Nova exposição do MAC é palco para pesquisa da arte estadunidense

Inaugurada no dia 9 passado, mostra no Museu de Arte Contemporânea da USP traz 36 obras que refletem a diversidade dos Estados Unidos

 20/03/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 25/03/2024 as 11:09
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Nova exposição do MAC é palco para pesquisa da arte estadunidense

Inaugurada no dia 9 passado, mostra no Museu de Arte Contemporânea da USP traz 36 obras que refletem a diversidade dos Estados Unidos

 20/03/2024 - Publicado há 1 mês     Atualizado: 25/03/2024 as 11:09

Texto: Julia Alencar*

Arte: Joyce Tenório**

Inaugurada no dia 9 de março, a nova exposição do MAC fica em cartaz até janeiro de 2026 - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Entre fotografias, pinturas e gravuras, a exposição Galeria de Pesquisa: Aspectos da Coleção da Terra Foundation For American Art – inaugurada no dia 9 passado no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP – é também uma galeria de pesquisa para estudiosos da arte estadunidense. Com curadoria feita em parceria entre o MAC e a Terra Foundation for American Art, sediada em Chicago, nos Estados Unidos, a mostra conta com 36 obras dos mais diversos estilos cedidas pela fundação, e ficará em cartaz até janeiro de 2026.

A maioria das obras, no entanto, só pode ser vista de terça a quinta, das 9h às 12h e das 14h às 17h. Isso porque, das 36 obras, 30 são feitas em papel e não podem ser expostas à luz por longos períodos, de forma que ficam cobertas com uma cortina na maior parte do tempo. Seguindo as normas internacionais de conservação de obras de arte, concluiu-se que, durante os dois anos em que integrarão a coleção do MAC, as gravuras podem ser expostas em dois períodos de três horas, três vezes por semana. As outras seis obras, pinturas feitas em tela, podem ser vistas a qualquer momento dentro do horário de funcionamento do museu.

A exposição serve como material de estudo para alunos da disciplina de pós-graduação da USP Arte dos Estados Unidos e Suas Conexões, ministrada pelas professoras Fernanda Pitta e Ana Magalhães, curadoras da mostra. Ela também atende os pesquisadores de História da Arte e da Cultura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Departamento de História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por conta de seu intuito de servir como um espaço de pesquisa, a curadoria destaca não um eixo temático — como ocorre na maioria das exposições —, mas sim a diversidade de formatos, artistas e épocas, com um recorte que vai de 1858 a 1949, contemplando 29 artistas.

As obras, assim como a disciplina Arte dos Estados Unidos e Suas Conexões, abordam três grandes temas: Arte indígena, Arte afrodescendente e Imigrações. “As obras têm muito a ver com as pesquisas que desenvolvemos no MAC, e refletem principalmente a forma como a temática indígena foi tratada por artistas modernos contemporâneos. É muito importante fazermos essa reflexão sobre processos de apagamento e a presença indígena através das obras que possuem essa temática, além de estimular a presença de artistas indígenas no acervo do museu”, afirma Fernanda Pitta, curadora da exposição.

Além da questão temática, os artistas também influenciaram no processo de curadoria. “A intenção foi destacar artistas que tivessem conexões com o acervo do MAC, seja por já estarem presentes em nosso acervo, seja por terem relação com outros artistas já presentes no museu, além de artistas norte-americanos que já haviam participado de bienais”, conta Fernanda. “Também incluímos alguns nomes que traziam a dimensão dos estudos de gênero, um assunto muito estudado nos acervos do MAC, como Clare Leighton, conhecida por suas gravuras em madeira.”

Retrato de indígenas e crítica à escravidão

Na parte descoberta da exposição estão seis pinturas de diferentes artistas que chamam a atenção do visitante por seus diferentes estilos — desde o purismo presente nas formas geométricas utilizadas por George Josimovich em sua tela a óleo Illinois Central (1927), até o retrato mais realista de indígenas realizando atividades tradicionais, como é representado em Making Pottery (1912), do pintor Eanger Irving Couse. O que realmente prende o visitante, no entanto, é a pintura Slaves (1925), de Thomas Hart Benton. Com mais de 1 metro e 80 centímetros de altura, a obra domina o ambiente e hipnotiza o visitante, um retrato forte e crítico do tratamento de escravizados antes da abolição, em 1865.

Na pintura, vê-se um homem negro sendo açoitado no deque de um navio negreiro, enquanto sua família assiste à cena horrorizada. Em uma época em que imagens retratando a realidade dos escravizados era convenientemente ignorada por grandes academias de arte, sendo restritas a publicações em veículos abolicionistas e literatura de viajantes, Thomas Hart Benton se torna uma figura relevante nos movimentos antirracistas. “Slaves é uma obra muito interessante de ser discutida, inclusive fazendo cruzamento com outras obras do acervo do MAC, expostas na mostra Tempos Fraturados, que trazem o tema de uma outra perspectiva. Ela faz parte de um conjunto de obras que o artista fez para rever a história dos Estados Unidos e falar da violência histórica cometida contra os povos diaspóricos no país”, explica Fernanda Pitta. A pintura é parte de uma coleção maior do pintor, American Historical Epic, feita para representar uma visão revisionista acerca da história norte-americana e temas como conflitos raciais e exploração econômica. A exposição também conta com a litogravura Slave Master with Slaves (1924-27). Acredita-se que tenha sido feita como estudo para o projeto, e posteriormente dado origem ao quadro Slaves, mas também pode ter sido um desenho preparatório para um projeto inacabado de litogravuras, segundo a Terra Foundation for American Art.

Da parte restrita da exposição, o que chama a atenção são as diferentes técnicas utilizadas e a diversidade de estilos, ainda que a maioria sejam gravuras feitas em papel. A linogravura do lituano-americano William Zorach, Mountain Stream (1915), retrata um grupo de banhistas nus em uma cascata rochosa, e remete à literatura de cordel brasileira em termos de estilo, por conta de seu processo semelhante de produção. Já a obra Dancing Figures (1941), de Emil Bisttram, retrata danças rituais dos povos nativos usando giz de cera, grafite e aquarela em papel pergaminho bege, de modo que se assemelha às pinturas feitas por aqueles povos. Em discrepância com a maioria das obras, Cinq Personnages (1946), de Stanley William Hayter, foi feito com cores vivas e contrastantes para criar um memorial para o filho do pintor, que faleceu de tuberculose na adolescência, uma interpretação lírica do luto inspirada na Pietà, a imagem tradicional de Maria enlutada sobre o corpo de Cristo.

A exposição como um todo é um reflexo da diversidade que compõe a sociedade estadunidense e da influência da cultura nativa e africana sobre ela.

Fundação em conexão com universidades

A Terra Foundation for American Art é uma associação sem fins lucrativos que desde os anos 1980 coleciona obras de arte dos Estados Unidos e fomenta a pesquisa sobre sua arte. “Esta exposição coloca o MAC como parte de um circuito de museus que está dentro de um programa da Terra Foundation que se chama Terra Collection-in-Residence. Nele, a fundação empresta obras de sua coleção para museus com conexões com universidades, tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo, de forma a expandir oportunidades de pesquisa e estudo por meio do intercâmbio de coleções”, conta Fernanda Pitta. “A Terra é muito importante na divulgação da arte produzida nos Estados Unidos, promovendo seminários e novos olhares para essas produções, sobretudo em diálogo com produções das Américas.”

Fernanda Pitta- Foto: Reprodução/IEA-USP
Fernanda Pitta- Foto: Reprodução/IEA-USP

Algumas das obras da fundação integraram outras parcerias com o Brasil, presentes em exposições de pesquisa realizadas no MAC (Atelier 17 e a Gravura Moderna nas Américas, em 2019) e na Pinacoteca de São Paulo (Paisagem nas Américas, em 2016, e Pelas Ruas: Vida Moderna e Experiências Urbanas na Arte dos Estados Unidos, 1893-1976, em 2022). 

A exposição Galeria de Pesquisa: Aspectos da Coleção da Terra Foundation For American Art está em cartaz de terça-feira a domingo, das 10h às 21h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254 e no site do MAC.

Para saber mais sobre a Terra Foundation for American Art e seus projetos, clique aqui.

* Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

** Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado dos Santos


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.


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