Evento de música antiga traz maestro catalão para a USP
Jordi Savall realizará masterclass durante a Semana de Música Antiga da USP, que acontece na Cidade Universitária entre os dias 18 e 22 de setembro
O maestro catalão Jordi Savall - Fotomontagem: Jornal da USP - Fotos: Antonia Reeve/University of Edinburgh/CC BY 3.0, Cecília Bastos/USP Imagens, Iñigo Ibáñez/Quincena Musical/CC BY 2.0, Marcos Santos/USP Imagens e The-Creative-One/Pixabay
De 18 a 22 de setembro, a Universidade de São Paulo vai realizar uma viagem musical ao passado. Cornettos, pianofortes, cravos, cornos di basetto, sacabuxas, fagotes e outros instrumentos com nomes pouco familiares, mas que embalaram os sons medievais, renascentistas e barrocos farão a trilha sonora da 14a Semana de Música Antiga da USP, que acontece na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. Toda a programação é gratuita e inclui concertos, oficinas, masterclasses e a presença internacional do compositor, maestro e gambista catalão Jordi Savall, o maior nome relacionado à música antiga em atividade.
A ideia toda por trás da música antiga envolve muita pesquisa e a tentativa de recriar os sons e a maneira de se tocar músicas feitas há séculos, explicam os especialistas. “Música antiga é toda música feita de 1800 para trás, e nossa proposta é tocá-la como imaginamos que foi executada no passado”, conta o professor Mário Orlando Guimarães, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que também participará do evento na BBM. Segundo Guimarães, o movimento começou no final do século 19 com o interesse de músicos, maestros e pesquisadores por instrumentos antigos, encontrados em museus e coleções particulares.
“As pessoas começaram a procurar saber que instrumentos eram esses, pesquisar os tratados sobre eles, investigar como eram tocados. E então surgiu o movimento de música antiga”, afirma o professor, que se dedica à viola de gamba, instrumento surgido no século 15 e usado principalmente na música renascentista e barroca.
O professor Mário Orlando Guimarães - Foto: arquivo pessoal
A professora Mônica Lucas – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Fazer música antiga é um trabalho que reúne pesquisas não só a respeito da maneira como os instrumentos eram construídos ou quais materiais eram utilizados em sua produção. A tarefa dos estudiosos passa também pela tentativa de reproduzir as obras com a máxima fidelidade em relação ao tempo em que foram criadas, conforme relata a professora Mônica Lucas, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, organizadora do evento.
“Esse repertório chegou até nós sob a forma de ruínas e conhecemos apenas as evidências das partituras. Dessa forma, o movimento de música antiga tenta recuperar esses documentos e criar hipóteses verossímeis”, diz Mônica. “Quando falamos de Beethoven, por exemplo, há muitas discussões sobre os andamentos que ele imaginou para suas obras. Algumas pessoas propõem que elas tinham metade do tempo, outras falam que seria o dobro.”
Presença humanista
Jordi Savall - Foto: Quincena Musical/Wikimedia Commons/CC BY 2.0
Assim como Guimarães, o convidado internacional do evento, Jordi Savall, também é um especialista na viola de gamba. O catalão, que segue em atividade aos 82 anos, fará uma masterclass sobre música barroca no dia 19, às 10 horas. “Jordi não é só o maior nome vivo da música antiga, mas um dos maiores músicos da atualidade, e o grupo que vem com ele também é absurdo”, entusiasma-se Mônica, referindo-se à presença do ensemble de Savall, Le Concert des Nations. Além da participação na Semana de Música Antiga, eles se apresentam nos dias 19 e 20 de setembro na Sala São Paulo.
Com mais de 130 discos gravados, Savall registrou praticamente todo o repertório ibérico de música antiga e foi um dos pioneiros do impulso que o movimento ganhou, sobretudo a partir do final dos anos 1970 e 1980. Para um público mais amplo, seu trabalho se tornou conhecido graças à participação no filme Todas as Manhãs do Mundo (1991), que conta a história dos compositores e gambistas do barroco francês Marin Marais e Monsieur de Saint-Colombe. Savall foi o responsável pelo som da viola de gamba que se ouve durante a película.
Savall começou seus estudos musicais aos 6 anos, cantando em um coral infantil em Igualada, na Catalunha. Daí partiu para o aprendizado do violoncelo, formando-se no Conservatório de Barcelona, em 1964. No ano seguinte, passou a estudar a viola de gamba e a música antiga, mudando-se em 1968 para a Suíça e ingressando na Schola Cantorum Basiliensis. Em 1974, fundou o ensemble Hespèrion XXI e, em 1987, o La Capella Reial de Catalunya. O ensemble Le Concert des Nations veio em 1989, sendo os três fundados em parceria com a soprano e esposa Montserrat Figueras (1942-2011).
Cartaz do filme Todas as Manhãs do Mundo, que traz o som da viola de gamba de Savall - Foto: Divulgação
La Capella Reial de Catalunya e Hespèrion XXI, grupos fundados por Jordi Savall - Foto: Teresa Llordès/Wikimedia Commons/CC BY-SA 4.0
“Ele está no ápice da carreira e, além disso, é um humanista”, declara Mônica. “Na última vez em que esteve no Brasil, realizou um concerto chamado Mediterrâneo, no qual trouxe músicas que circularam por vários países dessa região e reuniu músicos de todos esses lugares para encontrar um idioma comum. Savall tem uma preocupação humanista de unir os povos. É uma preocupação ao mesmo tempo musical e política.”
Guimarães também não mede elogios para se referir ao catalão. “Savall possui um modelo do som que eu gostaria de ouvir na música antiga”, pontua o professor. “Ele mistura todos os timbres do Renascimento: os metais, as sacabuxas, a guitarra renascentista e a barroca, a percussão, as vozes. Outros antes dele já tinham feito isso, mas Savall foi o primeiro a ir realmente muito além, principalmente na viola de gamba. É um ícone para todos nós.”
Baile renascentista
Dança renascentista - Foto: New York Public Library Digital Collections/Picryl/Domínio Público
Outro destaque da programação deste ano será a Oficina de Danças Renascentistas, que será ministrada por Guimarães entre os dias 18 e 21, das 14h às 16h30. Trata-se, conforme relata o professor, das danças de salão da época, um repertório de origem camponesa que ganhou as cortes e se tornou mais sofisticado, sem contudo perder a simplicidade. Organizadas em roda, podiam ter caráter solene e processional, quando homens e mulheres aproveitavam a ocasião para exibir seus figurinos, suas armas ou saias repletas de anáguas. Ou então eram mais saltitantes, modalidade mais vigorosa e praticada sobretudo pelos mais jovens.
Seja de um tipo ou de outro, Guimarães garante que não é preciso conhecimento prévio em dança para participar das oficinas. O intuito, conta o docente, é se divertir. E todos são bem-vindos, de crianças à terceira idade. “Essas danças lembram muito as quadrilhas das nossas festas juninas. É quase um caminhar, pular e saltitar.” Para participar, não é necessário inscrição prévia e a oficina aceitará novos integrantes ao longo da semana.
No dia 22, sexta-feira, ao meio-dia, os participantes da oficina farão o encerramento da semana com um baile renascentista, que contará com a parte musical sob responsabilidade do Consort Bassano da USP-Unesp, grupo fundado em 2014 pela professora Mônica Lucas. Haverá ainda a participação de Márcia Maria de Arruda Franco, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, declamando poemas. Segundo Guimarães, a ideia é fazer na BBM um “sarau palaciano”, reunindo dança, poesia e música.
Além da masterclass e das danças renascentistas, a programação contará com concertos gratuitos e abertos ao público, nos dias 18, 20 e 21, sempre ao meio-dia. A primeira atração será uma orquestra barroca, sob direção de Paulo Hennes, que executará obras de Mozart e Haydn. Já no dia 20, haverá apresentação do violinista Roger Ribeiro. Na quinta-feira, dia 21, o destaque é para o fortepiano, um dos primeiros modelos conhecidos do nosso piano, surgido no século 18. Uma réplica que pertence à ECA de um modelo de 1790 fará parte da apresentação executada por Julio Pasquali.
O fortepiano da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP - Cecília Bastos/USP Imagens
“O fortepiano parece um cravo, com um som mais seco”, conta Mônica. “Os pianos modernos têm os martelos feitos de feltro, para ter muita ressonância. Já os pianos do século 18 têm martelinhos de couro, que são rápidos e secos. É um instrumento com um volume menor, mas mais articulado. Isso porque o modelo das pessoas era a fala. O fortepiano é um instrumento feito para falar, articular as palavras”, sublinha a professora. Acompanhando Pasquali, estará o flautista Gabriel Pérsico, professor da Universidad Nacional de las Artes, na Argentina, que trará um instrumento original do século 19 para a apresentação.
As atividades da 14a Semana de Música Antiga da USP acontecem de 18 a 22 de setembro, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, s/n, Cidade Universitária, em São Paulo). Os concertos acontecem nos dias 18, 20 e 21, ao meio-dia, e as oficinas de danças renascentistas serão realizadas de 18 a 21, a partir das 14 horas. A masterclass com Jordi Savall acontece no dia 19, às 10 horas. O baile renascentista, que encerra a semana, será no dia 22, ao meio-dia. Todas as atividades têm entrada franca. A programação completa do evento pode ser acessada aqui.
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