Desvendando complexidades: importância da interdisciplinaridade e da intersetorialidade

Por Tatiana Tucunduva P. Cortese e Débora Sotto, pesquisadoras do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP, e outros autores*

 13/06/2023 - Publicado há 11 meses
Tatiana Tucunduva P. Cortese – Foto: Reprodução/IEA-USP

 

Debora Sotto – Foto: Reprodução/IEA-USP

 

Um Centro de Síntese de Pesquisa é um núcleo científico que promove a colaboração e coordenação entre pesquisadores de diferentes disciplinas para abordar questões ou problemas complexos de pesquisa. O principal objetivo de um Centro de Síntese é facilitar a integração de diferentes linhas de pesquisa, teorias e métodos para gerar soluções inovadoras e abrangentes para questões complexas.

Pesquisadores de diferentes disciplinas se reúnem para compartilhar conhecimentos, experiências e dados, e trabalhar de forma colaborativa para desenvolver uma compreensão abrangente de questões complexas. As atividades de um Centro de Síntese normalmente incluem workshops, conferências, seminários que promovem a comunicação e a colaboração entre pesquisadores com diversas formações.

A interdisciplinaridade é essencial para um Centro de Síntese de Pesquisa porque permite que pesquisadores de diferentes disciplinas compartilhem suas perspectivas e abordagens únicas para abordar questões complexas. Ao reunir especialistas de diversas áreas, o centro se habilita a enfrentar problemas de pesquisa que exigem uma compreensão e abordagem multifacetada. Além disso, a pesquisa interdisciplinar tem o potencial de gerar novos conhecimentos e percepções que podem não ser possíveis por meio de uma única abordagem disciplinar.

Nesse contexto, o Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (CS USP CG) surgiu com a intenção de integrar especialistas de diferentes campos do conhecimento, para compreender e analisar criticamente os desafios da gestão e planejamento sustentável das cidades. Essa abordagem interdisciplinar permite compreender as dinâmicas investigadas em âmbito local, mas pensá-las e confrontá-las em uma perspectiva mais global.

O CS USP CG vem atuando fortemente na formulação de propostas para cidades resilientes e sustentáveis no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Especificamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o papel das cidades no contexto da sustentabilidade, atribuindo um dos ODS para cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11). No Brasil, assim como no restante do planeta, as cidades já abrigam a maior parte da população e se colocam como grandes centros geradores de poluição ambiental, pela constante e crescente demanda por insumos, âmbito de oportunidades e graves desigualdades socioeconômicas.

O CS USP CG busca concretizar os seguintes objetivos:

1. Reunir grupos de especialistas e gerar dossiês que discutam integradamente os conhecimentos existentes, tendo como referência a pergunta central: como viver melhor nas grandes cidades?
2. Propor temas para dossiês escritos que possam compor fascículos especiais da revista Estudos Avançados, a qual tem bom impacto na comunidade brasileira que formula políticas públicas;
3. Gerar projetos para um documento completo (transdisciplinar) sobre as políticas públicas prioritárias, norteadas pelo bem-estar da população, com maior probabilidade de terem sucesso na metrópole paulistana.

Assim, o CS USP CG fomenta pesquisas aplicadas com o propósito de influenciar as políticas públicas urbanas no sentido da sustentabilidade. Para tanto valoriza o ingresso de pesquisadores que além de acadêmicos sejam também practitioners do setor público, do setor privado e do terceiro setor. Segundo Kingdon e Stano, no livro Agendas, alternatives, and public policies, a universidade tem papel crucial na formação da agenda pública, pois a ciência se dispõe a analisar problemas e modelar soluções. Por isso é uma notória formadora de opinião, bem como prestadora de consultoria, principalmente quando Estado, mercado, sociedade e ambiente são pressionados a enfrentar crises e a realizar abordagens inovadoras, como é o caso do contexto contemporâneo. E isso de forma apartidária, tendo em mente que a atividade científica pede isolamento da política militante.

Pesquisadores do setor público contribuem para localizar e desvendar os dados abertos e as fontes das informações públicas, agregam suas vivências empíricas e são potenciais empreendedores das políticas públicas. Pesquisadores do setor privado discutem a interface do mercado com a Agenda 2030, e os desafios para implantar os princípios da governança ambiental e social (ESG – Environmental Social Governance) num ambiente econômico-financeiro em que persiste a inércia da teoria da dependência, o Consenso de Washington e a globalização, ainda que revisitada por novos fenômenos, teorias e neologismos. Pesquisadores do terceiro setor trazem sua cidadania ativa, seu conhecimento e sua disposição para exercer o advocacy, a participação e o controle social.

Os pesquisadores acadêmicos no senso estrito são aqueles que se especializaram nas ciências em profundidade, e complementam o lastro necessário a todos os demais nas publicações intersetoriais, interinstitucionais, interdisciplinares e que, juntos, “podem oferecer um resultado maior do que a soma das partes”, citando os coordenadores institucionais do CS USP CG.

A Agenda 2030 é o marco conceitual a que convergem todas as disciplinas e setores. No setor público, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) orientam a formulação e a avaliação de políticas públicas, o sistema de planejamento urbano e regional, o orçamento público e os sistemas de fiscalização e controle. Os ODS são invocados em políticas, programas, planos diretores, planos setoriais, planos plurianuais e, na ordem do dia, nos planos de mudanças climáticas; justificam programas, projetos, políticas e investimentos; pautam o controle social das organizações da sociedade civil, o controle externo dos Tribunais de Contas e as ações do Ministério Público; são pré-requisitos nas transferências voluntárias interfederativas e nas operações de crédito com os organismos e agências internacionais de fomento. Entretanto o setor público está dando seus primeiros passos na incorporação de indicadores qualiquantitativos em suas políticas, demandando um amadurecimento ao qual o CS USP CG se propõe a colaborar.

Nesse sentido, o Centro de Síntese lançou o Guia para Cidades Sustentáveis: Eleições 2020, por ocasião do último pleito eleitoral nos municípios, e tem desenvolvido convênios e projetos junto a algumas cidades, e mais recentemente incorporou o programa USP Municípios para desenvolvimento de projetos de extensão universitária voltados à promoção da sustentabilidade em âmbito local. As cidades oferecem grandes desafios de governança socioambiental, cujo enfrentamento não admite visões reducionistas e tecnocráticas do meio ambiente, traduzidas em uma constante gestão de crises.

As diversidades culturais presentes no Centro de Síntese USP Cidades Globais colocam em ação a natureza do pensamento complexo, produzindo ramificações e possibilidades de gerar inovações a partir dos saberes de diversas áreas de conhecimento, como uma espécie de holograma que integra à sociedade. A partir das vivências e experiências entre os pesquisadores, do desenvolvimento de pesquisas em rede e da realização de atividades de comunicação e disseminação científica, o CS USP CG realiza diálogos propositivos com diferentes interlocutores da sociedade, contribuindo para a construção de uma agenda pública integrada participativa e sustentável.

A força mobilizadora do pensamento complexo e sua ecologia da ação ativam o circuito de ideias por meio de diálogos propositivos, que direcionam as atividades para o atendimento das emergências urbanas contemporâneas, tal como as concebemos até aqui.

Pensar as cidades como sistemas complexos requer tecer em conjunto os saberes e fazeres das sociedades humanas, vinculando-os à realidade do mundo por uma via autocriativa, regeneradora do conhecimento e de caráter transdisciplinar, capaz de atravessar as disciplinas, de modo a convergir em desenhos de cidades e territórios mais generosos, afetivos, inteligentes, resilientes e sustentáveis.

* Rosane Segantin Keppke, Vivian A. Blaso S. S. César e Alejandro Dorado, pesquisadores do Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP.

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