“A cidade de São Paulo está passando para as mãos do poder privado”

É o que diz Martin Grossmann ao comentar a tentativa do prefeito da capital, Ricardo Nunes, de transformar o Departamento de Patrimônio Histórico em mera Coordenadoria

 05/09/2023 - Publicado há 10 meses
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O tema desta coluna é a intenção da Prefeitura de São Paulo de transformar o DPH (Departamento de Patrimônio Histórico) em  coordenadoria. Para Martin Grossmann, é importante contextualizar o assunto. “Volto no tempo, nas vésperas do Estado Novo, em 1937, quando foram iniciadas, na então Capital Federal do Rio de Janeiro, as atividades do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão federal de proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Interessante esse elemento de salvaguarda, no bojo de um espírito futurista, construtivista, próprio do Modernismo.”

“Outra curiosidade é o fato de que, em 1935, tendo à frente Mário de Andrade, foi criado, aqui em São Paulo, o Departamento de Cultura e Recreação, instituição pioneira no desenvolvimento de um arcabouço político e operacional especialmente orientado para a formulação e a execução de políticas culturais, ou seja, havia uma relação direta entre o pensamento estrutural de políticas públicas para a cultura em São Paulo com a gestão Federal, uma vez que o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, convidou Mário de Andrade a formular, em 1936, o anteprojeto de preservação do patrimônio artístico nacional – ou seja, apesar das querelas entre Rio e São Paulo, o projeto nacional para uma representação moderna do Estado brasileiro é modernista e se origina dessa paradoxal aliança, que gerará o que entendo ser uma segunda onda, bandeirantista, uma vez que o Modernismo made in Brazil, originário dessa relação entre Rio e São Paulo, acaba conquistando praticamente toda a nação, tendo em Brasília seu ápice.”

“Esse projeto nacional modernista fomentado pelo Estado investe no futuro, em uma sociedade urbana funcional, construtiva e moderna, onde o automóvel se impõe. Não são as academias que modelam esse futuro, mas as universidades, museus de arte não são necessariamente protagonistas nessa estrutura pública para a cultura, sendo principalmente frutos da iniciativa privada, assim como a nossa Bienal. Talvez isso ajude a entender o fato de Brasília nascer sem museus. Um dado curioso nessa genealogia é que o futuro nasce atrelado a uma política de preservação patrimonial, seja na Capital Federal, ainda no Rio de Janeiro, como no Estado de São Paulo. E, para adicionar a esse quadro de curiosidades e paradoxos, destaco por fim o caso de Brasília, que, com apenas 27 anos de vida e ainda em formação, entra para o seleto grupo de cidades com título de patrimônio cultural da humanidade da Unesco. Esse reconhecimento veio em dezembro de 1987, tornando-se assim a primeira cidade moderna a receber tal honraria.”

O professor Grossmann explica que essa proposta do atual prefeito foi, na verdade, uma tentativa de rebaixamento de departamento para Coordenadoria do Patrimônio Histórico. No entanto, apesar de o prefeito voltar atrás, mantendo o nome e a sigla, uma mudança de fato aconteceu, pois a reestruturação, que modifica parcialmente a estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Cultura, bem como a distribuição de cargos em comissão, foi realizada. Na origem, tanto o Iphan como o DPH e até mesmo o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, conhecido como Condephaat, operam como uma espécie de freio de mão para esse espírito construtivo, “progressista, modernista”, ao salvaguardar não somente os monumentos e edifícios, como elementos singulares de uma cidade, mas as áreas de memória que representam as várias fases de ocupação da cidade, da sua paisagem e dos seus habitantes. Diz o colunista que “o prefeito, assim como as grandes incorporadoras que tomaram a cidade de assalto, querem é se ver livres desse freio de mão, ou seja, não são apenas os parques públicos que passaram para as mãos do poder privado, mas a cidade também”.


Na Cultura, o Centro está em Toda Parte
A coluna Na Cultura o Centro está em Toda Parte, com o professor Martin Grossmann, vai ao ar quinzenalmente, terça-feira às 9h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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