Aquecimento global provoca mudanças adaptativas em animais do Ártico

Especialistas explicam que as mudanças climáticas afetam de forma muito significativa os polos do planeta, o que causa, além de desalinhamentos climáticos, impactos na biodiversidade

 Publicado: 17/04/2024
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Houve um aumento dos extremos climáticos no planeta, sejam eles de chuva, seca, calor ou frio, além de um aumento do nível dos oceanos, provocado pela absorção de calor do gelo derretido – Foto: Pexels
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De acordo com um artigo publicado pela revista científica Nature, a crise do aquecimento global provocou uma mudança adaptativa em ursos polares. Ao buscar seus alimentos, ao invés de descansarem enquanto esperavam a formação do gelo novamente, os animais perderam cerca de dois quilos por dia durante três semanas de pesquisa.

Esse é mais um dos vários impactos causados pelas mudanças climáticas, que atingem de forma muito mais intensa as duas regiões polares do planeta, a Antártica e o Ártico — com destaque para a última, já que está aquecendo mais rápido do que o restante do planeta e possui diversas espécies terrestres carnívoras, como os ursos estudados no artigo.

Micael Amore Cecchini – Foto: Researchgate

Micael Amore Cecchini, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo, explica que as ações humanas provocam o aquecimento global — alteram de forma significativa a composição química do ar, gerando um efeito de manter mais energia solar dentro do planeta. “Qualquer corpo que tem temperatura maior do que o zero absoluto perde temperatura por perda radioativa, então o planeta Terra é assim também, nessa perda de energia, se essa radiação infravermelho interage com gases que a absorvem, isso vai causar um aquecimento do ar também. O gás carbônico é o principal gás, porque ele tem um tempo grande de permanência na atmosfera e é eficiente em absorver infravermelho, quando ele absorve parte dessa energia ele manda de volta para a superfície”, complementa.

 

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O especialista comenta que o clima global é feito de ciclos naturais, como o ciclo das estações, as alterações entre El Niño e La Niña e os ciclos solares. Com isso, ele afirma: “O aquecimento global está sendo um modulador desses ciclos, sempre jogando as temperaturas para cima, então eles oscilam. Quando a temperatura sobe, o gelo derrete mais, porque a gente precisa de temperaturas zero e, quando o gelo derrete mais, uma fração da área menor vai estar coberta por gelo. O gelo é branco porque reflete praticamente toda a radiação solar, em comparação com uma terra exposta, que absorve parte dessa radiação, então assim a gente vai ter mais absorção ainda de energia solar. Isso retroalimenta o aquecimento global, então tem um feedback positivo nessa questão do aquecimento global e o tamanho das geleiras e das calotas polares”.

Com esses desalinhamentos, Tercio Ambrizzi, também professor do IAG-USP, comenta que houve um aumento dos extremos climáticos no planeta, sejam eles de chuva, seca, calor ou frio, além de um aumento do nível dos oceanos, provocado pela absorção de calor do gelo derretido.

Impacto nos animais

Ambrizzi explica que, todos os anos, há a perda de muitas espécies, enquanto novas espécies são geradas. Contudo, o aquecimento global tem impactado e modificado a biodiversidade — no ano passado, por exemplo, ocorreu recordes jamais registrados de degelo na Antártica, e o Ártico perde mais gelo ano após ano, com projeções futuras de perda total do gelo durante o verão, o que faz alguns animais dessas regiões polares sofrerem —, acelerando o processo de perda dessas espécies, afetando desde pequenos insetos até grandes mamíferos, de uma forma geral.

“Particularmente no Ártico, o urso polar acaba tendo que buscar outros tipos de alimento, porque ele tem que caminhar mais ou tem que nadar mais para buscar esses alimentos, e isso é algo que não fazia parte da maneira de ele se comportar e o prejudica. Nós temos tido problemas semelhantes na Antártica, no sentido de que os pinguins também têm sentido isso e também acabam tendo que se esforçar mais para buscar alimentos, porque, com o degelo, tem uma mistura também da água mais doce com a água salgada no entorno desses continentes gelados, e com isso muitas espécies, que são naturalmente de oceanos, acabam indo embora ou se dispersando para regiões mais salgadas e, portanto, acaba prejudicando a alimentação desses animais”, comenta.

O professor ainda explica que o impacto não é específico em alguns animais e afeta a cadeia alimentar. Usando o exemplo do urso polar, que não tem grandes predadores, se há menos ursos, as focas e suas outras presas vão sobreviver mais, que então vão se alimentar mais e diminuir a população de peixes; ou seja, apenas uma espécie com problemas causa uma sequência de impactos e desequilíbrios na cadeia.

Futuro

Tercio Ambrizzi – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Ambrizzi comenta que, se nada for feito para impedir o avanço do aquecimento global, muitas espécies de animais — e até os seres humanos — podem sofrer com a necessidade de migrações, além de vários outros problemas. Nesse sentido, Cecchini diz que, com as alterações das condições do ambiente, os seres vão ter que se readaptar e buscar lugares que possuem as condições em que estão bem adaptados.

“A última vez que eu vi os dados do tamanho das geleiras e das calotas polares, elas tinham atingido a menor área da série histórica mais recente. Então existe um certo ciclo de vários anos que as calotas polares vão se retraindo e vão se expandindo, isso tem um ciclo dentro de um ano, mas também tem um ciclo de um ano para o outro. Se as geleiras estão diminuindo, por exemplo, em um ano elas aumentam no inverno do Hemisfério Norte, depois retraem no verão, aí no próximo ano elas vão se expandir, mas vão expandir um pouquinho a menos e, quando retraírem, vão retrair um pouquinho mais. Essa é a tendência que a gente está tendo, cada ano elas avançam menos e retraem mais, então esse padrão no ciclo, para reverter, não vai acontecer em poucos anos, é questão de centenas ou milhares de anos”, finaliza.

 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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