Editora da USP publica livro sobre cerimônias e cultos africanos

Obra do historiador Bernard Maupoil permite entender como cultos africanos influenciaram cerimônias no Brasil

 16/02/2018 - Publicado há 6 anos
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O jogo de Ikin é um oráculo utilizado para fins divinatórios, em cultos inicialmente realizados na África Ocidental, durante o século 19 – Foto: Toluaye / Domínio público via Wikimedia Commons

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A Editora da USP (Edusp) publicou a primeira edição em língua portuguesa da obra
A Adivinhação na Antiga Costa dos Escravos (La Géomancie à l’ancienne Côte des Esclaves), de Bernard Maupoil. Publicado originalmente em 1943 pelo Museu do Homem, em Paris, na França, trata-se de um livro sobre cultos africanos celebrados entre o final do século 19 e as primeiras décadas do século 20, em Daomé, região da África Ocidental que hoje compreende Togo, República do Benim e Nigéria.

A obra foi produzida a partir de relatos colhidos pelo autor durante a década de 1930. Foram ouvidas as histórias sobre deuses e cultos de adivinhação (no sentido da previsão dos destinos de divindades e humanos) a partir de relatos de sacerdotes antigos, os bokonos, com vastas experiências nos exercícios de seus cultos, muitos deles nascidos ainda no século 19.
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Imagem do sacerdote Gédégbe, de 1935. Ele foi uma das principais fontes de informações de Bernard Maupoil, em sua pesquisa sobre cultos africanos de adivinhação – Foto: Reprodução

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Um desses sacerdotes era o centenário Gédégbe, considerado o chefe de todos os adivinhos do último rei da região de Abomé, inserida dentro do Reino de Daomé. Purista, Gédégbe era a principal fonte de pesquisa de Maupoil e era preciso e cuidadoso na passagem de informações, rechaçando improvisações e readaptações dos cultos a Fá (ou Ifá), divindade que preside o destino dos homens e dos deuses. Fá é personagem central da obra, com diversos capítulos dedicados à sua origem, definição, características, atribuições, rituais e simbologia, contadas a partir dos sacerdotes e reunidas por Maupoil.

Destaca-se, com isso, o zelo com que o autor retirou as informações de suas fontes, tomando o máximo cuidado para não direcionar respostas esperadas através de perguntas tendenciosas. “Este livro atesta a probidade científica de Bernard Maupoil, que não procurou forçar interpretações ou direcionar seus informantes de acordo com teorias preestabelecidas, o que invalidaria todo o seu procedimento de pesquisa”, aponta o sociólogo Carlos Eugênio Marcondes de Moura, ex-professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, no texto de apresentação do livro.

O livro também traz, em sua segunda parte, os significados dos símbolos do oráculo de Fá, os quais servem de principal referência para ler e interpretar destinos. Além disso, há textos que abordam a influência que tais cultos tiveram na formação da cultura afro-brasileira, iniciada a partir da vinda de escravos africanos para o Brasil. Entre esses textos estão artigos de Sérgio Ferretti, que aborda a chegada de contingentes de escravos do Reino de Daomé no Maranhão, e de Reginaldo Prandi, que versa sobre os sacerdotes e a arte da adivinhação dentro da tradição religiosa afro-brasileira.

Sobre o autor

De origem burguesa, Bernard Maupoil nasceu em Paris, em 1906. Estudou Direito e Letras, tornando-se, na década de 1930, funcionário do governo francês no Daomé, então sob administração colonial daquele país. Com interesse em etnologia, aproveitou sua estadia e seu cargo como diplomata para conviver com os sacerdotes daomeanos, adeptos do culto a Fá.
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Dançarina em cerimônia Gélédé, realizada na cidade de Pobé (hoje localizada em Benin) – Foto: Reprodução

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Na França, defendeu sua tese de doutorado sobre a geomancia (técnica de adivinhação baseada na observação de pedras ou terra, atirados sobre uma superfície plana) em Daomé, intitulada
Contribuição para a Origem Muçulmana da Geomancia no Baixo Daomé, sendo publicada dois anos depois com o título A Geomancia na Antiga Costa dos Escravos. Esse trabalho foi a gênese de A Adivinhação na Antiga Costa dos Escravos.

O livro de Maupoil lançado pela Edusp – Foto: Reprodução

Maupoil lutou contra a ocupação alemã na França durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), engajando-se em grupos de resistência, sendo posteriormente denunciado, deportado da França e internado em um campo de concentração na Alemanha, vindo a falecer aos 38 anos na cidade de Hersbruck, em 1944. Recebeu, como homenagem post mortem, a Medalha da Resistência e a Legião de Honra pela sua luta contra o nazismo.  

Na edição brasileira de A Adivinhação na Antiga Costa dos Escravos, o leitor também poderá conferir outros textos que falam sobre assuntos relacionados à vida e à obra de Maupoil, bem como imagens de entidades, esculturas e objetos ritualísticos africanos. A tradução é de Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

A obra já está disponível para venda e pode ser adquirida no site ou na loja da Edusp localizada na Rua da Praça do Relógio, 109-A, na Cidade Universitária, em São Paulo.


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