Sistemas de computação baseados no cérebro humano já são realidade

Computação neuromórfica permitirá às máquinas aprenderem de maneira análoga ao cérebro humano

 04/04/2017 - Publicado há 8 anos
Orientandos do professor Gregório Faria trabalham em aplicações para o sistema - Da esq. para dir.: Renan Colucci, Gregório Faria e Priscila Cavassin - Foto: Divulgação/IFSC
Orientandos do professor Gregório Faria trabalham em aplicações para o sistema – Da esq. para dir.: Renan Colucci, Gregório Faria e Priscila Cavassin – Foto: Divulgação/IFSC

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Uma classe de materiais poliméricos apresenta uma característica especial: eles são condutores mistos, ou seja, são capazes de conduzir cargas eletrônica e iônica com igual eficiência, o que os torna bons transdutores (ou conversores) de um tipo de corrente em outra. Essa especificidade dos polímeros foi explorada por pesquisadores brasileiros e estadunidenses, com o objetivo de mimetizar a máquina mais complexa sobre a qual se tem conhecimento: o cérebro humano.

As sinapses neuronais, impulsos nervosos dos neurônios que são transformados em impulsos químicos, e responsáveis por todas as ações que realizamos (comer, pensar, sentir dor etc.), ocorrem da seguinte forma: os neurônios abrem canais de íons e os enviam ao meio celular, polarizando-o, ou seja, enviando cargas iônicas que, posteriormente, serão reconhecidas pelos neurônios vizinhos, permitindo que as sinapses ocorram. “O nosso corpo se comunica basicamente via fluxos iônicos. Os polímeros, portanto, tornam-se conversores ideais para fazer a interface entre tais fluxos iônicos e cargas eletrônicas, que nós, pesquisadores, conseguimos medir de maneira bastante precisa”, explica Gregório Faria, docente do Grupo de Polímeros (GP) do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP.

Durante os três anos em que estagiou na renomada Stanford University (EUA), Faria trabalhou intensamente nos fundamentos e aplicações dos condutores orgânicos mistos. Supervisionado pelo pesquisador do Departamento de Engenharia dos Materiais de Stanford, Alberto Salleo, ele auxiliou no desenvolvimento de um dispositivo neuromórfico, que exibe propriedades de sinapses artificiais.

Algumas aplicações dos sistemas orgânicos de condução mista já são vislumbradas pelos pesquisadores. Uma das possibilidades é a implantação desses materiais no cérebro de epilépticos, por exemplo, substituindo placas de eletrodos utilizadas em casos mais extremos. “Esses condutores, por serem poliméricos e, portanto, flexíveis, podem ser implantados no cérebro de maneira muito menos invasiva. Esse material, por sua flexibilidade, pode permear o cérebro sem danificá-lo, e pode não somente estimular os neurônios como também monitorar o fluxo iônico dos mesmos”, elucida Faria. “Além de sensoriar atividades cerebrais não usuais do paciente, como o ataque epilético, esse dispositivo poderá também aplicar uma tensão para, localmente, exterminar o processo que gera a epilepsia, sem danificar os neurônios vizinhos.”

A grande vantagem reside na duplicidade de condução iônica-eletrônica desses materiais poliméricos, o que permite que interfaceiem a biologia de uma maneira fantástica. E por já terem visualizado as possibilidades “biológicas” desses materiais, os pesquisadores já enxergam outra possibilidade de aplicação dos mesmos. “Por serem considerados ‘bombas iônicas’ [do inglês, ion pump] e, portanto, terem uma forte interface com sistemas biológicos, nós nos questionamos sobre a possibilidade de criar um dispositivo que, justamente, imitasse os sistemas biológicos. Foi quando pensamos em criar um neurônio artificial, pois tínhamos todo o know-how para isso”, explica o docente.

Computação neuromórfica permitirá às máquinas aprenderem de maneira análoga ao cérebro humano - Foto: Divulgação/IFSC
Computação neuromórfica permitirá às máquinas aprenderem de maneira análoga ao cérebro humano – Foto: Divulgação/IFSC

Essa ideia não somente foi possível, como também já foi concretizada, gerando, inclusive, a publicação de um artigo em uma das revistas científicas mais renomadas do mundo, a Nature Materials. O sistema neuromórfico criado por Faria e seus colaboradores de pesquisa imita, de fato, o funcionamento das sinapses neurais, e poderá, inclusive, revolucionar a própria computação. “Estamos chegando ao limite da lei computacional de Moore, que é o modelo que descreve o desenvolvimento do poder de processamento dos chips atuais. Muitas empresas, como IBM, Google, Microsoft etc. já estão investindo em algoritmos de deep learning e em sistemas de computação baseados no cérebro humano”, revela o pesquisador. “A computação baseada no funcionamento do cérebro, conhecida como ‘computação neuromórfica’, permitirá que os computadores façam algo que, até o momento, somente os humanos e determinados seres vivos são capazes: aprender”, conta.

Uma vez que o desenvolvimento desse sistema neuromórfico seja concluído em suas diversas etapas, a possibilidade de aplicações que se abre, tanto para a área biológica quanto para a área computacional, é imensa. “Já temos em mãos um dispositivo capaz de fazer sinapses artificiais e que apresenta características similares ao funcionamento de neurônios. Em nosso artigo, mostramos que o dispositivo contém todas as fases de potenciação de um neurônio, ou seja, a memória sensorial, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo, permitindo que esse sistema seja, de fato, capaz de aprender.”

A parceria entre IFSC e Stanford continua a todo vapor, assim como a continuação do projeto. Faria já tem dois alunos do IFSC trabalhando com outras aplicações do sistema neuromórfico. Um deles, o aluno de doutoramento Renan Colucci, já explora o uso da tecnologia para criação de um olho artificial. “Visamos funcionalizar moléculas sensíveis à radiação em nossos dispositivos, e fazer os sistemas neuromórficos enxergarem”, conta Colucci. Outra aluna de Faria, a mestranda Priscila Cavassin, explora novas interfaces com a biologia e a utilização de novas plataformas baseadas em condutores mistos orgânicos para aplicação de interesse biológico. “O próximo passo é trabalhar com redes neurais, que englobem todos os nossos sentidos. Criar, realmente, um cérebro artificial com capacidade de aprendizado. Esse ambicioso passo seguinte, obviamente, envolve pesquisadores de diversas áreas, como computação e engenharia elétrica”, adianta Faria.

As descobertas dos pesquisadores brasileiros e estadunidenses, de fato, abrem um universo infinito de possibilidades. Embora possa parecer um pouco assustador a princípio, se os pesquisadores continuarem sendo bem-sucedidos em suas pesquisas com sistemas neuromórficos, como tudo indica, a criatividade humana será o limite. E, quem sabe, poderá até mesmo contar com o auxílio de computadores para explorar esse infinito universo de aplicações.

A pesquisa descrita nesta matéria de divulgação pode se encontrar em fase inicial de desenvolvimento. A eventualidade de sua aplicação para uso humano, animal, agrícola ou correlatos deverá ser previamente avaliada e receber aprovação oficial dos órgãos federais e estaduais competentes. As informações contidas na reportagem são de inteira responsabilidade do pesquisador responsável pelo estudo, que foram devidamente conferidas pelo mesmo, após editadas por jornalista responsável devidamente identificado, não implicando, por isso, responsabilidade da instituição.

Da Assessoria de Comunicação do IFSC


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