Pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da USP e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) programaram um robô para simular sinais usados por uma espécie de rã do Rio Grande do Sul. Os sinais foram o canto agressivo e os toe flags, movimentos em que os animais levantam e abaixam repetidamente os dedos das patas traseiras. O estudo aponta que, nessa espécie, emitir o canto e os toe flags ao mesmo tempo é mais eficiente para defesa territorial e reprodução.
Nos anfíbios, como em outras espécies, a comunicação é fundamental na obtenção de recursos e parceiros sexuais. Ela pode dar dicas sobre tamanho, idade e potencial agressividade do animal, indicando se é um oponente forte ou um bom parceiro para reprodução. Mas a comunicação tem um custo energético e a mensagem tem que chegar de forma clara para evitar mal-entendidos.
Em espécies que utilizam simultaneamente sinais de diferentes tipos, como os visuais (coloração, movimentos) e os acústicos (cantos e vocalizações), entender qual é a função e a eficácia de cada um deles é um desafio, e moveu o biólogo Vinícius Caldart em seu pós-doutorado na USP. O estudo foi feito em colaboração com Maurício Beux, pós-doutorando na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e Glauco Machado, professor do IB.
Ele decidiu investigar qual é a função de sinais audiovisuais emitidos por rãs da espécie Crossodactylus schmidti. As rãs da espécie estudada vivem em riachos no Parque Estadual do Turvo, noroeste do Rio Grande do Sul, em meio a sons da correnteza e de cigarras. Para se sobrepor ao barulho, as rãs machos costumam ficar em locais bem visíveis, em cima de pedras, e fazer um toe flag, exibindo o contraste de cor entre a parte dorsal e a ventral do corpo. Na maioria das vezes, esse movimento é acompanhado de vocalizações, e tudo indica que ele esteja envolvido na atração de fêmeas e afastamento de outros machos.
Som e fúria: sinalização agressiva entre machos
Na grande maioria das espécies de sapos e rãs apenas os machos vocalizam. Uma das funções é indicar para outros machos que aquele território e os recursos disponíveis ali já têm dono. O canto agressivo das rãs machos, associado ao movimento de toe flag, pode refletir tanto o tamanho quanto a condição corporal, algo que se relaciona com a idade e capacidade de combate. Um ouvinte atento a tais sinais pode evitar confrontos físicos que gastariam ainda mais energia do que a disputa vocal.
Para testar se essas formas de sinalização estão de fato relacionadas com a condição corporal e com o tamanho do emissor, os pesquisadores colocaram uma rã robô em cima de um molde de pedra e a programaram para emitir estímulos visuais, acústicos e audiovisuais durante um período de quatro minutos, precedidos e seguidos por períodos de silêncio. Eles gravaram a resposta de outros machos aos estímulos emitidos pelo robô e usaram um modelo estatístico para analisar qual tipo de sinal induzia uma resposta agressiva dos machos. Três aspectos de resposta foram considerados: a frequência de notas agressivas, a frequência de toe flags e a frequência de sinais multimodais.
O resultado foi que o sinal visual não é suficiente nem necessário para induzir uma resposta dos machos, mas o sinal acústico sozinho já é capaz de desencadeá-la. Apesar dessa aparente predominância acústica, o estímulo visual em associação com o canto gera uma resposta agressiva mais frequente e mais longa do que os sinais acústicos emitidos isoladamente. Uma das explicações propostas foi a de que uma modalidade reforça a eficácia da outra, de forma que os sinais emitidos em conjunto tenham um efeito mais significativo sobre o receptor em diferentes ambientes: o sinal visual poderia aumentar a eficácia do sinal acústico em ambientes barulhentos, do mesmo modo que o sinal acústico aumentaria a eficácia do sinal visual em ambientes escuros.
Outra evidência da integração entre os sinais visual e acústico em um sinal multimodal é que a quantidade de movimentos de toe flags aumenta à medida que mais cantos agressivos são emitidos. “Se os toe flags raramente são utilizados como um sinal sozinho, é de se esperar que o sinal visual sem canto não gere uma resposta de outros machos”, conta Caldart.
Os pesquisadores perceberam, ainda, que a resposta dos machos não se relaciona com sua condição corporal ou tamanho, indicando que os sinais não refletem estado de saúde ou capacidade física do emissor. “É possível que a sinalização agressiva indique outra variável de qualidade não medida no estudo, como disposição para combate ou uma característica comportamental ou fisiológica mais imediata”, explica o biólogo.
Atraindo as fêmeas
Nem só de combates vivem os machos de Crossodactylus schmidti. Na busca por fêmeas, tanto a vocalização quanto sinais visuais podem dar dicas sobre a condição física do macho, indicando se é capaz de gerar filhotes saudáveis e fortes, ou se é dono de territórios adequados para a postura dos ovos e desenvolvimento dos girinos.
Caldart e equipe decidiram testar se a combinação de sinais levaria a uma resposta maior também nas fêmeas. Para isso, utilizaram o macho robô em um experimento semelhante ao feito para medir a resposta dos machos. Os pesquisadores mediram a probabilidade das fêmeas emitirem uma resposta acústica e uma resposta visual a três tipos de estímulos: somente visual, somente acústico e multimodal (visual e acústico).
Tanto o som quanto a imagem do movimento com os dedos dos pés do macho foram suficientes para despertar uma resposta das fêmeas na forma de sinais visuais. Mas as fêmeas só respondem com um canto quando o macho robô também emite som, seja ele isolado ou acompanhado do toe flag. Apesar de as fêmeas reagirem de alguma forma a todos os tipos de estímulo, a probabilidade de resposta era sempre maior para o estímulo multimodal.
“Sabe-se que o canto de advertência tem a função de atrair fêmeas e manter espaço entre machos, com um claro impacto na reprodução. É possível que os toe flags isolados estejam associados a características que não são tão relevantes para a reprodução e, por isso, seu efeito nas fêmeas seja menor”, sugere ele.
Além disso, o barulho do ambiente não afetou a resposta acústica das fêmeas a nenhum dos sinais, mas afetou a resposta visual. Elas respondem mais aos sinais visuais e multimodais à medida que o barulho do ambiente diminui. Para explicar esse resultado inusitado, os pesquisadores recorreram aos resultados de um artigo publicado em 2015, que demonstrou que a percepção de um estímulo pode ser suprimida quando outro estímulo é oferecido. É o que acontece quando alguém diminui o volume do rádio do carro para prestar mais atenção às placas de trânsito.
Luanne Caires, especial para o Jornal da USP – com edição de Silvana Salles