Estudo foi realizado em parceria com cientistas da Faculdade de Medicina de Harvard. Foto: HMS/Divulgação - Fotomontagem - Jornal da USP

Testada em animais, nova estratégia se mostra promissora para tratar câncer de mama

Nova estratégia desenvolvida por cientistas da USP e de Harvard se mostrou seis vezes mais eficiente em camundongos para tratar o tipo mais agressivo da doença em comparação com a terapia convencional

19/07/2021

Por: Henrique Fontes

Arte: Simone Gomes

O Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP e a Faculdade de Medicina de Harvard, dos EUA, se uniram na busca por tratamentos mais eficientes contra o tipo mais agressivo de câncer de mama, o triplo-negativo. Os cientistas propuseram uma nova estratégia que poderá resultar na diminuição dos tumores de forma mais rápida e reduzir os efeitos colaterais gerados aos pacientes pela quimioterapia. O trabalho foi publicado recentemente na Science Signaling, revista científica internacional da área de sinalização celular, distribuída pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).

Diferentemente do tratamento convencional em que a quimioterapia é aplicada como primeiro e um dos únicos recursos, a proposta idealizada pelos pesquisadores envolve uma etapa prévia, que enfraquece as células tumorais antes que elas sejam tratadas com os quimioterápicos. O objetivo é que elas apresentem uma resistência menor e morram mais rápido. Para isso, o pós-doutorando do IQSC e um dos autores da pesquisa, Vinícius Guimarães Ferreira, avaliou 192 compostos químicos que poderiam ser capazes de “debilitar” as células cancerígenas de forma seletiva, ou seja, sem prejudicar as saudáveis.

Vinícius Guimarães Ferreira realizou intercâmbio de um ano nos EUA. Foto: Arquivo pessoal

Para encontrar a “molécula ideal”, o cientista testou todas as substâncias contra as células doentes com ajuda de uma impressora de compostos químicos capaz de aplicá-los sobre as células de forma automática, a partir de comandos previamente definidos pelos pesquisadores. Posteriormente, as células foram colocadas em um outro aparelho que avaliou o quão enfraquecidas elas ficaram. Vinicius, então, analisou e interpretou os resultados até identificar o composto que melhor atendia a seus objetivos, ou seja, o que deixou as células mais próximas da morte. Isso foi medido, resumidamente, pela quantidade de proteínas (citocromo c) que elas perderam após receber a ação dos compostos, indicando qual o grau de vulnerabilidade das células.

Impressora de substâncias químicas testa moléculas contra as células tumorais. O equipamento avalia o quão enfraquecidas as células ficaram após a ação dos compostos – Foto: Vinicius Ferreira e HMS/Divulgação

Depois dessa etapa, a molécula selecionada pelo cientista foi utilizada para o tratamento de camundongos com câncer de mama por 21 dias, intercalando com sessões de quimioterapia. Os resultados foram animadores: “Utilizando apenas o quimioterápico para tratar os animais, o tumor teve uma redução de 10% em seu tamanho. Já com o tratamento combinado, o tumor diminuiu 60% no mesmo período, ou seja, a terapia foi seis vezes mais eficiente ou, então, 500% mais eficaz”, revela o cientista, que teve sua pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e realizou intercâmbio em Harvard por um ano na época em que cursava seu doutorado no IQSC. Na universidade norte-americana, Vinícius foi supervisionado pelo professor Anthony Letai, especialista na avaliação de mecanismos que levam as células tumorais à morte.

Pelo fato de proporcionar um resultado mais eficiente contra o tumor, a nova proposta de tratamento poderá permitir que os pacientes sofram menos com os efeitos colaterais gerados pelos medicamentos altamente tóxicos que são administrados na quimioterapia: “Com as células cancerígenas intactas, o quimioterápico levaria um tempo maior para matá-las, gerando mais reações adversas aos pacientes, que provavelmente precisariam passar por mais sessões. Já com a nossa proposta, a partir do momento em que nós temos células tumorais sensibilizadas previamente, a efetividade do quimioterápico aumenta e sua toxicidade para as células saudáveis diminui”, explica o professor e diretor do IQSC, Emanuel Carrilho, que orientou Vinicius durante o trabalho e também assina o artigo publicado.

Foram avaliados 192 compostos químicos para enfraquecer as células cancerígenas – Foto: Vinicius Ferreira

Difícil de tratar

De acordo com a Sociedade Americana de Câncer, o câncer de mama triplo-negativo (TNBC) é responsável por cerca de 10% a 15% de todos os cânceres de mama e tende a ser mais comum em mulheres com menos de 40 anos. Esse tipo de câncer difere de outros porque ele cresce e se espalha mais rápido, tem opções de tratamento limitadas e resultados não tão satisfatórios.

Um estudo publicado em 2019 mostra que o TNBC tem seu tamanho duplicado após 124 dias, enquanto outros tipos de câncer de mama dobram seu volume a cada 185 dias. O termo “triplo-negativo” é utilizado porque as células cancerígenas não possuem receptores dos hormônios femininos estrogênio e progesterona e também não produzem, ou produzem em poucas quantidades, a proteína HER2, fundamental para o crescimento das células mamárias. Resumindo: o teste das células cancerígenas é “negativo” nas três ocasiões. Segundo estimativa divulgada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Brasil deve registrar em cada ano do triênio 2020-2022 cerca de 66 mil novos casos de câncer de mama, considerando todas as suas variações. A doença representa 29,7% dos casos de câncer em mulheres, sendo o líder de incidência no público feminino.

Agora, os cientistas do IQSC e de Harvard estão abertos a possíveis parcerias com a indústria farmacêutica para que o tratamento seja licenciado e os estudos avancem com a realização dos testes clínicos em seres humanos. A pesquisa foi realizada no Dana-Farber Cancer Institute e no Laboratory of Systems Pharmacology de Harvard, ambos sediados em Boston.

Mais informações: e-mail jornalismo@iqsc.usp.br, com a Assessoria de Comunicação do IQSC/USP

Ouça no player abaixo entrevista com os pesquisadores para o Jornal da USP, Edição Regional. 

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