Coletivo negro da Faculdade de Medicina da USP promove a Quarta Semana Preta

Núcleo organizado por estudantes negros propõe que este momento venha impulsionar a negritude a partir de rodas de samba, oficinas de beleza, afroempreendedorismo e aula de dança africana. Evento ocorre até dia 27

 19/10/2022 - Publicado há 2 anos
Fotomontagem com imagens de Núcleo Ayé e USP Imagens

 

Apesar de o curso de Medicina ainda ser historicamente ocupado por pessoas brancas, após a implementação da Lei de Cotas essa realidade vem mudando ao longo do tempo. Coletivos estudantis estão surgindo nas universidades para debater questões que ultrapassem a homogeneidades dos corpos que ocupam essas instituições. Núcleos formados por estudantes indígenas, LGBTQIAPN+, mulheres e negros vêm impulsionando cada vez mais iniciativas na USP. 

Dessa vez, o coletivo negro da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o Núcleo Ayé, promove a partir da próxima sexta-feira, dia 21, a Quarta Semana Preta. O evento, que ocorre desde 2019, se encerra dia 27 e tem como objetivo exaltar a comunidade preta em seus mais variados aspectos. Para participar, basta se inscrever neste formulário disponibilizado pela organização.

Este ano, as organizadoras ressaltam que será uma edição diferente. Haverá apresentações culturais, feiras de empreendimento, oficinas de beleza e o evento será iniciado com uma roda de samba. Para elas, essa será uma semana para celebrar a cultura preta e prestigiar a pluralidade de talentos daqueles que irão participar.

A semana é aberta ao público, gratuita, totalmente presencial e realizada em diferentes espaços da cidade, dentre eles: o Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma), Centro de Convenções Rebouças, complexo do Hospital das Clínicas e também na própria FMUSP.

Glauce Verena – Foto: Arquivo pessoal

Este ano, a programação foi pensada a partir de nomes grafados em yorubá. Como conta Glauce Verena, fundadora do coletivo, fonoaudióloga e atualmente doutoranda do Programa de Ciências da Reabilitação na FMUSP, essa escolha foi feita para representar o que o núcleo deseja impulsionar a cada dia aos participantes do evento. “A Semana Preta promove o intercâmbio de conhecimentos e a ampliação do debate em Saúde para a População Negra no solo da universidade pública, pois é daqui que partem as propostas de formação e políticas públicas”, diz.

Confira abaixo a programação da semana:

Dia 21 de outubro

Àjọ̀dún: é dia de festa

Como ocorre todos os anos, a Semana Preta se inicia já comemorando o evento, pois pretende impulsionar a negritude para além dos espaços da FMUSP, deixando abertas as possibilidades para os participantes demonstrarem seus talentos culturais, seja cantando ou dançando. Esse momento acontece no Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma), a partir das 17 horas. E será composto de uma roda de samba, guiada pelo grupo Samba das Pretas, que, segundo as organizadoras, será um momento para ampliar as comunicações entre os participantes e reafirmar um símbolo nacional em nosso País construído por pessoas negras.

Dia 24 de outubro

Oríkì: Valorizando o que temos em nossas cabeças

Para além de valorizar as produções intelectuais desenvolvidas por pessoas pretas, para as organizadoras, também é preciso cuidar da identidade dessas pessoas e de sua beleza. O segundo dia será para os participantes cuidarem da sua autoestima e será realizado no Centro de Convenções Rebouças, no Auditório Amarelo, a partir das 19 horas, com a presença de profissionais da beleza preta. Esse será um espaço, de acordo com o núcleo, “para refletir sobre as violências instituídas pela branquitude, como o alisamento capilar, e valorizar o que há dentro de nós: a nossa própria identidade”. Haverá oficinas sobre tranças e sobre como cuidar de cabelos cacheados e crespos, ministradas por Marcos Lacerda e Ingrid Tauany, professores e profissionais especializados nessa área.

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Dia 25 de outubro

Orin: a comunicação entre o material e o espiritual

Este encontro terá lugar no grande auditório do Centro de Convenções Rebouças, a partir das 19 horas, para celebrar a cultura e a música de forma coletiva. Estarão presentes as pessoas que compõem o Remusp, grupo de música do qual fazem parte alunos da FMUSP e de outros cursos de saúde da USP. Além disso, estará presente a Orquestra de Formação Alberto Nepomuceno (Ofan), projeto de música comunitária que estimula a formação em música erudita para todas as pessoas, de diversas vivências, etnias, orientações sexuais, idades e gêneros. Essa orquestra acredita que é preciso se afastar da ideia que a formação nesse estilo de música, marcado pelo estigma do privilégio social, é destinada somente a alguns grupos sociais, sobretudo elitistas. Ambos os grupos musicais participarão do evento construindo um espaço para o desenvolvimento de potencialidades e talentos da negritude.

Dia 25 de outubro

Olojá: Estabelecendo o Black Money

Quebrando o racismo estrutural presente na expressão “mercado negro”, que associa a uma prática econômica clandestina, fraudulenta, as organizadoras pensaram quebrar essa violência, também linguística. Assim, elas idealizaram no penúltimo dia da Semana Preta o “Black Money”, que significa dinheiro negro, a partir de uma das facetas de Exu, Olojá, o senhor do mercado.

A ideia do Black Money é propagar a diversidade e inclusão para derrubar essas barreiras, a fim de fortalecer a circulação de recursos financeiros entre a comunidade negra. Realizada na FMUSP, a partir das 12 horas, esse será um momento para apoiar a Feira Ilé-Ifè, empreendimento desenvolvido por afroempreendedores que atuam nos segmentos de acessórios, decoração, educação, alimentação e vestuário que irão expor esse material, no qual os participantes poderão valorizar e consumir esses serviços. A Editora Dandara também estará presente. Editora independente que preza pela construção do conhecimento dialogando com múltiplas áreas das ciências e da literatura, priorizando o protagonismo das pessoas historicamente excluídas e invisibilizadas.

Dia 27 de outubro

Ijó: tudo se conecta por meio da dança

A Semana Preta se encerra com uma aula aberta de dança, a partir das 12 horas, na FMUSP. Segundo as organizadoras, é preciso finalizar um evento de tamanha importância como este estimulando a negritude em um espaço que historicamente, sobretudo, é ocupado por pessoas brancas. Para elas, é preciso compreender que o curso de Medicina precisa também despertar e incentivar ideias desenvolvidas por pessoas que fogem do padrão heteropatriarcal e embranquecido. Estará presente nesse dia Raquel Cabaneco, coreógrafa do Djonga e parte do ballet da Urias. Pesquisadora de ritmos como afrohouse, kuduro, azonto, semba e kizomba, Raquel vai compartilhar parte do seu conhecimento sobre os movimentos ancestrais ministrando uma aula de danças africanas.

Núcleo Ayé

O Núcleo Ayé, ou em tradução livre do yorubá, Núcleo da Terra, é um coletivo negro da FMUSP que vem promovendo, desde 2017, ações de acolhimento e pertencimento a estudantes negros da graduação e pós-graduação. Foi fundado por Glauce e cofundado por Merllin de Souza, fisioterapeuta e doutoranda do Programa de Ciências da Reabilitação da faculdade.

Foto: Núcleo Ayé

 

Na época da sua fundação, tinha como pano de fundo a aprovação de cotas raciais pela última universidade estadual, a USP, a aderir a esse sistema, que estava sancionado por lei federal desde 2012. Logo, a necessidade, segundo elas, de tornar o espaço acadêmico receptivo e preparado para esses estudantes da graduação e pós-graduação era urgente. O espaço se mostrou fundamental, já que foi o primeiro coletivo negro formado na entidade que tem 105 anos de história.

As atividades do núcleo têm a característica de valorização da cultura e ciência realizadas por pessoas negras em diversas áreas: diversificando as epistemologias tradicionalmente utilizadas no sistema hegemônico, na promoção da saúde da população negra e promovendo debates que envolvem a formação em saúde no Brasil. O núcleo realiza letramento político e científico, acolhimento e direcionamento institucional em caso de racismo, misoginia, capacitismo e LGBTQIAPN+fobia na faculdade. Como contam ao Jornal da USP, “um corpo negro dentro de espaços sociais é atravessado pela sua interseccionalidade de existência”.

 


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