Tumores adrenocorticais são os que se desenvolvem na região mais externa da glândula adrenal, que fica acima do rim – Fotomontagem com imagens de Freepik, Reprodução/Cenveo e Wikimedia Commons

Padrão que regula gene relacionado à vitamina D pode estar ligado a tumor da glândula adrenal infantil

Resultados ainda são de testes em laboratório, mas podem explicar relação do controle genético da vitamina D no desenvolvimento e comportamento maligno do tumor da glândula adrenal em crianças

 15/12/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 16/12/2022 às 16:29

Texto: Giovanna Grepi e Rita Stella

Arte: Rebeca Fonseca

Experimentos realizados na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP avançam no entendimento dos mecanismos de formação e crescimento de tumores adrenocorticais (da glândula suprarrenal ou adrenal) em crianças. A adrenal é responsável pela produção de diversos hormônios e o tumor que ataca essa glândula possui, no Brasil, a mais alta incidência do mundo em crianças.

Os estudos recém-publicados pela equipe da FMRP mostram relação do tumor com mudanças no padrão de metilação (processo bioquímico que ocorre no DNA e regula a expressão dos genes), de expressão do gene VDR, que codifica o receptor da vitamina D, e também no perfil de metilação global das células tumorais, que é uma informação sobre o status de metilação — positiva/aumentada ou negativa/reduzida — de múltiplas regiões do genoma das células tumorais, indicando um comportamento mais maligno.

Entre os principais mecanismos observados pelos pesquisadores está a menor quantidade do gene VDR quando comparado com pacientes normais. “Detectamos a redução de sua expressão, mas também buscamos entender o que causa essa expressão reduzida. Uma das possibilidades é a alta metilação do gene que decodifica o VDR, que é um processo biológico que silencia ou expressa genes do nosso DNA. Mas ainda não sabemos por que isso ocorre e, por isso, são necessários estudos complementares para ampliar a compreensão”, afirma Sonir Antonini, professor do Departamento de Puericultura e Pediatria da FMRP e coordenador dos estudos.

Os achados sobre a quantidade desses genes, informa Antonini, foram obtidos de amostras de 108 pacientes pediátricos acompanhados em hospitais terciários no Estado de São Paulo, como o Hospital das Clínicas da FMRP (HCFMRP) e Centro Infantil Boldrini em Campinas, e estão descritos no artigo Vitamin D receptor hypermethylation as a biomarker for pediatric adrenocortical tumors publicado em abril deste ano no European Journal of Endocrinology.

Sonir Antonini – Foto: Currículo Lattes

Já os resultados dos ensaios pré-clínicos in vitro (laboratoriais) e in vivo (modelo animal) foram relatados no artigo Vitamin D receptor activation is a feasible therapeutic target to impair adrenocortical tumorigenesis, publicado na Molecular and Cellular Endocrinology, e mostram o impacto da expressão do VDR sobre o crescimento das células tumorais. Neste estudo, avaliaram o padrão da metilação (processo de modificação química do DNA que impede a expressão do gene) do VDR em células de tumor adrenocortical.

Antonini afirma que o grupo observou ainda haver “íntima relação entre o VDR e o sistema da via Wnt/Beta-catenina”, outra via importante na formação destes tumores e foco de estudo do grupo. “Fomos capazes de, nos testes in vitro, modular a expressão do VDR e verificar sua associação com o crescimento de células tumorais”, continua o professor, afirmando que estes achados abriram caminhos para estudar modelo animal de xenoenxerto tumoral, que é a implantação de células e desenvolvimento do tumor humano em camundongos. E, nestes modelos animais, verificou-se que o estímulo do gene que regula a vitamina D (VDR) – com administração subcutânea de injeções de vitamina D ou análogos nos animais – foi capaz de reduzir significativamente o crescimento tumoral.

Estes estudos foram realizados por Ana Carolina Bueno de Queiroz Arruda, que é nutricionista, pós-doutoranda da FMRP e primeira autora dos artigos. “Estes achados pavimentam o caminho para, numa fase posterior, comprovar esses efeitos em humanos”, informa Ana Carolina.

Análise da metilação global do genoma tumoral

Outro estudo publicado pelo grupo de pesquisadores analisou o padrão de metilação de todos os genes do genoma humano e observou que é possível, a partir de ferramentas computacionais, identificar grupos de pacientes com tumor adrenocortical agressivo e também aqueles menos agressivos. A diferenciação, aponta Antonini, está na metilação, que é importante para expressão ou silenciamento de genes.

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“Nossos dados obtidos nos pacientes brasileiros são muito robustos e mostram que o padrão de metilação é um preditor independente do comportamento tumoral. Para confirmar isto, replicamos nossos achados em um grupo de pacientes internacionais, principalmente dos Estados Unidos, e os resultados foram os mesmos. Além disso, identificamos possíveis novos genes que podem ser usados como prognóstico por estarem envolvidos na formação e crescimento desses tumores e que iremos continuar investigando em estudos futuros”, conta o professor.

O artigo DNA methylation is a comprehensive marker for pediatric adrenocortical tumors foi publicado na Endocrine-Related Cancer e sua primeira autora, Ana Carolina Bueno de Queiroz Arruda, recebeu uma das principais premiações nacionais da área de endocrinologia no Congresso Brasileiro de Metabologia (CBEM) realizado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) em setembro de 2022. O grupo recebeu a premiação de Melhor Estudo na Área Translacional e Básica apresentado no evento científico. Este trabalho também recebeu, em outubro, o Prêmio Slep de trabalho oral apresentado no congresso da Sociedade Latino-Americana de Endocrinologia Pediátrica (Slep).

Os três estudos integram o projeto temático Mecanismos fisiopatológicos e moleculares de tumorigênese: abordagem baseada em plataformas de sequenciamento em escala genômica. Com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o projeto é coordenado pela professora Margaret de Castro e tem como pesquisadores principais os professores Antonini e Léa Zanini Maciel, todos da FMRP. Além da colaboração com diversos pesquisadores da FMRP e do Centro Infantil Boldrini da Unicamp, estes estudos contam com análises de bioinformática realizadas em parceria com o professor Ricardo Vêncio, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

Entenda o que são os tumores adrenocorticais

Os tumores adrenocorticais são neoplasias (tumores que surgem após um aumento anormal na quantidade de células) no córtex da glândula adrenal, que fica acima do rim. Ou seja, são tumores localizados em um componente do nosso sistema endócrino responsável pela produção de diversos hormônios, como cortisol, aldosterona, androgênios (hormônios masculinos) e as catecolaminas (adrenalina, noradrenalina e dopamina).

A doença, explica a nutricionista Ana Carolina Arruda, tem causas genéticas ligadas ao gene TP53 e é rara, sendo responsável por cerca de 0,2% de todos os cânceres pediátricos. No Brasil, no entanto, “a incidência dos tumores adrenocorticais é até 18 vezes maior e, por isso, é importante continuarmos estudando, já que, até o momento, não há marcadores moleculares prognósticos robustos para a condição”.

Ana Carolina Bueno de Queiroz Arruda – Foto: Reprodução/Facebook

A maioria das crianças com esta doença apresenta sinais de excesso hormonal, como puberdade precoce e ganho de peso com parada no crescimento. “A remoção cirúrgica do tumor é o único tratamento potencialmente curativo para pacientes com a doença localizada e o tratamento com quimioterápicos e droga adrenolítica têm efeito limitado na maioria dos pacientes com a doença avançada”, conclui o professor Antonini.

Mais informações: e-mail antonini@fmrp.usp.br ou acarolinabueno@usp.br


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