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Técnica usa anticorpos do sangue para detectar bactéria causadora da hanseníase
Método fornece diagnóstico mais preciso do que o baseado nas técnicas laboratoriais existentes, como biópsias; próximo passo é desenvolver tecnologias que permitam testes no local de atendimento dos pacientes
Bactéria compromete principalmente pele e nervos periféricos, podendo deixar sequelas quando não há tratamento precoce, como perda total da sensibilidade em mãos e pés, atrofia muscular, dedos em garra, alterações nos movimentos e mutilações das extremidades do corpo - Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Pixabay e Wikimedia Commons
Uma nova estratégia para diagnosticar a hanseníase, doença que o Brasil é o país com maior número de novos casos por habitante, é proposta em pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Testada em ensaios de laboratório, a técnica usa anticorpos presentes no sangue para identificar uma proteína da bactéria causadora da doença. O método fornece um diagnóstico mais preciso do que o baseado nas técnicas laboratoriais existentes, como, por exemplo, a realização de biópsias. O próximo passo da pesquisa é desenvolver tecnologias que permitam a realização do teste no local de atendimento dos pacientes.
Os resultados são apresentados em artigo da revista científica Frontiers In Medicine. A hanseníase é uma doença infecciosa, de evolução crônica e tratável que tem como agentes as bactérias Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis. “A sua transmissão ocorre por meio do contato com o paciente infectado através das mucosas do nariz e da boca”, relata ao Jornal da USP o autor do estudo, o biomédico Filipe Rocha. “A bactéria compromete principalmente a pele e os nervos periféricos, podendo deixar graves sequelas quando não há tratamento precoce. Essa ausência leva ao surgimento de incapacidades físicas que podem evoluir para deformidades devido aos graves danos nos nervos causados pela bactéria. Assim, as principais sequelas serão perda parcial, ou total e irreversível da sensibilidade em mãos e pés ao calor, frio, dor e toque, atrofia muscular, dedos em garra, alterações nos movimentos e mutilações das extremidades do corpo.”
“O Brasil é classificado como país de alta endemicidade, sendo o primeiro do mundo em registros de novos casos por habitante e o segundo em novos infectados por ano, representando 93% do total de contágios dos países das Américas”, destaca Rocha. De acordo com o biomédico, em 2019, foram reportados à Organização Mundial da Saúde (OMS) 202.185 casos novos da doença no mundo. Desses, 29.936 (93%) ocorreram na região das Américas e 27.864 foram notificados no Brasil. Em 2022, mais de 17 mil casos de hanseníase foram notificados, sendo que com a pandemia da covid-19 houve uma redução de mais de 30% na notificação de casos novos, devido ao impacto na busca ativa de casos e nos programas de controle da doença. “A doença é um importante problema de saúde pública no País, que faz parte dos países prioritários na estratégia global de hanseníase.”
Filipe Rocha Lima – Foto: Reprodução/Loop
O pesquisador observa que, tendo em vista a performance variável dos testes laboratoriais existentes, o diagnóstico da doença é, ainda hoje, baseado principalmente na clínica, através da identificação de sinais dermatológicos e neurológicos, tais como como manchas na pele, áreas de perda de sensibilidade, regiões com perda de pelos e diminuição do suor, formigamentos, câimbras, sensação de picadas e agulhadas, dor nos nervos, caroços no corpo, dormência, fraqueza e inchaço nas mãos e pés, rosto inchado, perda de cílios e sobrancelhas, diminuição da acuidade visual, ressecamento e inflamação nasal. “Atualmente, as ferramentas de diagnóstico disponíveis carecem de sensibilidade e precisão suficientes para atingir o objetivo de detecção precoce, como o caso da baciloscopia e biópsia de pele”, relata. “Ferramentas como testes sorológicos, diagnóstico molecular, ultrassonografia de nervos periféricos, eletroneuromiografia e outras técnicas são restritas a centros de referência e unidades de atendimento especializado.”
A pesquisa avaliou o significado clínico e a capacidade dos anticorpos contra uma proteína da bactéria Mycobacterium leprae para o diagnóstico da hanseníase e rastreio de casos sem manifestações clínicas clássicas e de difícil diagnóstico, principalmente aqueles com sinais essencialmente neurológicos. O estudo contou com a realização de dosagens de anticorpos em 405 pessoas na região de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), sendo 200 casos novos da doença, 105 contatos intradomiciliares, dentro das residências, e 100 pessoas saudáveis.
Anticorpos
Por meio de um teste sorológico denominado Elisa, os anticorpos IgA, IgM e IgG, presentes no soro, que é a parte líquida do sangue, são capazes de reconhecer a proteína Mce1A, presente na bactéria. “Através dos níveis desses anticorpos os pacientes serão diagnosticados e monitorados ao longo e após o tratamento da doença”, descreve o biomédico. “Dessa forma, a análise combinada dos três anticorpos será capaz de avaliar e classificar as pessoas apenas em contato com a bactéria, casos de doença ativa e os que já foram tratados.”
Identificação da bactéria é feita por meio do teste sorológico Elisa, onde os anticorpos presentes na parte líquida do sangue (soro) são capazes de reconhecer proteína presente no micro-organismo - Imagem: Extraída do artigo - Tradução: Jornal da USP
Segundo Rocha, as próximas etapas da pesquisa envolvem a aplicação dos resultados encontrados para a testagem em plataformas tecnológicas capazes de ser comercialmente disponibilizadas e desenvolvimento de ensaios de testes no ponto de atendimento (point of care). “Certamente, esses são os objetivos futuros após a consolidação de todas as etapas necessárias para confecção de um kit diagnóstico”, avalia. “O diagnóstico da hanseníase é um desafio técnico e prático, principalmente nos casos maculares iniciais e os predominantemente neurais.”
“O desenvolvimento tecnológico e o investimento científico na área das doenças negligenciadas, como a hanseníase, é fundamental para o controle da doença como problema de saúde pública nacional e sendo a prospecção de novos exames laboratoriais de maior sensibilidade uma proposta para eliminação das principais limitações no diagnóstico da doença”, salienta o pesquisador. “Assim, novos biomarcadores para alcance das metas da OMS na identificação dos casos iniciais e infectados e para a interrupção da transmissão bacilar satisfazem os pilares de execução das pesquisas com impacto social e retorno ao Sistema Único de Saúde (SUS).”
De acordo com o biomédico, o tratamento farmacológico da hanseníase é feito com poliquimioterapia única (PQT-U), que associa três antibióticos – rifampicina, dapsona e clofazimina. “O esquema terapêutico é usado por seis meses para casos iniciais e 12 meses para os pacientes com formas clínicas avançadas. O tratamento é disponibilizado de forma gratuita e a hanseníase tem cura”, observa. “Conforme definido pelo Ministério da Saúde, é necessário concluir adequadamente o tratamento para que ocorra a cura e para evitar o retorno da doença, novas contaminações e resistência aos medicamentos”.
O estudo foi desenvolvido durante o doutorado de Filipe Rocha no programa de pós-graduação em Clínica Médica da FMRP, orientado pelo professor Marco Andrey Cipriani Frade. O trabalho contou com a participação de pesquisadores do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase da FMRP, coordenado pelo professor Frade; Divisão de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMRP (HCRP); Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP; Instituto Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Bahia; e Universidade de Califórnia, em Berkeley (Estados Unidos).
Mais informações: e-mail rfilipelima@gmail.com, com Filipe Rocha
*Estagiária sob orientação de Moisés Dorado
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