Para Marília Fiorillo, solidariedade é o primeiro passo civilizatório

Citando a antropóloga Margaret Mead, a professora reflete sobre qual seria o primeiro indício de civilização em um agrupamento humano

 28/07/2023 - Publicado há 1 ano

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Vou repetir uma história contada várias vezes, numa conferência na Universidade de Yale, na revista Forbes no início da pandemia, e citada por inúmeros autores: Perguntaram certa vez à antropóloga Margaret Mead, famosa por seus estudos em Samoa, qual seria o primeiro indício de civilização em um agrupamento humano. Seriam ossos transformados em armas, como descobriu o símio sapiens da cena inesquecível do filme 2001, uma Odisseia no Espaço? Ou anzóis? Recipientes para cozinhar? Não, nada disso. Mead respondeu que o primeiro sinal de civilização numa cultura foi o achado arqueológico de um esqueleto de 15 mil anos com o fêmur quebrado, mas cicatrizado. Nenhum bicho sobreviveria aos predadores com a perna quebrada. Mas um fêmur cicatrizado mostra que alguém resgatou e cuidou do ferido, deu-lhe água e comida e o protegeu por muitos dias, até que ele sarasse. “Ajudar alguém durante a dificuldade é o marco inicial da civilização”, concluiu.

Solidariedade é o primeiro passo civilizatório. Vale relembrar e refletir muito sobre a conclusão de Margaret Mead.  Hoje, mais que nunca.

A excelente repórter da BBC Orla Gerin, muito premiada e que vemos sempre em locais e situações arriscados, esteve recentemente no Iêmen, país destroçado por uma guerra de nove anos entre os houthis (xiitas pró-Irã) e o fraco governo sunita no exílio, apoiado pelos intermináveis bombardeios da Arábia Saudita; 80% da população do Iêmen está com a vida por um fio: cólera, fome, bombas, tiros. O sistema de saúde está praticamente destruído. A comunidade internacional fecha os olhos e reduziu os magros fundos de auxilio humanitário.

Gerin entrevistou crianças de uma pequena cidade, que desde o nascimento só conhecem a realidade de ataques de bombas, tiros de snipers e o medo cotidiano de pisar em minas enterradas e ir pelos ares. Perguntou a um desses meninos, de 3 anos e que perdeu uma perna, o que desejava no futuro. A criança não hesitou: “Uma arma. Para colocar dentro dela uma bala e derrubar quem me tirou a perna”. Amir tem 3 anos de idade. Será que a ferida psíquica destas crianças esquecidas pelo mundo ainda tem chance de cicatrizar?


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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