Estudo com macacos sugere que cultura e biologia caminham juntas

Trabalho observou o uso de pedras para quebrar frutos e investigou como a cultura pode afetar processos biológicos

 23/08/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 28/08/2018 às 14:50
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Experimentos derrubam mitos sobre o uso de ferramentas pelo macaco-prego – Foto: Tiago Falótico

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m estudo com participação de pesquisadoras do Instituto de Psicologia (IP) da USP demonstrou o efeito de uma tradição em uma população selvagem de macacos-prego. O trabalho observou o uso de pedras como ferramentas para quebrar frutos e forneceu evidências sobre como a cultura pode afetar processos biológicos.

Os resultados do trabalho foram publicados no artigo Synchronized practice helps bearded capuchin monkeys learn to extend attention while learning a tradition em um número especial da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Membros do Departamento de Psicologia Experimental do IP e do Projeto EthoCebus, as professoras Patrícia Izar e Briseida Dogo de Resende realizaram um estudo no sul do Piauí, numa área conhecida como Fazenda Boa Vista, em que foi observado um conjunto de 16 macacos, entre 2011 e 2013, cujos hábitos foram registrados no artigo. Além delas, o artigo contou com a colaboração de pesquisadoras da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, e do Instituto de Ciências Cognitivas e Tecnologias, na Itália.

Queremos encontrar especificidades humanas e também das outras espécies. Saber o que é compartilhado e o que é derivado.”

Com formação em biologia, as docentes revelam que seu caminho até a psicologia experimental foi, sem quaisquer trocadilhos, uma evolução natural. “Chegamos aqui pelo caminho da primatologia, estudamos primatas e nós duas nos interessamos pelo macaco-prego, que é um macaco da América do Sul que apresenta uma complexidade na sua vida social”, relembra Briseida ao apresentar os caminhos iniciais.
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Macaco-prego (Sapajus libidinosus). Macho adulto registrado no Parque Nacional Serra da Capivara, PI, Brasil – Foto: Tiago Falótico

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Especialistas em comportamento animal, Patrícia e Briseida se identificam como etólogas, pesquisadoras que almejam trazer um olhar evolucionista sobre o comportamento. Mas por que estudar o comportamento animal na psicologia?

Para as professoras, utilizar estudos de comportamento animal para iluminar aspectos sobre o homem é assumir que “existe uma compreensão de que nós compartilhamos uma história evolutiva e, portanto, há fenômenos compartilhados”, explica Briseida ao ressaltar que é a partir desse tipo de estudo que se torna possível entender minúcias do comportamento humano, quando inserido no contexto amplo da evolução.

“Queremos encontrar especificidades humanas e também das outras espécies. Saber o que é compartilhado e o que é derivado”, sumariza Patrícia ao introduzir o cerne da pesquisa que rendeu o artigo.

Quebrando o coco

Tudo começou em 2003, quando o proprietário da Fazenda Boa Vista, localizada no sertão do Piauí, foi procurado por interessados em promover o ecoturismo na região.

Ciente da presença dos macacos e de seu comportamento peculiar – em especial utilizando pedras para quebrar cocos e obter alimento -, o sertanejo e conservacionista abriu o espaço para turistas e almejou atrair grande interesse pelos bichos da região ao construir túneis e cabanas para observação.

Quando um fotógrafo da BBC, emissora britânica de rádio e televisão, registrou as atividades peculiares dos macacos-prego em um ensaio, uma das coautoras internacionais do estudo, Dorothy Fragaszy, procurou os professores da USP. “Ela ficou entusiasmada e entrou em contato com a equipe, então fomos atrás disso e descobrimos a companhia de ecoturismo”, relembra a professora Patrícia.

“Foi muito difícil chegar lá. Era um lugar bem isolado e de natureza muito preservada”, conta ela, ao destacar que seus registros iniciais renderam um primeiro artigo, publicado em 2004, e foram o início de uma pesquisa maior, a partir de 2005.
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Macaco-prego (Sapajus libidinosus). Uma fêmea adulta e um juvenil registrados no Parque Nacional Serra da Capivara – PI, Brasil – Foto: Tiago Falótico

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De acordo com Patrícia, os anos de observação e o fato de os macacos-prego estarem aptos a participar de experimentos sem deixar seu habitat natural possibilitaram que as pesquisadoras demonstrassem, de uma maneira elegante, o que os animais eram capazes de perceber a respeito da tarefa da quebra do coco. “Eles percebem quais são as propriedades relevantes das pedras que usam como martelo para bater e quebrar o coco, sabem utilizar as pedras de tamanhos e formas mais adequados para quebrar um coco de determinado tamanho”, destaca.

Ao fazerem experimentos com pedras artificiais, criadas com apoio de pesquisadores do Instituto de Geociências (IGc) da USP, foi possível acessar a sagacidade dos símios no que se referia a perceber seu meio ambiente.

“Colocávamos duas pedras, uma maior e uma menor. A maior era oca, a menor densa. Eles iam direto na maior para quebrar o coco; quando eles a levantavam, ela era leve e eles largavam. Eles cutucavam a outra que era mais densa e pegavam aquela”, ilustra Patrícia, ao explicar ainda que os macacos-prego ajustavam todas as condições das pedras dependendo das espécies de coco que pretendiam quebrar.

“Fomos descobrindo muitas coisas que foram derrubando mitos sobre o uso de ferramentas pelo macaco-prego e mesmo de cognição do mundo físico”, pontua Patrícia.

Natureza e criação

“O interessante desse artigo é que mostramos como a influência social se dá, não em sua totalidade, mas em um aspecto de como o parceiro social afeta e potencializa a aprendizagem dessa tarefa”, sintetiza Patrícia, ao reafirmar que uma das principais conclusões do trabalho foi postular que, por meio da observação dos macacos, ficou claro que uma tradição afetou um processo biológico, no caso, o da aprendizagem.

E esse tipo de aprendizagem pode inclusive interferir no desenvolvimento motor do animal. Para Briseida, um dos principais pontos foi mostrar como se dá essa interação entre o ambiente social e o desenvolvimento de cada indivíduo.

Elisabetta M. Visalberghi, Patrícia Izar e Dorothy M. Fragaszy – Foto: Projeto EthoCebus

Para ambas as pesquisadoras, o estudo indica que a cultura também pode afetar processos evolutivos. “Essa ideia de que a evolução cultural está completamente destacada de evolução biológica está dando lugar à ideia de que ambos os processos afetam um ao outro. Nosso trabalho é uma ilustração disso para além da espécie humana”, conclui Patrícia.

“Estamos mostrando que essas coisas caminham juntas e rompendo a dicotomia ‘natureza versus criação’, o que é uma tendência”, finaliza Briseida.

O artigo completo, que também contou com a coautoria das pesquisadoras Yonat Eshchar, Elisabetta Visalberghic e Kellie Laitya, pode ser acessado no site oficial da revista PNAS.

Mais informações sobre o trabalho do Ethocebus Project podem ser visualizadas no site oficial.

 


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