Pais e treinadores precisam estar alertas ao excesso de expectativas quando as crianças começam atividades esportivas. Muitas vezes exageradas, atrapalham a aderência de uma criança à prática esportiva, “pois é a partir delas que surgem as cobranças por desempenho em treinos e competições”, diz o professor Hugo Tourinho Filho, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP.
E mais, essa atitude, especialmente a de não respeitar as fases do desenvolvimento da criança e do adolescente, pode contribuir para que nesses jovens se instale a síndrome de burnout, situação em que o indivíduo abandona as atividades exercidas em decorrência do excesso de cobranças ou competitividade no ambiente de trabalho. “No esporte, a síndrome acontece devido à pressão exercida em jovens que ainda estão iniciando suas primeiras atividades físicas”, avalia o professor.
Segundo Tourinho Filho, em nossa cultura espera-se que, ao entrarem em escolas de esportes, as crianças “se tornem o novo Neymar ou Cielo”. Mas o professor alerta que o excesso de expectativas “atrapalha muito a aderência de uma criança à prática esportiva”.
Para a psicóloga Thabata Castelo Branco Telles, presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte e pós-doutoranda da EEFERP, a cobrança por rendimento pode mesmo levar ao abandono da atividade exercida, mas adverte que “uma coisa é você ter um estresse muito grande no trabalho que é o seu sustento e o da sua família. O que é muito diferente da modalidade em que sofro pressão para ganhar porque pode ser que eu seja um atleta”. Mas a psicóloga alerta que, antes de classificar o esgotamento em atletas como burnout, é preciso analisar as relações entre o esportista e seu time. “No caso das crianças, esse é o primeiro ponto. Eu reconheço nisso um trabalho? É uma pressão enorme que acontece com algumas crianças hoje em dia, principalmente no futebol, onde competem muito cedo e, às vezes, sustentam a família antes de completar a maioridade.”
O esporte traz outros ensinamentos, além da modalidade em si, como conceitos sobre cidadania, trabalho em equipe e o desenvolvimento do repertório psicológico e motor. “Conceitos esses que podem se perder em consequência do excesso de pressão”, alerta Tourinho Filho. Por isso, diz o professor, durante o crescimento, as crianças devem ser direcionadas para as mais variadas atividades físicas. “Quando você foca apenas no desempenho, todos os benefícios que a atividade física pode propiciar se perdem.”
Tourinho Filho defende, ainda, que, para evitar o abandono das atividades e a consequente instalação da síndrome de burnout “é importante respeitar os níveis de maturação e os processos pelos quais as crianças e adolescentes passam”.
Já relacionar a síndrome com o esporte profissional traz ainda outros desdobramentos e questões que têm sido alvo de estudos da comunidade esportiva, diz a psicóloga. Cita, por exemplo, a ausência de direitos como carteira assinada, aposentadoria e auxílio para lesão em ambiente de trabalho. “Isso nós vemos em poucas modalidades, a maioria vive em condições muito precárias. E com a criança isso fica mais crítico ainda. Se a criança tem síndrome de burnout, então há trabalho infantil?”