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Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Freepik e Wikimedia Commons
Da criação de um ministério às crises político-financeiras: como o setor de turismo brasileiro foi afetado nos últimos anos
Fatores como violência, crises econômicas e instabilidade impediram que o Brasil se posicionasse como destino de renome internacional, apontam pesquisadores da USP, que propõem uma agenda para o setor
Crises econômicas, instabilidade política, violência e corrupção são desafios que afetam negativamente o turismo brasileiro. Além disso, a falta de uma boa gestão do setor no Brasil fez com que o País perdesse oportunidades para se estabelecer como um dos principais destinos turísticos no mercado global entre os anos de 2000 e 2019.
Esses dados são parte da conclusão do artigo intitulado O Futuro do Turismo no Brasil a partir da análise crítica do período 2000-2019, publicado em inglês na revista Tourism Review e em português na Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo.
O professor Alexandre Panosso Netto, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e um dos autores do artigo, conta ao Jornal da USP que a motivação do estudo surgiu da identificação de uma lacuna na relação entre a universidade e o mercado turístico. “Surgiu a ideia de fazer um artigo revisando os últimos 20 anos do turismo brasileiro nas suas diversas facetas, e fazendo uma proposta clara de agenda de como nós vemos uma possível contribuição para a sociedade”, conta. Os tópicos analisados no estudo vão desde economia e política até gastronomia e lazer.
Para que a agenda proposta pelos pesquisadores alcançasse os setores administrativos do País, eles distribuíram versões impressas para conselhos municipais, para o Ministério do Turismo e para deputados e senadores.
Alexandre Panosso Netto - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Ministério do Turismo e a “Década de Ouro”
Em janeiro de 2003, foi criado o Ministério do Turismo. Junto surgiram diversos planos e programas para a valorização do setor. “Foi um ponto muito importante, quando o turismo de fato entrou numa agenda pública nacional, pela primeira vez como ministério”, diz Netto.
Desde aquele ano, a promoção externa do Brasil é influenciada pelo Plano Aquarela. As ações de marketing de produtos, serviços e destinos turísticos brasileiros passaram a valorizar a qualidade e diversidade da produção cultural. Esse plano também trouxe a segmentação do turismo, por exemplo, em pacotes culturais, de sol e mar, de ecoturismo e aventura e de eventos.
Outra iniciativa da época foi o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT), lançado antes da criação do Ministério do Turismo, em 1993. O programa foi importante para levar a ideia de qualificação do setor para os municípios. “Inclusive, a educação em turismo no Brasil se beneficiou dele, porque os municípios de 30 a 50 mil habitantes ficaram sabendo da perspectiva turística e lá foram criados cursos de graduação, cursos técnicos e a gente teve um avanço”, conta o professor.
Outra medida que surgiu em 2004 foi o Programa de Regionalização do Turismo (PRT), que estabeleceu roteiros integrados, que visavam a aumentar a qualidade dos produtos turísticos e implementar pelo menos três atrações em cada estado. Um desses roteiros, por exemplo, é o Circuito das Frutas, em São Paulo, com dez cidades que trabalham juntas para atrair turistas.
Essas ações e medidas foram alguns dos pontos positivos encontrados no artigo, segundo Netto. Com a criação do Ministério do Turismo e a implementação de programas que favoreciam o setor, os anos de 2003 a 2013 ficaram conhecidos como a “Década de Ouro”.
“Se olhar no nosso artigo os gráficos de 2003 até 2014, são dez ou 11 anos de crescimento. Todos os gráficos mostram progresso: no fluxo de passageiros, no recebimento de turistas internacionais”, diz.
Entraves para o crescimento do turismo
Apesar desses avanços, o artigo aponta que o Brasil não conseguiu se posicionar como destino de fama internacional. “Desde a década de 1990, os esforços para apoiar o desenvolvimento do turismo regional obtiveram sucesso apenas moderado”, destacam os pesquisadores.
A crise político-financeira que se iniciou em 2014, o aparecimento de casos de corrupção e a violência no País afetaram negativamente o setor.
O Brasil, por exemplo, é o segundo país mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas. “É um paradoxo, porque o turismo nacional tem muito apreço e nós brasileiros nos achamos muito acolhedores e hospitaleiros, mas os níveis de violência são altos”, comenta Netto. Além da violência contra a mulher, ele cita as mortes por arma de fogo, o racismo estrutural e o preconceito contra pessoas LGBTQIA+.
A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram eventos em que não só ocorreram casos de corrupção, como também em que foram construídas estruturas que não foram aproveitadas após esses anos. “Um dos problemas dos megaeventos é justamente não aproveitar a infraestrutura para outras atividades. Precisa ser multiutilitário”, afirma.
“Com isso, nós vamos ter um baixo fluxo turístico internacional comparado a outros países e frente à nossa capacidade de receber turistas estrangeiros, porque isso gera uma imagem negativa do destino turístico”, explica Netto sobre os pontos negativos que acompanharam o Brasil nos últimos anos.
O professor também aponta que o Brasil tem destinos turísticos de excelência, como Curitiba, no Paraná, e Bonito, no Mato Grosso do Sul. Mas fora desses lugares, há ausência de uma boa infraestrutura, o que reduz o potencial turístico de outras regiões. O marketing do setor turístico brasileiro também não é eficiente e contribui para reduzir o interesse em potenciais destinos turísticos. Um exemplo dado por Netto são as propagandas da cidade de Nobres, no Mato Grosso, que em 2021 trouxeram o slogan: “Nobres é mais que Bonito, é lindo!”. “Então, a publicidade é contrastando com o outro e não agregando”, enfatiza o professor.
Netto também comenta sobre os preços altos de voos nacionais. Ele explica que isso acontece tanto devido à dimensão continental do Brasil quanto devido ao uso do querosene na aviação, que é precificado em dólar. Caso a companhia abaixe esse valor, ela não consegue se manter.
O futuro do turismo brasileiro
Ao final do artigo, os pesquisadores propuseram uma agenda para o setor brasileiro, com recomendações diretas para o setor e outras que vão além. Algumas das propostas são: integrar políticas de turismo com políticas educacionais, ambientais e de transporte, adotar mecanismos para combater a corrupção, valorizar produtos e culinárias regionais, desenvolver um modelo de negócios eficiente na área de eventos e construir uma política de aviação regional.
Com os impactos deixados pela covid-19 no setor e a atual instabilidade política, é possível que o Brasil continue enfrentando desafios. Ainda assim, os pesquisadores acreditam que o turismo pode trazer desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Mais informações: e-mail panosso@usp.br, com Alexandre Panosso Netto
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