O grupo de pesquisa Judiciário e Democracia (Jude), do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, desenvolveu uma agenda de estudos sobre instituições judiciais e de controle nas democracias contemporâneas, em especial a brasileira, com foco no Supremo Tribunal Federal e na judicialização da política.
Eles buscam entender a interferência entre os três Poderes, o processo de escolha e nomeação dos juízes por parte do Executivo e as aprovações no Congresso. “A questão da judicialização da política, esse é o aspecto central que nos mobiliza”, explica o professor Rogério Bastos Arantes, do Departamento de Ciência Política da FFLCH e coordenador do grupo.
O Jude é um grupo de ciência política formado por pessoas de diversas áreas — incluindo as ciências sociais e o direito —, que abordam as questões a partir da ciência política. Como explica o professor, “a ciência política se importa, sobretudo, com as formas de exercício do poder nos regimes políticos em geral, mas em especial nas democracias”.
Por isso, o foco dos estudos é a interface mantida entre a instituição judicial e o exercício do poder político. O professor explica que o Brasil é um exemplo muito rico nessa área, já que os órgãos judiciais, o Ministério Público, a Polícia Federal e até mesmo órgãos que têm feições judiciais como o Tribunal de Contas, exercem controle sobre a atividade política nacional.
“Todos os dias a gente tem uma notícia nos jornais de alguma decisão judicial”, lembra. Ele ainda explica que “essas instituições atuam de uma maneira decisiva em temas muito relevantes para o País, para a democracia, mas também para a economia, para a sociedade, para os costumes.”
Judicialização da política
De acordo com Arantes, o termo judicialização da política indica que pode haver algo errado e que a fronteira entre os Poderes está se borrando, algo que não deveria acontecer. Para ele, a origem do termo repousa no estranhamento. “A Constituição de 88, que propiciou todo um terreno institucional, que promove essa interação”, explica. Assim, o controle e as decisões caracterizadas como interferência ou judicialização não ocorrem, na maioria das vezes, por voluntarismo dos juízes ou porque os políticos têm o poder de recorrer ao Judiciário – algo muito comum no País –, mas porque a própria Constituição desenhou isso.
Mais que isso, o Supremo Tribunal Federal tem o poder de controlar a constitucionalidade das leis aprovadas pelo Parlamento e o de aprovar, questionar e cobrar políticas propostas pelo Poder Executivo, exercendo enorme influência sobre políticos (deputados, senadores, prefeitos, governadores e até mesmo presidentes).
Isso significa que uma corte de justiça formada por 11 ministros não eleitos tem esse poder enorme de dizer se a lei aprovada no Congresso é constitucional ou não, com base na interpretação que eles fazem da lei. Esse mecanismo poderoso pode levar à judicialização da política. “No Brasil, existe a possibilidade de que o Judiciário controle as leis, controle as políticas públicas e controle os políticos, então significa que todo ciclo da política democrática está sob o controle e a vigilância cotidiana desses órgãos judiciais”, diz Arantes.
A escolha de ministros e o exercício no cargo
Uma das grandes questões da ciência política é: como ministros do STF se comportam judicialmente e votam questões no tribunal? Esse questionamento é ainda mais exacerbado quando grupos de juízes diferem na opinião acerca de certos temas. Sobre esse assunto, é importante lembrar que os ministros são indicados pelos presidentes e sabatinados no Congresso, só assim sendo aprovados.
Depois disso, ganham um cargo vitalício que, em tese, os protege de todo tipo de interferência externa para a tomada de decisões. “O que os orienta na hora de decidir se uma coisa é constitucional ou não é constitucional? O que os orienta na hora de decidir pela condenação ou absolvição de réus acusados de corrupção?”, questiona o professor. “Se é possível identificar fatores que determinam esse comportamento [dos ministros], o presidente e o senadores sabem disso também. E, porque eles sabem disso, vão escolher a dedo os ministros e as ministras para atuar em um tribunal”, diz.
A escolha de um ministro do STF é política, pois quem está no poder quer ter a possibilidade de influenciar a agenda e o modo de decisão para, no futuro, poder se proteger de eventuais julgamentos e investigações do tribunal. Também todo um xadrez político de formação de uma base de apoio no Congresso tem de ser levado em conta.
Neste ano, com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber (atual presidente do STF), duas cadeiras serão renovadas. Ficará a cargo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicar dois novos ministros. Tanto Lewandowski quanto Rosa Weber foram indicados pelo PT, o primeiro pelo atual presidente e a última pela sua sucessora, Dilma Rousseff.
É necessário um ajuste nesse mecanismo?
“Eu, particularmente, gosto desse mecanismo. Ele dá uma liberdade grande ao presidente para escolher, porque os requisitos constitucionais não são muito exigentes. Basta que a pessoa tenha a formação jurídica, a reputação ilibada e uma idade mínima que você pode indicar. Então, ele pode ter feito uma carreira de juiz ou uma carreira de advogado, inclusive”, diz o professor. O presidente, por sua vez, precisa antecipar se o Senado vai receber bem ou mal esse nome. Porém, ele lembra que “não há na história política do País um episódio de rejeição de indicação presidencial para o Supremo Tribunal Federal por parte do Senado da República”.
Outro ponto levantado pelo entrevistado foi a trajetória dos ministros antes de sua indicação, algo de grande importância tanto para o momento da nomeação quanto durante toda a atuação no cargo. Um exemplo disso é a atuação de ministros em casos de corrupção, como o Mensalão. “Características da trajetória profissional explicam o modo como eles votaram naquela sucessão de votações daquele julgamento. Então, olhar para o passado deles também importa. Não é só uma questão de preferência do presidente”, explica.
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