O que representa a indicação de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal

Os professores Roger Stiefelmann Leal, José Eduardo Faria e Vitor Rhein Schirato comentam e analisam a escolha do novo ministro do STF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva

 01/12/2023 - Publicado há 8 meses
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O Supremo Tribunal Federal não pode estar no holofote da mídia e do público – Foto: Caio de Benedetto / USP Imagens

 

A indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, na segunda-feira (28), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) dividiu opiniões. O presidente, interessado em ter mais um interlocutor no STF, ignorou a pressão de parte da sociedade para indicar uma jurista mulher e negra na vaga aberta com a aposentadoria de Rosa Weber. Uma parcela da população fala em indicação com viés político, e essa manifestação fez Flávio Dino enviar uma carta ao Senado, na qual diz que será técnico e imparcial.

Mas o que representa a indicação de um jurista e político para o Supremo? O Jornal da USP e a Rádio USP ouviram os professores Vitor Rhein Schirato, do Departamento de Direito do Estado, Roger Stiefelmann Leal, de Direito Constitucional, e José Eduardo Faria, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, todos da Faculdade de Direito da USP.

Jogo político

Vitor Rhein Schirato afirma não ver novidade num ministro da Justiça ser apontado para tal posição. “Não é o fato de ter sido ministro da Justiça, é a sua trajetória política. Por mais admiração que eu, pessoalmente, tenha pelo Flávio Dino, ele é um político”, declara.

Vitor Rhein Schirato – Foto: FD/USP

Dino iniciou a carreira política no início dos anos 2000, foi eleito deputado, governador e senador e, durante toda sua trajetória, teve posições firmes e claras. Na visão de Schirato, isso não é o desejável, uma vez que o Supremo está sendo questionado por uma parte da sociedade e, por mais que ele cumpra com sua promessa de imparcialidade, sua imagem política vai se sobrepor para o público. “Na minha opinião, por mais que a competência dele seja indiscutível, a sua entrada no STF reforça a ideia de que o Supremo tem um lado político, o que deveria ser evitado para aumentar a legitimidade e, principalmente, a aceitabilidade das decisões da Corte”, comenta. O ideal para o cargo, segundo ele, seria que fossem indicados indivíduos estritamente técnicos, com passado constitucional indiscutível e carreira acadêmica sólida, ou seja, não seria alguém do ambiente político.

Para José Eduardo de Faria, a indicação do ministro Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal foi uma demonstração muito clara de que o presidente Lula vê o seu futuro político, vê a evolução da democracia brasileira, vê a evolução das instituições governamentais passando diretamente pelo Supremo nos últimos anos. “A próxima campanha presidencial será tão difícil quanto aquela de 2018 e o Supremo Tribunal Federal tem cada vez mais um papel bastante significativo nesse processo. Basta ver que hoje ele é o órgão encarregado de julgar o atentado à democracia Brasileira de 8 de janeiro, mas não é só isso, o Supremo Tribunal Federal também cresceu de protagonismo político após a Constituição de 88”.

Jose Eduardo Campos de Oliveira Faria – Foto: Arquivo pessoal

Ele não tem nenhuma dúvida de que a Corte saiu fortalecida, do ponto de vista institucional, com a Constituição de 88. Além disso, entende tratar-se “não apenas e tão somente de uma corte institucional ou constitucional, o que por si só já é algo fundamental, ela é também uma primeira instância no julgamento de políticos com mandatos, portanto, parlamentares, ela é também quem controla a justiça eleitoral e ela é também a Corte que controla o Conselho Nacional de Justiça, portanto, ela tem um peso hoje que não tinha antes da Constituição de 1988”.

Schirato acrescenta que a Suprema Corte deve estar acima de qualquer suspeita, “não pode dar espaço para discussão, pois ainda que a decisão seja técnica, à luz do público muitas vezes não é. Isso vai gerar polêmica em relação ao Supremo e à sua legitimidade” — um cenário que, para ele, é ruim para o sistema e para o País.

Além da indicação

Ainda de acordo com ele, o sistema deve ser revisto, uma vez que o Supremo Tribunal Federal não pode estar no holofote da mídia e do público, ele deve ter uma atuação mais discreta e os ministros devem ser mais desconhecidos. “Na época da Copa do Mundo, o brasileiro médio não sabia os nomes dos 11 jogadores titulares da seleção brasileira, mas sabia de cabeça os dos 11 ministros do Supremo”, o que ele atribui a uma postura midiática, a qual pode ser observada por meio da transmissão ao vivo de julgamentos e entrevistas com os ministros.  “Isso é ruim para o sistema, porque já dá uma conotação a priori para o que eles pensam, de como agem e vão agir”. Nesse sentido, acrescenta, a indicação de Flávio Dino é um complicador, visto que, enquanto político, ele teve postura midiática. Schirato afirma que esse é um problema conjuntural dos últimos 20 anos e essa realidade é prejudicial porque, em um país polarizado como o Brasil, são colocadas em jogo a idoneidade, imparcialidade e a justiça da Corte, o que pressupõe um sistema que não funciona.

Roger Stiefelmann Leal – Foto: Arquivo pessoal

Já o professor Roger Stiefelmann Leal comenta que a indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal precisa ser vista sob três aspectos, além do período em que atuou como juiz federal. “O candidato apresenta relevante experiência no âmbito político, exerceu o mandato parlamentar e também esteve à frente do governo do Estado do Maranhão por duas oportunidades. Há, portanto, distintas experiências e perspectivas, além daquela obtida no exercício da judicatura, que também compreende o espaço político que cabe ao Legislativo e ao Executivo.”

Nesse sentido, o perfil e a habilidade política do ministro poderão ser fundamentais neste momento em que o STF é questionado por diversos setores da sociedade, apresentando uma baixa aprovação popular, segundo pesquisas. “O ministro poderá assumir perfil articulador e pacificador, atenuando e minimizando a interferência do STF sobre as soluções político legislativas adotadas em âmbito democrático, sejam elas de direita ou de esquerda, ao trabalhar por posicionamento institucional menos engajado, e arrefecerá ânimos, colaborando para o restabelecimento do desenho institucional que convém ao regime democrático.”

Nome voltado à realidade

 José Eduardo Faria observa que o Supremo Tribunal Federal opera por meio de ministros que, quando interpretam os princípios jurídicos, criam normas jurídicas para casos concretos. Ele entende que o presidente da República intuitivamente percebeu isso e escolheu um homem voltado para essa realidade, “que tem muita capacidade de se conduzir no âmbito da política, por um lado, e do controle da constitucionalidade, por outro lado. “O ministro Flávio Dino foi um juiz com natureza política, com viés político, com vocação política”. Ou seja, um magistrado com vocação política e hoje um político com vocação jurídica. Por não ser um jurista tradicional, ele preenche uma lacuna do Supremo, na opinião do professor.

Ouça a entrevista do professor Vitor Rhein Schirato, do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP, concedida à jornalista Roxane Ré, apresentadora do Jornal da USP no Ar — 1ª edição, repercutindo a indicação do Ministro Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal:

Logo da Rádio USP

Abaixo as entrevistas dos professores Roger Stiefelmann Leal, de Direito Constitucional, e José Eduardo Faria, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, ambos da Faculdade de Direito da USP, concedidas à jornalista Cinderela Caldeira, do Jornal da USP:

Roger Stiefelmann Leal

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José Eduardo Faria

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Colaboração de Paulo Capuzzo


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