A operação Lava Jato, que foi iniciada no ano de 2014, teve como principal objetivo investigar estratégias de lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos na política brasileira. Foram cumpridos mais de mil mandados de busca e apreensão, prisão temporária, prisão preventiva e condução coercitiva, além de a operação ter revelado um esquema de corrupção na Petrobras.
As perspectivas acerca dos impactos jurídicos, geopolíticos e midiáticos da Lava Jato na história do Brasil foram tema recente de um seminário realizado pela Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo. Nesse sentido, o professor do Departamento de Direito Penal da instituição, Maurício Stegemann Dieter, diz: “ É uma operação impossível de se entender fora da sua determinação política”.
Reflexões sobre o caso
O especialista afirma que essa determinação política tem suas evidências nas injunções econômicas e no panorama internacional, isto é, ultrapassou os interesses imediatos da economia brasileira e da soberania nacional. Do ponto de vista criminológico, segundo Stegemann, a Lava Jato foi um desastre para a justiça penal do Brasil, visto que perverteu conceitos claros. Por exemplo, a regra de competência — uma garantia do cidadão de saber quem vai julgá-lo antes do julgamento para que não seja escolhido um juiz por ocasião — para ele foi um princípio violado constantemente pela operação.
O professor cita o ex-juiz, Sergio Moro, para exemplificar esses casos, ao desenvolver que ele era competente para julgar qualquer pessoa em qualquer lugar do País, independentemente de onde era praticado o fato ou do autor: “Na pequena exceção que envolve a competência por prerrogativa de foro, uma competência definida pelo papel institucional que alguém ocupa. Mesmo assim, ele conseguia driblar essa proibição utilizando de artifícios como o desmembramento de acusações”.
Outra ideia essencial da justiça, que foi corrompida durante a operação, foi a do juiz imparcial, visto que, de acordo com o especialista, foi descoberto que, na Lava Jato, procuradores e juízes combinavam estratégias para produzir, de maneira voluntária, o resultado final do processo. “Tem outros institutos, do ponto de vista jurídico, que foram brutalmente violados. Basta pensar que inventaram a condução coercitiva, que é proibida na lei, mas que autorizou o espetáculo.” Ele completa que a exibição de presos como triunfos teve o objetivo único de constranger o acusado.
Stegemann aponta que outro instituto violado foi a delação premiada “à brasileira”, na qual obrigavam o condenado a dirigir sua confissão para atender aos interesses da acusação e, após isso, acusavam pessoas sem maiores evidências.
O professor ressalta que houve uma reação legislativa, a partir da lei de abuso de autoridade. “O pacote anticrime, um projeto hegemônico do grupo da Lava Jato para tentar colonizar o Direito brasileiro, não só foi derrotado, mas também foi um conteúdo de limitação dessa atividade.” Contudo, ele garante que ainda há muito a se fazer, pois o “lavajatismo” é muito forte.
Consequências para o Ministério Público
Para o especialista, o Ministério Público precisa de um contrapeso com urgência, a partir da responsabilização pelos processos errôneos ou conduzidos de maneira arbitrária. “Os erros judiciários, pela própria Constituição da República, devem gerar indenizações e responsabilidades.” O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmou recentemente que a Lava Jato foi o maior erro judiciário da história do País. Entretanto, o professor não concorda com o diagnóstico, porque, em sua opinião, houve muita intenção no processo para que a operação fosse denominada de erro.
De acordo com Stegemann, a dinâmica no Brasil funciona de forma que o Ministério Público, Federal ou Estadual, acusa mesmo sem a certeza da culpabilidade e, ainda que seja demonstrada a inocência do acusado, não resulta nenhum tipo de compensação ou pedido de desculpas. “No atual sistema, em que não há nenhuma forma indenizatória, é muito fácil acusar alguém”, afirma.
“Temos que pensar formas de composição em que casos mais graves, como demonstração de álibis ou ajustes grosseiros entre autoridades públicas para incriminar terceiros, sejam atribuídos às pessoas que manipularam o sistema de justiça.” Como exemplo, o professor utiliza o caso do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ficou cerca de dois anos preso por conta da operação e, depois da divulgação de que foi um processo ilícito, ninguém foi responsabilizado.
Institucionalidade do Estado de Direito
Segundo Maurício Stegemann, o Estado de Direito pode ser entendido a partir da lógica da soberania e, diante disso, na Operação Lava Jato houve uma instrumentalização da justiça brasileira com base em interesses corporativos de outros países, especialmente dos Estados Unidos. “Aquela espécie de colaboração descompromissada entre procuradores do Brasil e o Departamento de Justiça estadunidense se revelou como algo que atendia aos interesses deles.”
Essa realidade impactou a indústria brasileira, a partir da exploração do petróleo, e indicou que o Estado de Direito, que deveria dirigir seu próprio destino de acordo com o interesse de sua população, fosse corrompido por meio desses agentes.
O processo conhecido como lawfare — uso do sistema da Justiça para acusações genéricas, muitas vezes infundadas, como lavagem de dinheiro ou corrupção — é utilizado como instrumento de mobilização do imaginário popular, a fim de se infiltrar no processo político e decidir eleições. “Quem decidiu a ascensão da extrema-direita no Brasil foi a Lava Jato, por meio de um discurso de desqualificação da política, da acusação gelatinosa de corrupção que viabilizou a antipolítica como resposta irracional”, explica.
O professor diz que a lição aprendida com a operação é que essas “cruzadas messiânicas”, as quais mobilizam o sistema de justiça por meio de atores jurídicos capacitados por autoridades estrangeiras, decidem o destino de um país mais do que as eleições e isso é perigoso para a democracia.
Conclusões da operação
Conforme o especialista, apesar de a Lava Jato ter uma conclusão geral negativa, ela conseguiu demonstrar que as entidades são autônomas, ou seja, conseguem mobilizar poder sem se curvar às pressões institucionais, e isso pode ser uma virtude. Nesse âmbito, ele discorre que no caso da operação foi um defeito, pois a autonomia foi invocada em sentido inverso, a fim de pautar a imprensa.
Fatos praticados por membros da operação, como a captação ilegal de conversas da presidente da República, foram divulgados com o objetivo de evitar que o ex-presidente tomasse posse como ministro, obtivesse foro privilegiado e, dessa forma, não pudesse ser julgado. “Quem decidia as notícias que seriam publicadas eram as assessorias de imprensa desses órgãos”, afirma o professor.
Por fim, Stegemann aponta que, com a Lava Jato, foi possível construir um sistema no qual as pessoas poderiam trabalhar de maneira independente, sem pressão política e de pessoas poderosas. Entretanto, ele ressalta que, no caso citado, foi utilizada a pior face: explorar a independência para conduzir seus objetivos de forma arbitrária.
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