Mães solo não devem ser sinônimo de abandono, mas de opção

Segundo Teresa Caldeira, as mulheres hoje escolhem ficar sozinhas com os filhos para sair de relacionamentos abusivos, para se verem livres de situações de violência ou porque os relacionamentos não estão dando certo

 19/10/2023 - Publicado há 7 meses
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Existe uma mudança cultural que permite que as mulheres possam tomar a decisão de exercer a maternidade sozinhas sem sofrerem grandes retaliações sociais – Foto: Prostooleh/Freepik
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Em 2022, o Brasil atingiu a marca de 11 milhões de mulheres que criam seus filhos sozinhas – as chamadas mães solo –, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo classificou como mães solo as mulheres que têm filhos e não possuem a presença de um cônjuge para ajudar nas responsabilidades que envolvem a criação de um filho. 

Em dez anos – entre 2012 e 2022 – o número de mulheres passou de 9,6 milhões para cerca de 11 milhões. A pesquisa destacou, ainda, que o número de mães solo pretas e pardas foi o que mais aumentou, passando de 5,4 milhões para 6,9 milhões no período analisado. Esse aumento significativo não possui apenas uma explicação.

Múltiplas causas

Teresa Caldeira – Foto Lecysartori – Wikipédia

Nem todas as mulheres que criam seus filhos sozinhas são vítimas de abandono por parte do genitor da criança. Segundo Teresa Caldeira, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, muitas mulheres estão escolhendo ficar sozinhas com os filhos para sair de relacionamentos abusivos, para se verem livres de situações de violência ou porque os relacionamentos não estão dando certo, por exemplo.

Desde 2014, a guarda compartilhada virou regra nos processos de divórcio de casais com filhos. Então, quando um casal se separa, caso os responsáveis não decidam agir de outra forma, é obrigação dos pais criarem e cuidarem da criança, sem que haja exclusão de uma das partes. 

Existem, entretanto, casos de ausência total, em que os genitores não participam da criação dos filhos. Nesse cenário, se enquadram homens que estão presos por longos períodos de tempo, que foram assassinados, ou que a mãe da criança não sabe onde se encontra. Segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, em 2022 – ano em que a pesquisa da FGV foi publicada –, o Brasil registrou mais de 100 mil crianças sem o nome do pai, o que demonstra um aumento em comparação aos anos anteriores. 

Mudança cultural 

Teresa ressalta um fator importante na discussão sobre mães solo no Brasil: atualmente, existe uma mudança cultural que permite que as mulheres possam tomar a decisão de exercer a maternidade sozinhas sem sofrerem grandes retaliações sociais. 

Há 40 anos, quando a pesquisadora começou a estudar a respeito do tema, as mães solo eram discriminadas pela família e pela comunidade em que estavam inseridas. Além disso, antigamente, também era comum que, quando uma mulher ficasse grávida sem estar casada, o chefe dessa família organizasse um casamento arranjado para encobrir possíveis escândalos envolvendo a futura mãe e sua família. Atualmente, entretanto, situações como as que existiam anos atrás não são mais tão comuns.

Além disso, a discussão sobre o que é ser pai e mãe na contemporaneidade ainda é um grande assunto em aberto. De acordo com a pesquisadora, houve uma reconfiguração nos conceitos de paternidade e maternidade e, consequentemente, uma reconfiguração sobre o que é masculinidade e feminilidade. Além disso, questões de gênero e sexualidade precisam ser levadas em consideração nessa discussão. “Tem muitos casos de casais homoafetivos – duas mulheres criando crianças ou homens gays criando crianças. Então, as possibilidades de definir o que é uma família e o que é um arranjo doméstico familiar estão mudando muito”, pontua. 

Ajuda

Algumas mães solo possuem uma extensa rede de apoio para auxiliar nos cuidados com as crianças, principalmente no momento em que estão trabalhando, através da ajuda de avós, vizinhas e amigas. Entretanto, essa ajuda nem sempre está disponível e pode gerar incômodos tanto para as mulheres que a buscam quanto para as que auxiliam. De acordo com Teresa, uma forma de ajudar essas mães é promover escolas e creches em tempo integral. 

“Acho que tem que ter uma política de creche em período integral para as crianças menores e acho que depois tem que ter uma política educacional que você inclua no período na escola com programas associados a programas de pós-escola, então você tem que ter programas, políticas públicas para garantir que essas crianças fiquem a maior parte do tempo no lugar que vai garantir um cuidado razoável”, explica. Em São Paulo, como pontua Teresa, existem inúmeros aparatos educacionais, como os Centros Educacionais Unificados (CEU), que poderiam acolher as crianças até o final do dia. 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo


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