Exposição apresenta fotografias inéditas da Batalha da Maria Antônia

Em mostra no Centro MariAntonia da USP, fotos de Hiroto Yoshioka relembram o conflito estudantil

 09/11/2023 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 14/11/2023 as 16:36

Texto: Adrielly Kilryann*
Arte: Carolina Borin**

Até março de 2024, o público pode visitar a mostra de terça a domingo, das 10h às 18 horas - Foto: Hiroto Yoshioka/Acervo Centro MariAntonia da USP

Em comemoração aos 30 anos da inauguração do Centro MariAntonia da USP, o centro cultural apresenta a exposição Batalha a preservar: Maria Antônia, 55 anos – fotografias Hiroto Yoshioka. As imagens de Hiroto Yoshioka registram a Batalha da Maria Antônia, conflito entre estudantes da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie que ocorreu em outubro de 1968 e marcou a história da resistência estudantil em meio à ditadura militar.

A mostra tem curadoria do arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP Eduardo Costa e da historiadora Deborah Neves. “Olhar para essas fotografias é também uma maneira de olhar para todo o patrimônio imaterial vinculado a esse centro”, conta Costa. “Essas fotos estarem na comemoração dos 30 anos do centro é parte também de uma reparação histórica, e de fazer essa conexão entre passado e presente”, acrescenta Deborah Neves.

Nascido em 1943, Hiroto Yoshioka estudou Arquitetura e Urbanismo na FAU. Aluno engajado nos movimentos estudantis durante o período da ditadura militar, Yoshioka participava de atos e passeatas.
Hiroto Yoshioka - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Hiroto Yoshioka - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Yoshioka conta que a fotografia está presente em sua vida desde a infância. Por conta de seu pai, que tinha a fotografia como hobby, realizava fotos artísticas e inclusive possuía um laboratório, a arte ganhou espaço em seus gostos. “Apesar disso, eu nunca imaginei que, nas minhas andanças, eu acabaria fotógrafo”, comenta ele.

Ao todo, são 55 fotografias doadas por Hiroto Yoshioka ao Centro MariAntonia - Foto: Hiroto Yoshioka/Acervo Centro MariAntonia da USP

Entre seus registros, está a fotografia da peça de teatro Morte e Vida e Severina, que foi apresentada em 1965 no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca). O trabalho foi feito com câmeras amadoras e revelado no próprio laboratório do pai. Ainda assim, possibilitou o contato com Roberto Freire, que foi quem abriu as portas para serviços que o fotógrafo prestou como freelancer para a Editora Abril.

Foi quando começou a trabalhar profissionalmente para a revista Quatro Rodas, ao mesmo tempo em que desistiu do curso de Arquitetura e Urbanismo na FAU, que a Batalha da Maria Antônia aconteceu.

Nos dias 2 e 3 de outubro de 1968, conflitos entre alunos da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (que, à época, tinha um forte movimento discente em resistência à ditadura) e do Mackenzie (alguns alinhados ao Comando de Caça aos Comunistas, o CCC) marcaram a Rua Maria Antônia, onde estão até hoje os dois prédios. Mais tarde, a FFCL da USP daria origem a institutos independentes, como a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

Yoshioka relata que recebeu um aviso de que, tendo em vista os conflitos acontecidos em 2 de outubro, o CCC invadiria o prédio da USP no dia seguinte. Os alunos uspianos, então, se mobilizaram para comparecer em peso em 3 de outubro. “A palavra de ordem era: quanto mais gente, melhor. Então não só os alunos dos cursos da FFCL mas também de outras unidades da USP foram lá para ‘engrossar’ a defesa. Aí se deu a batalha que está nas fotos”, relata o fotógrafo.

Eduardo Costa - Foto: Lattes

A batalha estudantil ficou marcada por combates violentos, resultando, inclusive, na morte do estudante secundarista do Colégio Marina Cintra, José Guimarães, de 20 anos. Muitas outras pessoas ficaram feridas e o prédio da USP foi incendiado, o que fez com que a FFCL fosse realocada para a Cidade Universitária — onde está localizada até hoje — e dividida. “O que Hiroto registrou ali foram os últimos momentos da Universidade naquele espaço”, diz Deborah.

Fotos da exposição "Batalha a preservar: Maria Antônia, 55 anos – fotografias Hiroto Yoshioka" - Foto: Eduardo Costa/Assessoria Maria Antônia

Após os eventos, Yoshioka viajou com o pai para o Japão e, com medo de que as fotos fossem apreendidas, levou-as consigo. Lá, onde morou por um ano e meio, continuou documentando manifestações estudantis.

Os registros da Batalha da Maria Antônia permaneceram guardados por décadas até, finalmente, serem doados ao Centro MariaAntonia para exposições. “São registros bem raros e que deram muito trabalho para o Hiroto preservar”, conta Deborah Neves. “É um privilégio termos acesso a esse conjunto.”

A Sala 4 do centro cultural, que recebe a mostra, está “dividida” através de um trabalho com a iluminação entre duas partes: em uma delas, oito fotografias inéditas e impressas estão dispostas; na outra, uma projeção que ocupa a parede inteira apresenta mais 47 fotos, acompanhada de um áudio com relatos do próprio artista. 

Além dos registros feitos em 3 de outubro de 1968, há na exposição fotos feitas no dia seguinte, quando estudantes protestaram na Praça da República em função da morte de José Guimarães. Em uma vitrine, estão à mostra documentações sobre a doação das obras e fotografias de Yoshioka e de seus familiares. Para Yoshioka, estar na sala com todas as suas fotos e descrições da batalha foi emocionante.

Deborah Neves - Foto: Arquivo pessoal

Os curadores contam que, além da preservação da memória, a intenção da exposição é expressar como uma instituição deve demonstrar a importância da conservação de documentos históricos. “Uma instituição ligada à Universidade tem também o compromisso de perpetuar não só a memória da Batalha da Maria Antônia, mas também o de reforçar o papel da Universidade na preservação do seu próprio acervo e na difusão do conhecimento”, comenta a historiadora.

Deborah Neves acrescenta que estabelecer uma linha histórica contínua sobre os movimentos estudantis também é necessário. “As lutas pela inclusão universitária e pela permanência estudantil vistas naquele momento continuam hoje, 55 anos depois. Até uma semana atrás, a USP estava passando por uma greve”, compara. “Essa batalha pela educação é permanente, não é um tema apenas do período da ditadura. É um tema que pertence à sociedade como um todo, incluindo, principalmente, a defesa da democracia, pela qual podemos e devemos continuar reivindicando. Ela tem essa função de demonstrar que o passado ainda está aqui.”

A exposição Batalha a preservar: Maria Antônia, 55 anos – fotografias Hiroto Yoshioka fica em cartaz até 31 de março de 2024, de terça-feira aos domingos, das 10h às 18 horas, no Centro MariAntonia da USP (Edifício Joaquim Nabuco, Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis e Santa Cecília do Metrô). Entrada gratuita. Mais informações estão disponíveis no site da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária.

*Estagiária sob supervisão de Marcello Rollemberg

***Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.