Cybèle Varela, aos 80 anos, é pop

A artista está de volta ao MAC USP. Apresenta obras produzidas nos anos 1960 que, entre desafios, atravessam o tempo

 14/07/2023 - Publicado há 1 ano

Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin Garcia

Artista Cybèle Varela tem exposição no MAC/USP. Obra "Cenas de Ruas" - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagens: Reprodução/MAC-USP

Quando Cybèle Varela atravessa o salão para ver sua terceira exposição individual no Museu de Arte Contemporânea, com os cabelos compridos claros, franja, a artista volta no tempo. Às vésperas de completar 80 anos, revê sua arte que se destacou nos anos 1960 e constata que ela continua pop entre os jovens de hoje.

“Olha só,  esta obra conta a minha história na arte brasileira”, diz Cybèle. “Em 1967, eu iria participar com ela pela primeira vez da Bienal.  Estava toda feliz, mas antes da abertura oficial dessa 9ª Bienal, tive uma surpresa. A obra foi retirada às pressas antes do presidente Costa e Silva chegar para a inauguração. A polícia e censores do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão do governo militar , levaram a arte, considerada uma ameaça à política, à ditadura… ”.

Com o nome Presente, a obra foi totalmente destruída. “Era realmente um presente que estava acomodado em uma caixa de madeira. Quando a caixa era aberta, um coração vermelho saltava de uma farda de um general repleta de estrelas. No fundo, desenhei o mapa do Brasil. Neste coração, escrevi em letras pretas um trecho do Hino à Bandeira: Recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil”.
Cybèle Varela- Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Cybèle Varela- Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A obra foi apreendida, exterminada, mas o recado estava dado. E apesar de sua interdição, a artista conta: “Na época, recebi também um grande presente. O MAC USP me concedeu o Prêmio Jovem Arte Contemporânea.”

Hoje, 56 anos depois, Presente, obra que foi refeita em 2018, está no Museu de Arte Contemporânea da USP. E a sua história é revivida, na exposição Cybéle Varela, Imaginários Pop com a curadoria de Ana Magalhães, professora e diretora do MAC USP, e da historiadora Ariane Varela Braga, filha da artista. “Um momento de um tempo de desafios e resistência que integra a comemoração dos 60 anos do MAC USP”, comenta Ariane.

Cybèle Varela, com seu marido e filha, Ariane Varela Braga, que também é curadora da exposição - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“De tudo que pode vir a ser… as cenas questionam a repressão das mulheres. Esta é uma sequência que tem uma narrativa cinematográfica”

Além de Presente, o público se surpreende ao observar as reflexões da artista. Sua arte atravessou o tempo. E está comemorando os 60 anos do MAC com o desafio que une irreverência à estética. Questiona a ideologia da religião, discute o papel da mulher, registra o movimento das ruas e o crescimento urbano.  Em suas obras, há também a diversidade. Na obra Passeio Feliz, de 1970, há um casal negro,  parecem adolescentes. Ele com  bermudas coloridas. Ela com chapéu e uma  bolsa com o desenho de um papagaio. Azul, vermelho, verde, cores para destacar uma cena tranquila, feliz e poética. Como um sonho que a artista deixou no horizonte.

Em um caminhar pelas ruas, Cybèle Varella registra uma cena que reúne humor, ironia e crítica. No tríptico De tudo aquilo que pode ser I, 1967, a artista pinta duas moças, uma loira e outra ruiva. Vão andando soltas e livres exibindo a mini-saia preta e vermelha. Elas cruzam com duas freiras com suas vestes pretas, óculos, sisudas… Na outra cena, as freiras ressurgem revelando o desejo de vestir mini-saia. E na terceira, as freiras reaparecem com mini-saia  e calçando os sapatos branco e verde das jovens. A artista argumenta a transformação com o título da obra. “De tudo que pode vir a ser… as cenas questionam a repressão das mulheres. Esta é uma sequência que tem uma narrativa cinematográfica. No momento em que as freiras vêem as moças elas trocam de roupas. E saem com as pernas de fora.”

Outro tríptico exposto que também pertence ao acervo do MAC USP é Cenas de ruas, 1968… Um ônibus de turismo vai passando. E quando pára, os pedestres e turistas atravessam na faixa. Há uma senhora bem vestida, de luvas, segurando o cachorro pela coleira. Outro tríptico, Pedestres, 1967-2022da coleção Fernanda Feitosa e Heitor Martins, também traz uma cena urbana com pessoas de diversas nacionalidades. “Este quadro também havia se deteriorado em uma exposição no Distrito Federal. Foi devolvido todo comido por formigas. Aí o Heitor Martins pediu, no ano passado, que eu o refizesse.”

Obra "Cenas de ruas" na exposição no MAC-USP da artista Cybèle Varela - Imaginário POP . foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Esse momento rico e potente chegou ao seu fim no campo das artes visuais com a instituição do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968 ”

Cybèle Varella nasceu em Petrópolis, em agosto de 1943. Começou a pintar e a criar objetos ainda menina. Tinha 16 anos quando recebeu o seu primeiro prêmio no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) do Rio de Janeiro. E não parou mais de píntar, criar objetos e registrar cenas do cotidiano. “Ela seguiu nos anos 1960, com obras e objetos figurativos, que dialogavam com debates em torno da Arte Pop, mas que aqui tinha outros contornos a partir da experiência da chamada Nova Objetividade Brasileira”, explica Ana Magalhães. “Em seus primeiros trabalhos, entre 1965 e 1966, pareciam emergir referências claras à cultura popular e autodidata do país. A partir de 1967, eles incorporam outros elementos: a cultura popular urbana, aquela divulgada pelos meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão, a linguagem da propaganda, observados de um ponto-de-vista crítico e irônico.”

Ana destaca que Cybèle Varela se formou em uma época marcada pela presença de artistas, especialmente do eixo Rio de Janeiro – São Paulo. “Neles, a retomada da figuração, aliada a novos materiais e técnicas de pintura que incluíam a tinta em spray, os esmaltes sintéticos e tintas automotivas, constituíram um preâmbulo às experiências mais conceituais. Esse momento rico e potente chegou ao seu fim no campo das artes visuais com a instituição do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, que inaugurou assim o período mais duro da ditadura militar brasileira.”

Na época, Varela viu muitos amigos artistas serem presos, torturados, “Diante das ameaças, pedi uma bolsa de estudos na França que foi aprovada pelo Governo Francês e fui morar e estudar em Paris. Depois de um ano voltei, mas continuei muito pressionada. Então pedi outra bolsa. Fiquei sete anos em Paris, casei e tive minha filha.”

Cybèle Varella continuou morando na França, Suíça, Itália e Espanha, participando de exposições individuais e coletivas na Europa e também no Brasil.  “Esta é a minha terceira exposição no  MAC USP. Fiz estas obras quando era muito jovem e fico feliz por revê-las nesta exposição e perceber que continuam atuais. A percepção da vida muda com o passar dos anos, assim como muda a maneira de criar. Mas este olhar para o passado me permitiu entender o presente e também a minha trajetória.”

Cybèle Varela, Imaginários Pop tem a curadoria de Ana Magalhães e Ariane Varela Braga. Em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da USP, avenida Pedro Álvares Cabral, 1301, Ibirapuera, SP. Até 1 de outubro, de terça a domingo, das 10h às 21 horas. Entrada gratuita.

Exposição mostra catástrofes ambientais provocadas pelo homem

Lucas Bambozzi apresenta, no MAC USP, o impacto provocado pelas atividades mineradoras do Brasil

Exposição mostra a relação do homem com a natureza, mostrando os impactos de desastres ambientais - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

São imagens que atestam que as transformações na paisagem, a destruição das florestas e montanhas chamadas de “naturais” são provocadas por ações “humanas”. É essa realidade que o cineasta, artista visual e pesquisador em novas mídias Lucas Bambozzi traz na exposição Solastalgia. E convida o espectador – através de projeções, monitores e painéis de led – para refletir sobre o impacto social e ambiental provocado pelas atividades mineradoras no Brasil.

Solastalgia é um conceito do filósofo Glenn Albrecht que expressa o sentimento de perda diante das transformações radicais na paisagem”, observa Bambozzi. “É o stress mental, existencial diante das mudanças ambientais atribuídas às consequências naturais, mas também pelo extrativismo irresponsável”.

Com a curadoria de Fernanda Pitta, professora do Museu de Arte Contemporânea da USP, a exposição traz quatro instalações. Solastalgia, que propicia o título da mostra, surgiu com a realização do longa-metragem Lavra, feito por Bambozzi em 2021 com duração de 91 minutos. Apresentam imagens de montanhas e paisagens destruídas causadas pela mineração de ferro em Belo Horizonte, Minas Gerais. “As imagens atestam a lógica extrativista que destroça modos de vida, em nome de uma noção arcaica de progresso”, ressalta o artista. “Antes estávamos expostos a formas de solastagia como acidentes naturais. Hoje esses acidentes são causados por negligências, por modelos de extrativismo danosos e por uma noção de desenvolvimento que vai contra os princípios e modos de viver”.

Lucas Bambozzi - Foto: Arquivo Pessoal

Lucas Bambozzi - Foto: Arquivo Pessoal

“O MAC USP reforça o entendimento do museu como um espaço de escuta atenta à produção artística experimental”

A segunda instalação, Extra, Extra (2023),  foi criada a partir de imagens e registros de fotojornalismo divulgados na mídia.  “São cenas de tragésdias, acidentes naturais ou causados por ações exploratórias recentes em várias partes do mundo”, esclarece Fernanda Pitta. ” O trabalho evoca uma escala global e questiona a percepção reiterativa que a circulação dessas imagens produz.”

Na terceira, apresenta a série Paisagens Rasgadas (2021). O cineasta exibe em cinco telas LCD passeios virtuais através do Google Earth Studio, inserindo imagens aéreas de diferentes fontes. 

A quarta instalação, Luzes (2023), traz painéis luminosos posicionados no chão que recebem projeções de frases que sintetizam a ideia de solastalgia, sob o olhar de três pensadores convidados: Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e filósofo; Christiane Tassis, escritora, roteirista do filme Lavra, e a artista, escritora e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Giselle Beiguelman. Ao longo do período expositivo, novas participações de artistas devem se somar ao espaço da instalação, em diálogo com as redes sociais e com a exposição em sua integralidade.

“Ao acolher essa exposição, o MAC USP reforça o entendimento do museu  como um espaço de escuta atenta à produção artística experimental e de plataforma para práticas artísticas que refletem sobre questões e problemáticas urgentes do mundo contemporâneo”, observa a curadora Fernanda Pitta.

Solastalgia, de Lucas Bambozzi. A curadoria é de Fernanda Pitta. Em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, avenida Pedro Álvares Cabral, 1301, Ibirapuera. Até 1 de outubro.  De terça a domingo das 10h às 21 horas. Entrada gratuita


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