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Uma linha de pesquisa traz estudos sobre programas de habitação sob um viés pouco abordado, analisando a efetividade desses projetos em assentamentos rurais. O Grupo de Pesquisa em Habitação e Sustentabilidade (HABIS), vinculado ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP, em São Carlos, pautou a produção gráfica de mapas e pranchas arquitetônicas de três assentamentos no oeste paulista. Eles concluíram que o programa de habitação rural do governo ainda é deficitário em pontos estratégicos para garantir a cidadania dos moradores: o orçamento liberado é escasso e o projeto arquitetônico das casas deve ser aprofundado. Apesar das falhas, no estudo são apontadas alternativas viáveis para solucionar os problemas apresentados.
O grupo de pesquisadores baseou sua pesquisa nos assentamentos Dona Carmen, Boa Esperança e Florestan Fernandes. A intenção era avaliar se a cidadania é garantida em territórios contemplados pelo Programa Nacional de Habitação Rural, além das questões arquitetônicas das casas construídas a partir do financiamento adquirido. A partir do estudo, nasceu a pesquisa Produção do PNHR nos assentamentos rurais do estado de SP: inserção territorial e avaliação arquitetônica, construtiva e tecnológica.
Os pesquisadores avaliaram quatro eixos principais. São eles a questão agrária no oeste paulista; infraestrutura, serviços e equipamentos públicos; programa, projetos e produção habitacional – analisando o PNHR. Por fim, a produção da agricultura camponesa.
Rodolfo Sertori, um dos responsáveis pelo estudo, compartilhou suas explicações sobre as falhas que esses programas apresentam.
O PNHR integra o Minha Casa Minha Vida e funciona de forma parecida. As famílias recebem um subsídio para construir ou reformar suas moradias, podendo receber terras desapropriadas ou negociá-las com empréstimos. Os grupos interessados devem ser representados por uma sociedade organizadora sem fins lucrativos.
Os produtores recebem aproximadamente metade do valor oferecido pelo programa na cidade – são, no total, 38.500 reais para o morador da zona rural, contra mais de 72 mil do Minha Casa Minha Vida. Quem tem contato com valores de construção sabe que essa quantia pode ser falha para concluir a obra prevista – e isso está diretamente relacionado aos problemas encontrados pelos pesquisadores. Em especial, se liga ao terceiro eixo do estudo.
A partir desse modelo, eles chegaram ao que consideram dois aspectos de falha no sentido técnico. O valor não é o suficiente para construir uma casa com todos os recursos necessários. A consequência é a eliminação de etapas construtivas importantes, como a construção de varandas ou instalação de ladrilhos nos banheiros, além da utilização de materiais de qualidade inferior.
O grupo também avalia que as plantas das casas não são adaptadas para a zona rural. O PHRN não financia a etapa inicial de projeto e orçamento. Assim, resta aos beneficiários tomar os projetos urbanos para sua própria moradia, sem acompanhamento de um profissional arquiteto.
Questionamentos constantes
Para Sertori, os resultados trazem novos questionamentos. O debate do direito à cidade é mais atual que nunca. Mas nos assentamentos a lógica não é a mesma que em metrópoles como São Paulo, e consequentemente são deslocados desse modelo.
Por isso, o campo recebe uma lógica de serviços públicos similar à da cidade: exemplos práticos envolvem desde a cobrança de energia e água até a separação do território para gerar essas contas. Sua avaliação é de que é preciso estudar o campo e aplicar medidas próprias para esse território.
Ele sugere que se discuta para além do planejamento urbano, substituindo-o pelo planejamento territorial. Esse conceito extrapola a separação entre a cidade e o campo, estudando suas especificidades e unindo a arquitetura ao ambiente rural.
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Mas por que os pesquisadores chegaram a essa conclusão? Ele defende medidas para além das tradicionais infraestruturas fornecidas pelo município.
“Em termos de políticas públicas, a dinâmica de vida e trabalho demonstra que certas infraestruturas são caras e não se resolve pensando na escala do assentamento.” São cerca de milhões de reais investidos para adaptar certos modelos, como a abertura de poços artesianos ou instalação de energia elétrica nos assentamentos.
Ele reforça que isso não é desculpa para a falta de estruturas essenciais, mas um desafio para profissionais pensarem em soluções mais viáveis nos âmbitos sociais, ambientais e econômicos. “Isso nos fornece uma brecha para pensar em novas soluções pensando em escalas menores. Não se deve tratar o assentamento na lógica de um bairro.”
Para o pesquisador, a incorporação de serviços básicos seria mais simples e funcional se aplicada a partir da escala dos próprios lotes que compõem o assentamento. Ele cita certos exemplos que chamam a atenção. Apesar da presença de poços coletivos, várias famílias complementam seu próprio abastecimento de água, tanto para a casa quanto irrigação da produção agrícola. Outras instalam cataventos e placas solares para fornecimento de energia.
“Estamos acostumados a solucionar a demanda por infraestrutura a partir do que já se tem nas áreas urbanas. As áreas rurais vão mostrar que há alternativas.”
A pesquisa será apresentada e discutida no primeiro Seminário Regional do Habitat Rural: moradia, produção e a questão agrária no oeste paulista. O evento acontecerá nos dias 28 e 29 de março no Auditório Jorge Caron, da USP São Carlos (R. Miguel Petroni, 168-178 – Jardim Bandeirantes, São Carlos – SP). No evento, serão debatidos os resultados.
Mais informações: e-mail r046271@gmail.com, com Rodolfo Sertori