*Com informações do Instituto Moreira Salles
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Narração: Caroline Kellen
Há 110 anos, nascia a escritora, compositora, cantora e poetisa Carolina Maria de Jesus. Autora de um dos livros mais vendidos do Brasil durante a década de 1960 – Quarto de Despejo: Diário de uma favelada – a autora escreveu seis romances, peças teatrais e cerca de 56 cadernos, cujos manuscritos estão sob guarda de arquivos públicos. O primeiro de dois cadernos do manuscrito Um Brasil para os brasileiros acaba de ser exposto ao público pelo Instituto Moreira Salles (IMS), em um site inédito e exclusivo, que reúne informações sobre sua trajetória e sua produção literária, além de seções que celebram o seu legado.
Acessível no endereço http://carolinamariadejesus.ims.com.br, o site reúne extensa informação sobre a escritora mineira, que se tornou internacionalmente conhecida, tendo seu primeiro livro traduzido para 13 idiomas e distribuído em mais de 40 países. De acordo com o IMS, a proposta central do site é ser um “ponto de encontro”, onde admiradores, estudiosos, leitores e todas as pessoas que se sentem tocadas por Carolina possam compartilhar aspectos preciosos de sua vida e obra em movimento.
Já a seção Arquivo Vivo reúne cartas escritas e recebidas por ela e um extenso material sobre a exposição Carolina Maria de Jesus – Um Brasil para os brasileiros, incluindo os depoimentos gravados pelas 12 conselheiras da mostra, entre elas Elisa Lucinda, Conceição Evaristo e Carmen Silva. A seção traz o registro de cantores, como Virgínia Rodrigues e Wanderson Lemos, interpretando canções da escritora. Também está ali a reportagem histórica do jornalista Audálio Dantas publicada na revista O Cruzeiro, em 20 de junho de 1959, que tornou a escritora conhecida no Brasil.
“Eu fui criada no mundo. Sem orientação materna. Mas os livros guiou os meus pensamentos. Evitando os abismos que encontramos na vida. Bendita as horas que passei lendo. Cheguei a conclusão que é o pobre quem deve ler. Porque o livro é a bússola que há de orientar o homem no porvir” (Meu Estranho Diário)
“Eu disse: o meu sonho é escrever
Responde o branco: ela é louca
O que as negras devem fazer …
É ir pro tanque lavar roupa”
(Antologia Pessoal)
Os excertos acima integram obras póstumas de Carolina Maria de Jesus, publicadas, ambas, em 1996. Os textos descortinam uma literatura “caroliniana”, em que o sujeito que vive a pobreza, a fome e a miséria as relata com sua própria voz. Diversas críticas veiculadas a partir da notoriedade da autora a descreviam como “mulher de cor”, “semianalfabeta”, “favelada”, “catadora” e até “morfina escritora”, desqualificando sua poética em uma escrita reconfortante, mas meramente incidental.
Mas a produção acadêmica sobre a obra de Carolina resgata e valoriza seu letramento, criticidade e protagonismo enquanto autora. “Com sua ‘fome da escrita’, e, por isso mesmo, discursivizou sobre a ‘escrita da fome’, ou seja, essas ‘fomes’, metaforicamente, ajudam-nos a enxergar uma produção literária de enfrentamento social”, aponta Michel Luís da Cruz Ramos Leandro, doutor em Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em Ribeirão Preto (FFCLRP). Leandro graduou-se mestre em Educação pela FFCLRP em 2019 com a dissertação Autoria e Resistência: Carolina Maria de Jesus em discurso.
“Isso significa que Carolina, de algum modo, ocupou um ‘lugar de fala’ em uma posição social de poder – a de escritora – e, evidentemente, isso incomodou e, ainda hoje, incomoda. As suas obras provocam ‘rachaduras’ em relação à tradição, como se nesse ‘não-lugar’, Carolina, mulher, negra, periférica, exercendo o seu papel social e político de autora, rompesse com um imaginário ideal de autor (branco, classe média, com alto grau de escolaridade)”, afirma Leandro.
“Quando o assunto é sobre a comemoração dos 110 anos de seu nascimento, isso, de certo modo, comprova que suas obras resistiram ao tempo. Nem mesmo o período da ditadura, do século passado, foi capaz de silenciá-la, porque genuinamente estamos diante de uma escritora fenomenal e que soube encarar as suas contradições, revoltas e dores, diante de um país estruturalmente racista e desigual”, diz.
Leandro, que discute a ausência de autoras negras nas escolas e bibliotecas, conta que foi uma aluna negra, do 5º ano do ensino fundamental, que o incentivou a estudar a obra de Carolina. Após “consumir vorazmente” obras de mulheres negras, ele realizou a pesquisa e entregou sua dissertação impressa para a aluna em frente ao Theatro Pedro II, de Ribeirão Preto. “Foi meu jeito de pedir desculpas pela resposta que eu havia dado a seu questionamento”, conta.
Para além dos relatos de uma favelada, o Jornal da USP resgata quatro produções que revelam a versatilidade e efervescência da obra da escritora, assim como a atualidade de suas criações.
*Com informações do Instituto Moreira Salles
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Narração: Caroline Kellen