A ética na tragédia no Litoral Norte de São Paulo

Para Renato Janine Ribeiro, o que aconteceu em São Sebastião reflete a realidade de um país que, desde sua colonização, foi planejado para ter miséria. Portanto, as causas da tragédia devem ser eticamente identificadas e enfrentadas

 01/03/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 02/03/2023 as 9:04

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A tragédia no Litoral Norte de São Paulo, que causou devastação e mortes sobretudo no município de São Sebastião, é o tema da primeira coluna do ano do professor Renato Janine Ribeiro. Ele diz que o primeiro grande ponto ético a considerar nesse caso é o de que fica muito difícil, nos dias que correm, falar de uma tragédia. “As pessoas falam de tragédia, em certos casos falam até que era uma coisa, uma fatalidade, e uma característica importante do período moderno, do período que começa mais ou menos em 1500 e que se acentua extraordinariamente no final do século 20, é que a gente procura ver as causas dos fenômenos e, sobretudo, as causas dos fenômenos ruins. Então, você procura ver, por exemplo, por que as pessoas morrem mais cedo, por que as pessoas contraem certas doenças, e você vai para o lado dos fatores, que podem ser desde bactérias, vírus até saneamento básico deficiente, má alimentação e até criminalidade.” Tudo se resume, segundo ele, a repercutir as causas, numa manobra em que o objetivo é reduzir “o que é de ruim”.

Em relação ao que aconteceu no Litoral Norte de São Paulo, ele chama a atenção para duas questões que considera importantes: “A primeira questão é a questão do meio ambiente, nós sabemos que está havendo uma mudança mundo afora, que essa mudança está causando verões mais secos e mais intensos, invernos também mais intensos, um aumento de chuvas, um aumento de temperatura no mar e tudo isso traz uma série de consequências”. A outra questão tem a ver com o ponto de vista social e com os problemas dele advindos.

“Porque não é só um fenômeno climático que ocorreu na região de São Sebastião, foi também deslizamento de casas de muita gente pobre, gente que foi morar em lugares péssimos. Por que? Porque foi expelida para lá, lembrem que era uma região de caiçaras, que moravam à beira do mar. Por várias razões foram sendo desalojados, uns talvez à força, outros que compraram os terrenos deles a preços que talvez fossem até bons para o vendedor, mas que, a longo prazo, significava um custo muito alto e representava um lucro para quem comprou muitíssimo maior do que proporcionalmente foi o ganho para quem vendeu.”

O resultado é que essas pessoas foram colocadas em lugares absolutamente inóspitos e inadequados para viver, e isso, de acordo com o colunista, é fruto de uma coisa que a gente não pode ignorar aqui no Brasil, que é a miséria. “Não é que o Brasil é um país que tem pobreza, que tem miséria. O Brasil é um país que foi planejado para ter pobreza, para ter miséria. Desde que começa a colonização, o Brasil é um país da escravização, escravizam-se índios e, quando não dá certo, escravizam-se negros e, de modo geral, as populações mais pobres são tratadas dessa maneira e acaba levando ao extermínio. Por isso, não foi tragédia, não foi calamidade, por isso, eticamente nós devemos identificar as causas e enfrentá-las.”


Ética e Política
A coluna Ética e Política, com o professor Renato Janine Ribeiro, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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