A normalização da crueldade é uma ameaça global e compartilhada

Para Marília Fiorillo, só quando tivermos consciência dessa realidade é que poderemos nos resgatar das trevas da ganância, desigualdade e do sadismo

 21/04/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 24/04/2023 as 9:19

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Como  explicar essa recente onda de violência que, aparentemente sem motivo, atinge escolas e centros comerciais, entre outros locais? Para a professora Marília Fiorillo, a violência randômica tornou-se corriqueira, trivial. “Vamos deixar o diagnóstico mais preciso desse surto de brutalidades para os especialistas. Porém, o que pouco se comenta é que a violência é filha de uma indiferença de longa data e essa indiferença, por sua vez,  é resultado de um hábito arraigado: o abismo que criamos entre nós e o outros”, argumenta. “O outro é aquele ser invisível que está na periferia e na pobreza, ou mergulhado em crises humanitárias crônicas, como os rohingya, de Mianmar, vítimas de limpeza étnica, a população do Iêmen, onde dezenas de crianças morrem de cólera – uma doença erradicada – por minuto, ou os 98% de afegãos que sobrevivem na fome. O lema ‘vamos pensar primeiro em nossos interesses’ parece óbvio e prático, mas tem um efeito bumerangue a médio prazo. Invocar razões de Estado para se alinhar a ditaduras cruéis tem um alto custo, que é cobrado, cedo ou tarde.”

Marília cita o autor “neo pragmatista” Richard Rorty. “Para ele, a única saída desta explosão de caos e matança é criar uma ‘comunidade de confiança’, na qual se busca a confluência entre o nós e o outro.  Rorty afirma, em sua obra, que só quando ampliarmos as nossas lealdades, a nossa introjeção afetiva no outro, é que conseguiremos tecer essa tênue comunidade de confiança, que aumenta o número de pessoas que deixamos participar de nosso círculo.”

Marília observa que, para Rorty, não há nada de simplório nesse ativismo. “Ele escreveu: ‘Só quando os ricos puderam a começar a ver riqueza e pobreza mais como instituições sociais do que parte de uma ordem imutável é que as coisas mudaram’. Do mesmo modo, só a consciência e introjeção de que há uma ameaça global e compartilhada, que é a normalização da crueldade e a demolição dos muros de interesses de ocasião, é que podem nos resgatar, e às futuras gerações, das trevas da ganância, desigualdade, sadismo. Somos um e o mesmo, em Kiev, Ucrânia, ou São Paulo, Brasil”.


Conflito e Diálogo
A coluna Conflito e Diálogo, com a professora Marília Fiorillo, vai ao ar quinzenalmente sexta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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