitante
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Crianças, jovens, idosos, não há quem não leve de Picasso uma lembrança criativa e intrigante. Kristiane Fertonani olha as peças de cerâmica com atenção. “Sou farmacêutica, mas a sensação de amassar o barro e construir uma ideia é única. Também estudo cerâmica e não sabia dessa face de Picasso. As corujas que ele criou são originais e dão a nítida impressão de quem enxerga no escuro.”
Ao ver o óleo sobre tela Paul em Arlequin, a estudante Luana Meira, 16 anos, teve uma certeza: “Eu quero ser pintora também”. Acompanhada pela mãe, Solange Meira, que é bancária mas estudou Artes Plásticas, observa cada obra com atenção. “Já tinha ouvido falar em Picasso e visto o seu trabalho em livros, mas conhecer pessoalmente é muito diferente. É interessante como ele foi capaz de mudar a sua técnica de uma fase para outra. São vários artistas em uma única pessoa.”
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Com um vestido florido combinando com o lenço nos cabelos, a psicóloga Olga Mello veio de Caldas Novas (GO) para ver Picasso. “Aqui eu tenho oportunidade de conhecer um artista que viveu intensamente, que preservou a sua liberdade. Em cada obra, ele deixa transparecer a sua alma.” Olga visita a exposição com a irmã, Valéria de Oliveira Mello, advogada. “Vim para ver o processo de criação de Guernica, um quadro que impressiona pelo depoimento, pelo protesto.”
Osmar da Silva Júnior leciona História e Sulamita da Silva é professora de Artes. Trabalham juntos na Escola Municipal de Ensino Fundamental João Carlos da Silva Borges, em São Paulo, e aproveitam as férias para visitar as exposições que estão pela cidade. “A arte deveria ser priorizada na educação das crianças. A de Picasso, por exemplo, desperta a sensibilidade, a criatividade”, argumenta Sulamita. “Importante conhecer um artista que revolucionou a arte de seu tempo”, completa Osmar. “Através de seus quadros, podemos entender e contextualizar a política, a sociedade e a trajetória não só do artista, mas do homem.”
A exposição Picasso – Mão Erudita, Olho Selvagem fica em cartaz até 14 de agosto, de terça-feira a domingo, das 11h às 20h, no Instituto Tomie Ohtake (rua dos Coropés, 88, Pinheiros, em São Paulo). Ingresso: R$ 12 (inteira). Grátis às terças-feiras. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2245-1900.
Assista a seguir reportagem da TV USP sobre a exposição Picasso – Mão Erudita, Olho Selvagem: