Projeto de revisão da lei de zoneamento na Câmara precisa ser paralisado

Nabil Bonduki alerta que o processo está totalmente viciado e inadequado e que é preciso defender a cidade de uma lei voltada para atender apenas a interesses privados

 26/10/2023 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 06/11/2023 as 8:22

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Nesta semana têm início as audiências públicas na Câmara Municipal sobre o projeto de lei de revisão da lei de zoneamento chamada Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo da cidade de São Paulo, que vejo com muita preocupação. Foi um processo absolutamente acelerado. Veja que a Câmara Municipal aprovou da revisão do Plano Diretor, que dá as diretrizes para a revisão da Lei de Ocupação do Solo no final de junho. Há pouco mais de três meses, e num período exageradamente curto, o Executivo, através da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, elaborou uma proposta de revisão dos ordenamentos, que é uma proposta incompleta, uma proposta que não tem base técnica. Não tem um estudo técnico que tem avaliado a atual situação dos zoneamentos do Estado de São Paulo e nós temos muitos setores da sociedade reclamando de problemas com questões a respeito da construção de edifícios muito altos e em certas regiões da cidade. Temos visto muitos problemas que acontecem em todas as regiões que precisariam ter sido avaliados de maneira descentralizada pela Secretaria, pela Prefeitura, para poder produzir um projeto de lei com base técnica e também com processos participativos. A Prefeitura promoveu apenas cinco audiências públicas, sendo que a maior parte delas foi realizada sobre um projeto que posteriormente foi mudado. O projeto inicial sequer tinha um mapa, tinha apenas um texto com algumas diretrizes que, aliás, não corresponde ao que deve ser uma lei de ocupação do solo, porque é ao Plano Diretor que cabe definir diretrizes e à lei cabe estabelecer o que vai acontecer em cada quarteirão da cidade.

Depois de muitos protestos, a Prefeitura apresentou um mapa, mas um mapa apenas com chamados eixos de estruturação urbana, que são aquelas zonas perto das estações de Metrô que foram alargadas. Ou seja, se ampliou um problema que a sociedade tem apontado como grave nos bairros. Esse mapa foi apresentado e foi feita uma única audiência pública. E, pasme, depois que a Prefeitura enviou o projeto para a Câmara, a própria Prefeitura substituiu esse mapa sem submeter o novo a qualquer tipo de discussão. Efetivamente, o processo está totalmente viciado e inadequado.

Para corrigir esse processo, muita coisa tem sido feita. Existe já um inquérito no Ministério Público contestando esse processo e também corre na justiça uma ação civil pública promovida pelo Movimento Defenda São Paulo com apoio de várias outras entidades, objetivando paralisar esse processo e fazer com que a Prefeitura desenvolva uma proposta com participação popular, com avaliação técnica como deveria ter sido feito desde o início. Nós, da Universidade de São Paulo, da Faculdade de Arquitetura  e Urbanismo, promovemos junto com várias outras instituições acadêmicas e profissionais o Fórum SP23, que foi um fórum que debateu vários aspectos relativos à revisão do Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do Solo. Nós temos vários estudos técnicos realizados que deveriam ter sido aproveitados para poder se promover uma revisão da lei de ocupação do solo na perspectiva de melhorar as condições de vida e as condições ambientais da cidade de São Paulo, que como nós estamos sentindo, são questões cada vez mais graves. Nós estamos vivendo um período de eventos extremos, a questão climática está cada vez mais forte na cidade e isso está profundamente relacionado com a maneira como o solo é utilizado.

É uma lei muito importante, inclusive uma lei que altera o valor dos imóveis. Não pode se deixar para a Câmara fazer a lei, porque quando a Prefeitura apresenta um projeto frágil, sem base técnica com um mapa que na verdade só está afetando o chamado eixo de estruturação urbana naquelas áreas próximas do Metrô, aumentando a área de verticalização da cidade – que é o que o mercado imobiliário quer -, sem tratar de vários outros problemas importantes da cidade, nós vamos fazer com que esse processo de revisão vire uma espécie de mercado aonde cada um que quer valorizar seu imóvel ou proteger seu imóvel vai à Câmara reivindicar. E a lei acaba se tornando uma colcha de retalhos sem um projeto estrutural para a cidade. Isso tem que ser paralisado. A Câmara quer fazer audiências públicas diárias às 11 horas da manhã e votar em primeira votação no dia 30. E a gente sabe que o projeto substitutivo que será apresentado no dia 30 será profundamente diferente desse que foi apresentado pela Prefeitura. E, depois de uma semana, quer votar em segunda votação e fechar esse processo. Isso precisa ser paralisado e nós precisamos defender a cidade desse absurdo que é uma lei realizada dessa maneira para atender apenas a interesses privados e dos senhores vereadores.


Cotidiano na Metrópole
A coluna Cotidiano na Metrópole, com o professor Nabil Bonduki, vai ao ar quinzenalmente às quinta-feira às 9h00, na Rádio  USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção a Rádio USP,  Jornal da USP e  TV USP.

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