A pandemia do novo coronavírus obrigou o Brasil a recuar com a atividade econômica e ocasionou uma abrupta queda na arrecadação dos impostos sobre consumo e serviços. Pressionado por essa situação, o Congresso Nacional aprovou, em maio de 2020, um socorro fiscal da União para cobrir perdas de Estados e municípios e, principalmente, as despesas emergenciais de saúde. A Lei Complementar 173/2020 permitiu a liberação de mais de R$ 60 bilhões aos Estados e municípios em quatro parcelas fixas, entre julho e setembro de 2020, além da suspensão do pagamento de dívidas com a União e com bancos públicos.
O critério para o recebimento dos repasses não foi vinculado às perdas do Imposto Sobre Serviços (ISS) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ou qualquer outro imposto em 2020, mas, sim, parcelas calculadas com base em vários critérios. Isso permitiu que alguns Estados recebessem o auxílio, mesmo tendo ganhos arrecadatórios em 2020. Pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária coordenaram uma nota técnica para detalhar os repasses feitos pela União em 2020 e em 2019. Ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, a professora Ursula Dias Peres, da EACH e do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), e o técnico da Câmara Municipal de São Paulo, Fábio Pereira dos Santos, contam que analisaram as receitas e despesas de cada Estado e que não houve uma coordenação federativa na distribuição desses recursos, tampouco uma coordenação federativa clara sobre como esses Estados deveriam agir na questão da saúde e educação. “O que fica claro na nota é que não há uma política nacional de enfrentamento da pandemia”, afirma.
Ursula explica que a função, como saúde e educação, de todos os Estados cresceu cerca de 11%, mas que esse crescimento foi desigual e que alguns deles tiveram um crescimento maior que outros, usaram mais diretamente a transferência para a saúde e outros menos. Além disso, a professora diz que “a sensação que temos é que, ao longo do segundo semestre, talvez tenha havido a sensação de que a pandemia acabaria no primeiro ano, então não parece ter tido um planejamento muito claro para o ano seguinte”.
Tal ausência de estratégia no combate à pandemia acarretou, segundo a nota técnica, uma queda de até 20% nas despesas com educação na maioria dos Estados, mesmo naqueles que tiveram ganhos de ICMS. Segundo Santos, a redução no dispêndio com a educação era esperada, já que as escolas permaneceram fechadas por um longo período e então gastos como energia elétrica, água e limpeza foram minimizados. “Aparentemente, até onde podemos observar os dados, houve queda em algumas despesas, mas não houve o aumento de outras que seriam necessárias para enfrentar essa nova realidade da educação no quadro da pandemia”, afirma o técnico.
A nota detalha que o aumento de 11,1% com a função saúde em 2020 foi mais do que o esperado em razão da pandemia. Porém, a variação desse aumento de despesas entre os Estados chama atenção quando comparada ao recebimento das transferências da União em função da covid-19. Um trecho da nota explica que há Estados em que o aumento do gasto em saúde representou cerca de 50% das transferências recebidas. Em outros, esse porcentual foi ínfimo, enquanto em outros ainda houve redução do gasto em saúde em 2020, mesmo tendo recebido transferências expressivas. As conclusões apontam para o fato de que não basta haver transferência de recursos da União para Estados e DF se não houver uma coordenação de quando transferir e orientação sobre a utilização desses recursos. Mesmo sem terem tido perdas de ICMS, alguns Estados não aumentaram suas despesas na saúde e na educação.
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