O hormônio melatonina, que informa a todo o organismo que está escuro, aumenta a disponibilidade de células-tronco, que irão gerar células sanguíneas na medula óssea à noite. O experimento manteve a estocagem durante o dia por meio de injeções de melatonina – Foto: Wikimedia Commons/CC
A melatonina, hormônio que informa a todo o organismo que está escuro (hormônio da noite), também regula a disponibilidade de células-tronco na medula óssea. A conclusão é de pesquisa internacional com participação do Instituto de Biociências (IB) da USP e do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel. Experimentos com animais mostraram que a proliferação e liberação de células-tronco, que vão gerar as células do sangue, é menor durante o dia do que à noite, quando as células são estocadas na medula. A melatonina produzida pelo organismo, à noite, é responsável por esta diferença, e se for injetada de dia, as células-tronco ficam estocadas. A pesquisa poderá servir de base para aumentar a eficiência da coleta de células-tronco nos transplantes de medula.
“Na medula, protegidas em um nicho do interior dos ossos, estão células-tronco que dão origem a células do sangue, ossos e tecidos, desde que recebam o estímulo correto. Por essa razão, elas são usadas no tratamento de câncer e outras doenças”, afirma a professora Regina Markus, que participou da pesquisa. “Em transplantes de medula óssea, a medula é retirada do doador com uma agulha inserida no osso e injetada no receptor, depois da medula doente ser irradiada e retirada, um processo de alto cuidado, pois a imunidade do paciente está prejudicada.”
A extração da medula para transplante é um processo doloroso, por isso os cientistas buscam formas de mobilizar células-tronco da medula óssea para o sangue, de modo que futuramente seja preciso apenas extrair o sangue do doador e injetar no receptor. “É necessário conhecer a biologia do processo, pois a medula possui cerca de 500 tipos de células diferentes”, observa a professora. “Pesquisas anteriores mostraram a influência da melatonina na mobilidade de células do sangue e dos tecidos, saudáveis e infectados. A ideia era observar os efeitos do hormônio nas células-tronco.”
Os estudos mostraram que a medula óssea possui macrófagos (células de defesa do organismo) que retêm as células-tronco nos nichos dos ossos. “Elas se soltam dos nichos, proliferam e dão origem a células precursoras de linhagens sanguíneas”, descreve Regina. “Esse processo, assim como a estocagem das células à noite, é mediado pela melatonina, que atua sobre os macrófagos.”
Disponibilidade
Nos experimentos, realizados em animais, o receptor teve a medula irradiada e, após sua remoção, foi injetada a medula do receptor. “Quando isso era feito durante o dia, o número de células-tronco no receptor era menor, mas quando era realizado à noite, o número era maior”, diz a professora. A descoberta comprovou a influência da melatonina na estocagem de células pela medula. “À noite, quando era injetada uma substância que bloqueava os receptores de melatonina, havia menos células disponíveis.”
De acordo com Regina, a pesquisa trouxe um conhecimento biológico que permitirá ser extrapolado para um benefício clínico, após novos estudos, que é o aumento da eficiência dos transplantes de medula. “Ao mesmo tempo, surge uma nova hipótese para ser investigada”, aponta. “A questão é saber como a medula percebe a diferença entre claro e escuro. Sabe-se que há influência da melatonina, mas qual a origem desse hormônio? Seria no cérebro, na glândula pineal, trazida pela circulação? E como a melatonina atua na medula?”
A pesquisa foi realizada pelo Instituto Weizmann de Ciências, e a participação da USP foi viabilizada pelo Projeto de Cooperação Internacional Fapesp- Weizmann, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Coordenado pelo professor Tsvee Lapidot, do Instituto Weizmann, e pela professora Regina Markus, o estudo teve também a colaboração de pesquisadores da Pomeranian Medical University (Polônia), Universidade de Cambridge (Reino Unido), University Health Network (Canadá), National Medical Center Century XXI (México), Universidade de Varsóvia (Polônia), Chinese Academy of Medical Sciences e Peking Union Medical College (China) e Universidade de Louisville (Estados Unidos).
O trabalho dos cientistas brasileiros teve financiamento da Fapesp, enquanto os estudos em Israel contaram com o suporte do Instituto Weizmann de Ciências. As conclusões da pesquisa são descritas no artigo Daily onset of light and darkness differentially controls hematopoietic stem cell differentiation and maintenance, publicado em 30 de agosto na revista científica Cell Stem Cell. A primeira autora do artigo é Karin Golan, pesquisadora do Instituto Weizmann. Pelo IB, assinam as professoras Regina Markus e Zulma Ferreira.
Mais informações: e-mail rpmarkus@usp.br, com a professora Regina Markus