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A tendência e uma crítica à cobertura de ciência na grande imprensa
Esta quinta reportagem da série sobre jornalismo científico, publicada originalmente pela newsletter Jornalistas&Cia, mostra que a cobertura de ciência cresceu enormemente durante a pandemia, ocupando um espaço que não tinha antes. Vencida a pandemia, deverá esse espaço voltar ao mínimo, como era anteriormente? Fizemos essa pergunta a dois jornalistas que dirigem editorias que cobrem o tema na grande imprensa brasileira
“A cobertura atingiu um nível maior de maturidade”
Victor Vieira de Andrade, editor de Metrópole no jornal O Estado de S. Paulo
Victor Vieira de Andrade - Foto: Arquivo pessoal
Espero que não. Na pandemia, foi possível perceber que a cobertura de ciência atingiu um nível maior de maturidade por parte de quem produz o conteúdo e das fontes. Também avançou o nível de entendimento sobre a discussão, por parte do público, das fontes acadêmicas e até dos colegas jornalistas. Isso fez com que essa pauta ganhasse espaço no noticiário, justamente pela sua conexão com a realidade e sua capacidade de mudar nossas vidas.
O desafio durante a crise da covid-19 foi mostrar aos leitores a relevância e a complexidade dos processos científicos. Traduzir avanços, insucessos e limitações das pesquisas sobre protocolos de prevenção, remédios e vacinas revelou-se uma missão que exigiu rigor de apuração, escolha correta da linguagem, compreensão sobre as demandas do público e interlocução qualificada com as fontes.
Contar de forma inadequada os resultados de um ensaio clínico da vacina, por exemplo, poderia minar a confiança da população ou lhe dar falsas expectativas. Jornalistas não envolvidos na cobertura e leitores perceberam ainda como a cobertura de ciência tem caráter interdisciplinar: envolve consequências práticas na saúde e na rotina das pessoas, é capaz de antever cenários ou apontar caminhos, indica riscos e prioridades no setor econômico. Além da pandemia, o noticiário sobre mudanças climáticas favorece a valorização da cobertura científica, uma vez que o aquecimento global pode ter efeitos negativos − e cada vez mais visíveis − nos campos da saúde, da economia, da biodiversidade, das desigualdades sociais, dentre outros.
Outro desafio é não compartimentar a busca pela informação. A capacidade da ciência de fornecer evidências, desmistificar questões e oferecer alternativas é útil não apenas para as reportagens da editoria de ciência, mas para todas as outras, como forma de apresentar diagnósticos mais precisos e debates propositivos.
“A cobertura deve ser mais robusta mesmo pós-covid”
Giuliana de Toledo, editora adjunta de Ambiente, Ciência e Saúde na Folha de S.Paulo
Giuliana de Toledo - Foto: Arquivo pessoal
Não. O contato sem precedentes dos leitores com temas de ciência, provocado pela pandemia, esperamos, deve se refletir em um interesse maior pelo tema mesmo quando a crise sanitária passar. Assim, a cobertura deve ser mais robusta mesmo no cenário pós-covid. Além disso, com o movimento anticiência em certos setores da sociedade, é preciso manter uma cobertura que faça frente à desinformação, em especial quanto a vacinas e mudanças climáticas. Outra razão para acreditar que a cobertura de ciência não voltará ao patamar anterior é o próprio engajamento da Redação nesses temas. Na pandemia, as fronteiras ficaram muito borradas e um número maior de repórteres e editores originalmente de outras áreas passou a se envolver nesses assuntos − e, por consequência, a circular com maior facilidade entre eles.
“Os jornais foram ficando mais finos, começaram a perder espaço”
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Renato Janine Ribeiro - Foto: Reprodução/Vermelho
O espaço que a mídia dá para jornalismo científico é baixo. É verdade que, de alguns anos para cá, 20 anos, começamos a ter jornalistas especializados em ciência com uma frequência maior. Não apenas José Reis, foi um grande nome, virou nome de prêmio, foi presidente da SBPC, tudo o mais, mas vários outros nomes se destacaram, muito qualificados, que não vou mencionar para evitar a indelicadeza de esquecer algum. Começamos a ter vários jornalistas científicos, como começamos a ter jornalistas especializados na área de educação, mas as editorias, tanto de educação como de ciência, foram minguando. Isso está ligado provavelmente ao fato de que os jornais foram ficando mais finos, começaram a perder espaço. Hoje os jornais têm muito menos matérias do que antigamente e isso sacrifica também o jornalismo científico. É pena porque ele é vital, ainda mais num momento como o atual.
(Veja o próximo capítulo nesta sexta-feira, 24/6, sobre vários aspectos que envolvem a atividade de jornalismo científico)
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