Desincentivo e corte de recursos trazem problemas ao Censo Demográfico de 2022

O resultado dessa política, segundo Fabio Betioli Contel, foram seguidos atrasos, defasagens e sucateamentos, o que acabou por comprometer a confiabilidade e a precisão do censo

 03/03/2023 - Publicado há 1 ano
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O último recenseamento foi realizado em 2010 e deveria ser feito a cada dez anos – Foto: Flickr / Fotomontagem Jornal da USP

 

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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais famoso pela sua sigla IBGE, é responsável por uma das medições mais importantes do País: o Censo Demográfico. “Censos são contagens exaustivas de populações. Os censos levam em conta a totalidade dos elementos que compõem determinada população, é um pouco uma definição oposta daquelas contagens que são amostrais, que trabalham só com uma parte do universo total. Isso dá uma enorme acurácia para as informações, não é preciso fazer inferências ou procedimentos estatísticos para se trabalhar com os dados do censo. Eles são fotografias bastante fiéis e detalhadas de uma determinada realidade“, explica Fabio Betioli Contel, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. 

Ele ainda acrescenta que, antes da realização da coleta de dados, é preciso dividir as áreas de realização do censo para então aplicar os questionários: “Determinados os setores censitários, aí sim os recenseadores vão a campo com dois tipos de questionários: um questionário básico e um questionário ampliado. Ambos investigam características que a gente pode dividir em dois grupos principais: características do domicílio e características dos próprios moradores. O questionário básico tem 26 questões e o questionário ampliado tem 77 questões. Cerca de 88%, 90% dos domicílios respondem o questionário básico e 10%, 12%, respondem o questionário ampliado”.

Motivos do atraso

Recenseador do IBGE entrevista morador da comunidade quilombola de Pedra Bonita, no Alto da Boa Vista, região norte do Rio. Censo demográfico do IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) identifica pela primeira vez a população e o território das comunidades quilombolas no Brasil – Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

 

O último recenseamento foi realizado em 2010 e deveria ser feito a cada dez anos. Porém, com a pandemia, a pesquisa foi postergada de 2020 para 2022. Mesmo que a coleta de dados tenha sido finalizada no dia 28 de fevereiro, o atraso dela é inegável e o início da entrega dos resultados está prevista só para o final de abril. Mas a crise sanitária não foi o único motivo para isso.

“No caso do IBGE, nesse contexto de guerra contra o funcionalismo público, o presidente Bolsonaro também, já em abril de 2019, por várias vezes, veio a público criticar os dados do IBGE sobre o emprego e o desemprego. Ele não tinha nenhum pudor em dizer que o IBGE produziu índices feitos para enganar a população, que essas estatísticas eram uma farsa. Sem nenhuma base, ele questionava as técnicas de cálculo”, diz o professor, que ainda nomeia essas atitudes como um “negacionismo estatístico” sobre as consequências do governo Bolsonaro. Nesse período, o desincentivo por meio do corte de orçamentos também foi um ponto importante. 

Em 2021, mais de 90% do orçamento destinado ao censo, que era cerca de dois bilhões de reais, foi cortado. O impacto disso foi não apenas um desmonte da instituição, mas também a impossibilidade de cogitar o início da execução do Censo 2020 naquele ano. “Se, inicialmente, estavam previstos cerca de 200 mil recenseadores, as informações divulgadas dizem que havia algo em torno de 91 mil recenseadores em ação, quase metade do que havia sido definido como um número adequado para a realização do censo. Houve pouco tempo de treinamento dos recenseadores e esse pouco tempo gerou muitas desistências, gerou muitas dificuldades para lidar com as recusas dos recenseados e evitar recusas. Houve muitos problemas na definição da remuneração e atrasos nos valores, nas datas e nos pagamentos para os recenseadores”, pontua o professor sobre a falta de recenseadores.

Além disso, a falta de divulgação midiática da realização da coleta domiciliar foi colocada por Contel como outro ponto importante na hora de analisar as razões do atraso do recenseamento: “O censo que está sendo realizado agora, em função desse arrocho dos recursos, não teve campanhas públicas prévias de propaganda, de divulgação, que sempre foram feitas. Em 2010, até em rede nacional apareceu o recenseador nas novelas. Enfim, a população estava mais esclarecida e, em um certo sentido, preparada para responder o censo, o que não ocorreu agora”.

Impactos

Muitos podem pensar que o Censo realizado pelo IBGE é algo que não afeta a população e serve apenas aos acadêmicos, entretanto, seus resultados e, consequentemente, atrasos impactam diversos setores. Os dados dele estão presentes nos estudos estatísticos realizados por várias empresas, tanto do âmbito público quanto do privado; com outras análises realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e também no cálculo de muitas políticas públicas como impostos e previdência. 

“Impostos municipais, estaduais e federais todo ano são atualizados em função do tamanho populacional e os anos com final zero são os grandes anos de referência do Tribunal de Contas da União para calcular isso. Se esses números não estiverem corretos, você pode tanto prejudicar os estados e municípios sem ser justo ao atribuir os recursos. Impostos são um tema extremamente sensível à contagem populacional”, explica Contel. No caso da Previdência, tanto para a pública quanto para a privada, é necessário ter um parâmetro estatístico muito bem feito da população brasileira para estimar quanto será pago de aposentadoria ou de outros benefícios sociais para a população como um todo. Sem esses números mais precisos, há uma dificuldade na execução de uma política previdenciária justa.

Fabio Betioli Contel – Foto: Arquivo Pessoal

Com os seguidos atrasos, defasagens e sucateamentos, a confiabilidade e a precisão do censo foram ameaçadas: “Pode deixar milhões de cidadãos numa certa invisibilidade geoestatística, não serão produzidas informações verossímeis sobre um grande contingente populacional e parcela significativas do território brasileiro, sobretudo onde está a população mais vulnerável. Isso vai inviabilizar a execução de políticas públicas de caráter social mais focadas e mais eficientes“, diz Contel. Com isso, o investimento em políticas para a melhora da vida da população fica ameaçado, como acrescenta o especialista: “Todos esses recursos gastos com a produção das informações são, no fundo, investimentos para que as políticas públicas sejam mais eficazes e que o desenvolvimento socioeconômico e a redução das desigualdades sociais sejam alcançados. Não é custo, é um investimento“.


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