Discussões sobre o desafio de garantir a saúde mental do trabalhador avançam para além dos consultórios médicos e departamentos de recursos humanos, ao passo em que um projeto de lei propõe incentivo fiscal destinado a empresas que comprovem investimentos em programas de saúde mental e promoção de grupos de ajuda e acolhimento no ambiente de trabalho. O professor Wagner Farid Gattaz, do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, discorre sobre o PL e comenta a importância da atenção primária à saúde no ambiente laboral.
Segundo o especialista, recentes pesquisas indicam uma alarmante prevalência de transtornos mentais entre trabalhadores brasileiros e um estudo realizado com 120 mil funcionários de 40 empresas diferentes revelou que 11% deles estão sofrendo de depressão grave, necessitando de tratamento, enquanto 20% enfrenta síndrome de esgotamento, também conhecida como burnout.
Empresas
De acordo com o professor, os transtornos mentais não apenas afetam a vida pessoal dos trabalhadores, mas também acarretam perdas significativas na produtividade empresarial. Ele conta que o custo global estimado para a economia devido às doenças mentais é de US$ 3,5 trilhões, sendo a maior parte atribuída à perda de produtividade e aos afastamentos relacionados ao tratamento mental.
Gattaz destaca que a percepção das pessoas e empresas sobre a saúde mental dos funcionários tem mudado ao longo dos anos. Anteriormente, existia um grande estigma e receio em abordar questões relacionadas ao bem-estar da mente, levando muitas empresas a evitar o tema. No entanto, ele explica que a pandemia acendeu um alerta sobre a importância do bem-estar emocional dos trabalhadores, levando muitas empresas a oferecer programas de apoio. “Durante a pandemia houve um aumento muito grande de ofertas querendo tratar da saúde mental das pessoas. E isso é um grande problema porque muitos desses tratamentos não são feitos por profissionais e não têm embasamento científico”, afirma.
Legislação
Dentre as leis de incentivo ao apoio empresarial para tratamento mental dos trabalhadores, Gattaz destaca a Lei Nº 14.831, sancionada pelo presidente da República em 27 de março de 2024, que visa a regulamentar e estabelecer diretrizes claras para os programas de saúde mental nas empresas. Essa legislação, de autoria da deputada Maria Arraes (Solidariedade – PE), confere um certificado de “empresa promotora da saúde mental” às instituições que implementarem programas abrangentes, que devem incluir informação sobre o bem-estar da mente, tratamento especializado, treinamento para aumento da resiliência e desenvolvimento de um ambiente de trabalho que promova a saúde mental.
“A regulamentação da lei é crucial para garantir a eficácia dos programas oferecidos. Parte do processo envolve a capacitação dos profissionais de saúde das empresas, que muitas vezes não possuem treinamento adequado para lidar com questões psiquiátricas. Com o treinamento apropriado, é possível tratar casos de baixa complexidade internamente, reduzindo a necessidade de encaminhamentos externos”, informa o psiquiatra.
Tratamento
Sobre a questão do burnout, o docente explica que, embora não seja classificado como uma doença pela Organização Mundial da Saúde, o transtorno é reconhecido como um fenômeno ocupacional que pode levar a condições de saúde mais graves. Trata-se de um estado de esgotamento físico e mental associado ao ambiente de trabalho, que pode ser tratado com psicoterapia e, em alguns casos, medicamentos.
O professor também ressalta a importância de reconhecer os transtornos mentais precocemente, visto que dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 350 milhões de pessoas sofrem de depressão, com quase metade delas não sabendo disso. Ele conta que a falta de diagnóstico pode levar a tratamentos inadequados e à cronificação das condições, por isso é importante apoiar propostas de incentivos fiscais a empresas que investem no cuidado com a saúde mental.
“Existe, por exemplo, um projeto de lei do deputado federal Amom Mandel, do Amazonas, que sugere permitir que parte do imposto pago pelas empresas seja dedicada a programas de saúde mental. Essa medida poderia estimular mais empresas a adotar práticas de bem-estar mental e proporcionar um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, já que essas instituições estarão recebendo de volta parte do que foi investido”, analisa.
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