Amilton Godoy comenta as faixas de “Novos Caminhos”, álbum mais recente de seu novo trio

O músico relembrou histórias dos primórdios do samba-jazz no Brasil e contou como Milton Nascimento cruzou seu caminho no começo da carreira

 04/05/2020 - Publicado há 4 anos
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Os músicos Amilton Godoy, Léa Freire e Harvey Wainapel – Foto: Luiza Godoy

Os músicos Amilton Godoy, Léa Freire e Harvey Wainapel lançaram no ano passado – sem muito barulho – o álbum Novos Caminhos, nessa formação inédita, batizada de San-São Trio. O nome é uma alusão às cidades de San Francisco, na Califórnia, onde vive o saxofonista e clarinetista norte-americano, e de São Paulo, lar de Amilton e Léa.

Em tempos de isolamento social e reinvenção do cotidiano, o Jornal da USP conversou por telefone com Amilton Godoy, que comentou o álbum faixa a faixa. Pianista imortalizado por ter fundado o Zimbo Trio e pela orquestração mais famosa de Garota de Ipanema, em 1965, o músico coleciona 51 discos gravados, numa trajetória que já acumula 55 anos, só com o Zimbo.

Amilton relembrou histórias daquilo que representa os primórdios do samba-jazz no Brasil. Falou sobre a parceria duradoura com a flautista Léa Freire, com quem já grava pela terceira vez, e sobre a influência do jazzista Harvey nas composições do novo disco. 

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Essa é uma diferença que tem em relação ao Zimbo Trio. Era um trio que nasceu tocando composições de outras pessoas, enquanto, com o San-São Trio, é parte do nosso caminho tocar as nossas composições."

Novos Caminhos intitula o álbum e também uma das composições de Amilton, que, segundo ele, está presente no repertório a pedido de Harvey. Além das músicas inéditas, o trabalho conta com novas leituras de peças já gravadas pelo pianista e pela flautista em seu último álbum, A Mil Tons. No novo disco, as faixas trazem uma atmosfera da música camerística, mas com elementos da bossa nova e a versatilidade do músico norte-americano, que, além de ter tocado com astros do jazz como Ray Charles e Joe Lovano, é um profundo conhecedor da música brasileira, em especial do choro.  

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Apesar de trilhar novos caminhos, a obra de Amilton preserva a originalidade dos anos 1960, quando sua música instrumental resgatou o fino da bossa e a incorporou à diversidade da musicalidade brasileira e à sofisticação do jazz, em especial acompanhando Elis Regina em O Fino do Fino, segundo disco da cantora. O músico relembrou histórias da época do Zimbo Trio e de como Milton Nascimento, um dos artistas mais gravados pelo Zimbo, despontou para a fama cantando Cidade Vazia, de Baden Powel, num festival da TV Excelsior, em 1966. Ouça essa história aqui:

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Em conversa por telefone, Amilton falou sobre sua experiência de criação em algumas das faixas do novo álbum. Ouça trechos das músicas a seguir:

O San-São Trio – Foto: Don Fogg

Sem Dó nem Piedade

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Romântico, esse choro assinado por Léa Freire apresenta o clarinete de Harvey, seguido pelo solo da flauta e do piano. Sem dó também foram as escalas que Léa dividiu com o colega de sopro.

Mamulengo

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Uma das faixas mais longas do álbum, Mamulengo tem experimentações e segue na linha da dissonância regionalista. “Eu sinto como se fosse um atabaque e, quando toco, eu penso nisso”, revelou o pianista. Para ele, o músico deve realçar na performance os elementos que julga importantes na música.

O Batráquio

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Quem acompanha o trabalho de Amilton e Léa já escutou O Batráquio em seu último disco, mas sua criação é da década de 1970. Nesta nova gravação, a flauta de Léa reveza o protagonismo com o sax de Harvey. “Os músicos gostam muito dessa música. Acho que é porque tem um caminho para a improvisação bastante livre”, comentou o pianista sobre a faixa que, diferente da versão anterior, não termina na tônica

Representa o primeiro grau de uma escala. A nota-base, que tem função harmônica de início e resolução.

Samba do Árvore

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Embora a melodia esteja com o sax, essa é uma música do piano. E, embora o título pareça mal escrito, a composição de Léa Freire é dedicada a Harvey Wainapel, carinhosamente apelidado por Hermeto Pascoal de “Árvore”. Amilton conta que Hermeto achava “Harvey” um nome muito difícil.

Novos Caminhos

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Essa bossa nova é a principal faixa do álbum. Polifônica, conta com os três músicos juntos a maior parte do tempo. Segundo Amilton, Harvey fez questão de tê-la no repertório e de usar o nome para batizar o primeiro álbum do trio. 

Teste de Som

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Também gravada em A Mil Tons, aqui a música ganhou alguns segundos a mais de flauta e sax em uníssono. “O tema é curto e o músico se diverte. Hoje, quando se fala que é bom, eles falam que é divertido”, brinca Amilton sobre sua composição.

Deixa Estar

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Escrita por Léa Freire, Deixa Estar é contemplativa e tem um progressivo dueto de sopros.

Risco

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Embora nunca tenha sido gravada com Amilton, essa composição de Léa remete à sonoridade de Quem Diria, faixa 8 de A Mil Tons.

Tudo Bem

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Lançada no oitavo álbum do Zimbo Trio, Tudo Bem é repleta de apojaturas e cadências de engano. O suingue de harmonia confortável é guiado pelo baixo marcado do piano até desaguar no duo dos sopros. Outra composição que foi arranjada para trio pelo pianista a pedido de Harvey, que já conhecia a música dos idos de 1976.

Do italiano, significa sustentação. Considerada uma nota de ornamento. Pequena, ‘que se antecipa às notas reais, tirando-lhes dois terços, metade ou fração mínima do valor’ (Neusa França, O Piano em Pauta, 2000).

Também chamada de cadência interrompida, está presente na Suíte Nº 1, de Handel, e em Beethoven, Op. 81a. Neste caso, há uma expectativa de resolução com a tônica, mas a finalização passa por uma ‘mudança harmônica imprevista’ (Cyro Brisolla, Princípios de Harmonia Funcional, 2007).

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Música de sax e piano, as escalas passeiam por toda a tessitura e desafiam o músico norte-americano a improvisar com seu viés jazzístico no melhor estilo brasileiro.

Abrangência ou extensão das notas de um instrumento ou voz. Trata-se de ‘uma porção menor da extensão, que abrange as notas emitidas confortavelmente pelo cantor’ (Fonte: https://anppom.com.br/congressos/index.php/26anppom/bh2016/paper/viewFile/4267/1372)

Samba do Guigui

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Fechando o álbum, este samba inocente é na verdade a síntese da intimidade de Amilton e Léa. Com sua potente capacidade criativa para riffs, Léa guia a música na flauta dando licença para Amilton deslizar seu tradicional glissando. Os três fecham o som exibindo a contemporaneidade da música instrumental brasileira.

Também conhecidos como ostinato rítmico-melódico. Do italiano ‘obstinado’, trata-se da repetição de um padrão musical, “com a finalidade de contraste e oposição de movimentos”. (Fonte: https://www.revistas.usp.br/revistadatulha/article/view/152958)

Efeito de escorregar os dedos rapidamente sobre teclas ou cordas.

Gravado nos Estados Unidos e no Brasil, o álbum Novos Caminhos é um lançamento da Maritaca Discos e já está disponível nas plataformas digitais:


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