Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina (FM) da USP indica que uma parcela significativa dos casos de demência diagnosticados no Brasil poderia ser evitada com o controle de doenças crônicas como hipertensão e obesidade. O que chamou a atenção dos pesquisadores foi que a proporção de demência do tipo vascular é maior no Brasil do que em outros países. O Jornal da USP no Ar conversou sobre esse assunto com a professora Cláudia Kimie Suemoto, da Disciplina de Geriatria e pesquisadora do Biobanco para Estudos em Envelhecimento da FMUSP. Ela também colabora com o Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).
O estudo foi possível graças ao banco de encéfalos da faculdade, que conta com cerca de 1100 peças usadas como objeto de pesquisa. Foram analisados cérebros de pacientes mortos e com mais de 50 anos, e um terço dos órgãos estudados apresentavam algum tipo de problema vascular, o que evidencia esse quadro como fator que leva à doença. “Dentre os cérebros estudados, o Alzheimer foi a principal causa do desenvolvimento da demência, mas constatamos que 35% dos demais tiveram suas capacidades cognitivas reduzidas por conta de problemas vasculares, como derrames”, aponta Cláudia.
Dessa forma, muitos dos casos poderiam ser evitados se tivessem ocorrido tratamentos preventivos contra hipertensão, diabete e até obesidade. A professora explica que “a demência é uma síndrome cujos sintomas mais conhecidos são perda de memória e alterações cognitivas, identificadas por meio da dificuldade na linguagem e também ao planejar ações no cotidiano. O tipo vascular da doença é causado por pequenos derrames ao longo da vida do paciente, e por isso a prevenção deve começar logo aos 30, 40, 50 anos, procurando controlar e cuidar dos fatores de risco antes que a pressão alta ou o excesso de peso, por exemplo, possam levar a consequências mais graves. A partir do momento em que são notados esses problemas, é necessário buscar acompanhamento médico, que ajudará o indivíduo no processo de perda de peso, controle do sal e na adoção de quaisquer outras medidas terapêuticas necessárias”.
Embora seja muito comum no mundo todo, a demência não tem cura. Os avanços científicos no controle da progressão da doença são lentos, mas os estudos a esse respeito são recorrentes. A pesquisadora diz que “existe muito investimento na busca de novas drogas que pudessem auxiliar no tratamento, mas os resultados não vêm sendo muito otimistas. O último medicamento aprovado e disponibilizado aos pacientes entrou no mercado há 14 anos, e seus benefícios podem ser considerados marginais, apenas. Por isso a prevenção é a melhor forma de combater a verdadeira epidemia de demência que vivemos hoje”.
Ao ano, são registrados dois milhões de casos de demência no Brasil, e esses casos são comuns especialmente em países em desenvolvimento. Dois trabalhos publicados recentemente, também realizados por pesquisadores da FM, ajudam a entender esse número elevado por meio da comprovação da relação entre educação e saúde cerebral. “Foi comprovado que os pacientes com grau de escolaridade maior possuem menores chances de desenvolver demência. O diferencial do Brasil nessa análise é que, enquanto outros países apresentam uma população que passa cerca de 12 anos estudando, a média do nosso país é de apenas quatro anos”, alerta Cláudia. Ela também ressalta que “trabalhos cognitivamente estimulantes diminuem a chance do aparecimento da síndrome porque isso cria reservas de neurônios, que são desgastados naturalmente ao longo dos anos. Quem estudou mais cria mais conexões entre neurônios em seu sistema nervoso e, portanto, não demonstra tanto os sintomas de demência”. Nas teses também se comprova que a ocupação profissional não é tão eficaz na criação de conexões neurais quanto a educação em si.
Nesse sentido, a professora retoma alguns dos fatores fundamentais para o combate da epidemia brasileira de demência: “precisamos melhorar a educação, obviamente, e também garantir efetivamente o acesso da população aos serviços de saúde, para que todos possam tratar os fatores de risco logo quando aparecerem”. Os alertas são destinados principalmente a pessoas de meia-idade, que devem prevenir e tratar doenças cardiovasculares.
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