A expansão das milícias no Brasil está intimamente relacionada com a disputa contra o crime organizado

Bruno Paes Manso, autor do livro “A República das Milícias”, explica melhor o contexto do crime que chocou o País

 Publicado: 01/04/2024
Os grupos passaram a participar da disputa de territórios da cidade com as facções, usando da construção e venda de empreendimentos imobiliários – Foto: Fernando Frazão / Agencia Brasil via Fotos Públicas
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O caso Marielle Franco, vereadora da cidade do Rio de Janeiro assassinada juntamente com seu motorista, Anderson Gomes, em 2018, chegou a uma conclusão com a condenação dos mandantes, os irmãos Francisco e Domingos Brazão, além do ex-chefe da polícia civil do Rio, Rivaldo Barbosa. Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e autor do livro e podcast República das Milícias, explica melhor o contexto e as motivações do crime, o que são as milícias do Rio e se elas podem se expandir para o restante do País.

Como surgiram as milícias?

As investigações da Polícia Federal mostraram que o assassinato de Marielle foi executado por uma milícia, grupo armado que disputa o território do Rio de Janeiro. O pesquisador explica melhor como as milícias, também chamadas de grupos de extermínio ou polícias mineiras, surgiram: “Tem uma ligação muito antiga da polícia com a contravenção, desde os anos 40, 50, quando o Rio de Janeiro era Capital Federal. Com a chegada do tráfico de drogas, houve um acirramento do controle territorial armado como modelo de negócio do crime, várias facções controlando territórios da cidade para vender drogas no varejo”.

Bruno Paes Manso – Foto – nev.prp.usp.br

Os grupos armados paramilitares então surgem como um modelo de “defesa comunitária” armada contra o tráfico em expansão: “A milícia surge  nesse processo histórico nos anos 2000, tentando exercer um controle territorial armado a partir de uma série de negócios na Zona Oeste do Rio, argumentando que assim faria uma autodefesa comunitária contra a expansão das facções, que estavam mais concentradas nas zonas Norte, Sul e Centro do Rio de Janeiro”, explica Paes Manso.

A partir disso, os grupos passaram a participar da disputa de territórios da cidade com as facções, usando da construção e venda de empreendimentos imobiliários, aliciamento de moradores e comerciantes, “gatonet” e outras formas características de controle paramilitar. Os grupos também passaram a exercer influência política na Câmara Municipal do Rio, com o controle de votos e a formação de currais eleitorais.

A motivação do crime

Embora seja certo que o crime tenha ligação com as milícias, a Polícia Federal ainda trabalha para apurar a motivação exata. Para o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, a execução ocorreu por um atrito entre Marielle e o grupo paramilitar na Câmara: “A vereadora teria pedido para a população não aderir aos novos loteamentos situados em áreas de milícia. Ao que tudo indica, ela se opunha claramente a esse grupo na Câmara Municipal do Rio, que iria regularizar essas terras para usá-las com fins comerciais, enquanto o grupo da vereadora queria utilizar essas terras para fins sociais, moradias populares”, explica o pesquisador do NEV.

Mas Bruno explica que apenas a oposição à regularização desses loteamentos controlados pela milícia pode não ser motivação suficiente para o assassinato: “Ela não apresentava uma ameaça de curto prazo em relação aos negócios mais concretos da milícia, mas havia todo um contexto de disputa política que ajuda a compreender algum tipo de recado que eles tentassem passar. A proximidade de eleição ou uma disputa que o PSOL [partido de Marielle] vinha fazendo na Assembleia Legislativa formam um contexto político amplo. O próprio Domingos Brazão tinha sido afastado por algumas operações da Polícia Federal”, expõe Bruno.

As milícias podem se expandir? 

Segundo o pesquisador, a expansão das milícias está intimamente relacionada com a disputa contra o crime organizado e as zonas de tráfico de drogas no Brasil: “O Brasil vem exercendo um papel como corredor de renda de drogas para o resto do mundo, e a partir da articulação das facções com bases prisionais isso aumentou. Você tem uma maior capacidade do Brasil de vender drogas para o resto do mundo. Está entrando dinheiro em dólar, isso entra na economia, é lavado e esquentado, passa a financiar a campanha e passa a gerar emprego”, expõe o autor. 

Com a expansão dessas facções criminosas, o modelo de combate atual gera polícias cada vez mais letais, o que contribui para a formação de grupos policiais paramilitares: “As próprias polícias, em decorrência do aumento de dinheiro entrando nesse mercado, estão sendo desviadas e participando de quadrilhas. Por outro lado, há descontrole das polícias. Uma força policial que mata muito, o passo seguinte é que ela adentre o mercado do crime. É um poder muito forte, que faz uma diferença muito grande na cena criminal, essa carta branca para matar, o poder sobre a vida e a morte das pessoas”. explica Bruno.


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