Em clima eleitoral, especialistas comentam polarização da política norte-americana

Sergio Vale e Manoel Galdino Pereira Neto analisam os fatos a partir da destituição de Kevin McCarthy como presidente da Câmara dos EUA

 25/10/2023 - Publicado há 6 meses
Por
A dinâmica da política estadunidense se organiza com a existência prática de dois partidos: Democrata e Republicano – Foto: Jonathan Simcoe/Unsplash
Logo da Rádio USP

Em decisão inédita na política estadunidense, o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, foi destituído de seu cargo por votação decidida entre os parlamentares no início de outubro. De acordo com especialistas, apesar da medida evidenciar uma certa instabilidade no ambiente político, não deve ser tomada como surpreendente, tendo em vista que o líder republicano assumiu o cargo com divergências na minoria mais extrema de sua base de apoio no Congresso. 

Sergio Vale, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, comenta que a relativa instabilidade pode ser analisada a partir do aumento da polarização na política norte-americana. “A gente vê um presidente ser substituído por essa razão e dessa forma por um grupo minoritário dentro do Partido Republicano. Isso é algo que coloca preocupação à frente, pois qualquer decisão que eventualmente não satisfaça esse grupo minoritário pode ter consequências”, alerta o especialista. 

Destituição de McCarthy

Com um apoio já enfraquecido, o estopim para a medida da destituição de Kevin McCarthy envolveu a discussão orçamentária do país. Manoel Galdino Pereira Neto, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, desenvolve que o processo de elaboração do orçamento é feito e aprovado pelo Congresso, diferentemente do Brasil.

No entanto, antes da deliberação da lei orçamentária, o Poder Executivo possuía um déficit que precisava de financiamento autorizado pela Câmara, a fim de pagar as contas públicas. Assim, em contraponto ao Partido Republicano, especialmente à minoria mais conservadora, McCarthy fez um acordo com o presidente Joe Biden que resultou no descontentamento de sua base partidária e, por consequência, na sua deposição. 

Histórico político

Sergio Vale – Foto: LinkedIn

Desde o início do processo de escolha de McCarthy para a presidência da Câmara, apesar de republicano, seu nome foi considerado muito moderado aos olhos da parcela mais conservadora do partido. Com tal descompasso, Pereira Neto explica que tanto sua indicação quanto eleição foram atravessadas por descontentamentos inéditos em relação às tradições do país. “A última vez em que houve um processo tão difícil para eleger um presidente da casa nos Estados Unidos foi em 1860, ou seja, às vésperas da Guerra Civil americana, que resultaria no fim da escravidão”, pontua o professor. 

A dinâmica da política estadunidense, conforme esclarece Pereira Neto, se organiza com a existência prática de dois partidos: Democrata e Republicano. A predominância de qualquer um dos dois determina a maior governança no Poder Legislativo dos Estados Unidos, assim, sempre houve uma lógica de voto coletivo. Todavia, mesmo com a maioria republicana no Congresso, o professor relembra a dificuldade para formação de uma frente decidida em votar em McCarthy. Sergio Vale complementa que a polarização entre os partidos, acentuada pelo governo Trump, está facilitando ações de um grande grupo iniciadas por uma pequena parcela muito radical.

Perspectivas futuras 

Uma nova eleição presidencial em 2024 vai determinar o próximo chefe do Poder Executivo dos Estados Unidos em um contexto de extremismos políticos. “Há uma base dos republicanos que basicamente é contra qualquer governo funcional, se for democrata. Isso significa que é um governo que não quer governar, só destruir”, analisa o professor. 

Para além disso, é preciso pensar na sociedade que elege uma base tão extrema, cujo principal objetivo é defender uma ideologia sem qualquer pragmatismo político e que, com isso, causa um impeditivo para o governo enfrentar as questões do país. O pesquisador Sergio Vale indica essas condutas que dificultam uma possibilidade de convergência de solução política entre as partes como uma “tirania da minoria” – assim como o cientista político Steven Levitsky. 

Manoel Galdino Pereira Neto – Foto: Reprodução – Facebook

Apesar de se tratar de uma instabilidade política relativa – em comparação com os casos latino-americanos – e já existir uma tradição de oposição entre democratas e republicanos, Vale pondera que o afastamento de McCarthy, substancialmente decidido pela “tirania da minoria”, mostra indícios de uma polarização ainda maior em 2024. “De certa forma, é a antítese do sistema político baseado no governo representativo, porque ele se baseia na ideia de que políticos não são inimigos e têm que fazer negociações para o país funcionar. Porém, temos uma base que não quer negociar e que considera o outro como uma ameaça existencial”, avalia Pereira Neto.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar é uma parceria da Rádio USP com a Escola Politécnica e o Instituto de Estudos Avançados. No ar, pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h e às 16h45. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.