Assédio sexual no trabalho: mais um crime presente no contexto das relações de gênero

Diferente das leis do feminicídio e Maria da Penha, no assédio sexual não se define o gênero, nem da pessoa que pratica assédio nem da vítima, pois não acontece somente contra as mulheres

 04/11/2022 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 05/11/2022 as 20:20
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Em 2019, tramitaram pela justiça do trabalho 4.786 processos por assédio sexual – Foto: Freepik
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Fabiana Severi – Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Brasil, o assédio sexual é crime definido no Artigo 216A do Código Penal e a pena prevista é de detenção de um a dois anos. Embora o processo criminal decorrente do assédio sexual seja da competência da justiça comum, a prática tem reflexos também no Direito do Trabalho, segundo o TST. Em 2019, por exemplo, tramitaram pela justiça do trabalho 4.786 processos por assédio sexual. Para trazer mais informações sobre o tema, neste episódio da série Mulheres e Justiça, a professora Fabiana Severi conversa com Camila de Magalhães Gomes, professora adjunta de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Camila diz que só existe assédio sexual no âmbito das relações de emprego, cargo ou função, portanto, sempre é um sentido lato, um crime que acontece dentro das relações de trabalho. “Há condutas, sem esse elemento, que poderão ser entendidas como outros crimes sexuais como, por exemplo, uma importunação sexual, mas não um assédio sexual.”

A professora enfatiza que a definição é específica, conduta de quem pratica um constrangimento de natureza sexual com a finalidade de obter vantagem e favorecimento também de natureza sexual, usando para isso, muitas vezes, da condição que tem de superioridade hierárquica ou ascendência, inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, conforme descrito no Código Penal. “O sujeito que assedia é aquele que tem uma posição de chefia, direção, ou seja, tem essa condição de ascendência ou hierarquia em relação à pessoa assediada, normalmente uma pessoa por ele contratada, uma pessoa a ele subordinada, empregada por ele etc.”

Mais um crime nas relações de gênero

A professora e pesquisadora usa os exemplos propositalmente no masculino em relação ao assediador e no feminino em relação à vítima, “por uma questão prática e não da definição do crime.” Diferentes de outros tipos de crimes penais, que falam sobre a questão de gênero, como é o caso do feminicídio e da Lei Maria da Penha, no caso do assédio sexual não se define o gênero, nem da pessoa que pratica assédio nem da vítima. “No entanto, é importante reconhecer que é mais um crime que está presente nesse contexto de relações de gênero, mesmo não sendo um crime praticado só contra as mulheres.”

Camila de Magalhães Gomes – Foto: Reprodução/ Flickr

Camila destaca que, nessa diferença de amplitude, o direito penal tem uma definição mais estrita, já no direito do trabalho o assédio sexual pode gerar medidas e sanções trabalhistas, é mais ampla e envolve tanto o que se chama de assédio sexual por intimidação quanto de assédio sexual por chantagem. “Nesse sentido, também envolvem casos de assédio de natureza sexual praticados por colegas e, nessa relação de hierarquia e ascendência, está também reconhecida a relação entre professores e professoras e alunos e alunas.”

Camila diz que são muitos os obstáculos e dificuldades que as mulheres enfrentam e que as ocorrências acontecem através de um ciclo, começam com algumas insistências, palavras constrangedoras e depois, diante das negativas da mulher, passam para algo mais agressivo e interventivo, seguido de um suposto arrependimento, mas de forma continuada e cíclica. “Quase 50% das mulheres brasileiras alegam já ter sofrido assédio sexual no ambiente de trabalho, segundo pesquisa do Linkedin com a consultoria Think Eva.”

A professora lembra que muitas mulheres, assim como em outros contextos de vitimização por crimes baseados no gênero, enfrentam inúmeros problemas para registrar a ocorrência do fato. Esses problemas podem acontecer no sistema de justiça criminal, onde muitas vezes são revitimizadas, questionadas e, em razão desse tipo de tratamento, preferem não levar a ocorrência desses crimes ao conhecimento do sistema. Mas muitas também têm medo de registrar ou fazer reclamação até no ambiente de trabalho, numa ouvidoria ou em algum órgão específico. “Têm medo de que a reclamação possa gerar contra ela uma retaliação e levá-la a perder o emprego ou, ainda, ser submetida a outras formas de violência, no sentido, por exemplo, de sofrer intimidações, ameaças e, ainda, perder espaço, oportunidades e direitos dentro daquele ambiente de trabalho.”

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira - Apoio: Acadêmica Sabrina Sabrina Galvonas Leon - Faculdade de Direito (FD) da USP Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br


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