Oppenheimer, presente nas telas e nos conflitos bélicos de 2024

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista e coordenador editorial da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP

 15/03/2024 - Publicado há 2 meses

O presidente francês, Emmanuel Macron, recentemente, insinuou a possibilidade de os países europeus participarem diretamente do atual teatro de guerra entre Ucrânia e Rússia. Bastou a insinuação para gerar advertências por parte de Vladimir Putin, lembrando, entre outras coisas, que seu país tem um arsenal de armas nucleares. Boa parte delas, aliás, instalada na Ucrânia nos tempos da União Soviética, e devidamente levadas de volta para a Rússia. A sugestão de Macron, diga-se a tempo, foi rechaçada pelos seus parceiros europeus, a começar pela Alemanha.

Não deixa de ser curioso que um episódio desse quilate surja na disputa entre a União Europeia e a Rússia em torno da invasão da Ucrânia, no momento em que, do outro lado do Atlântico, mais exatamente no Dolby Theater, em Los Angeles, EUA, o filme Oppenheimer foi consagrado com o Oscar de melhor da temporada. Sobre a vida do principal personagem das pesquisas e criação da bomba atômica pelos EUA, em meados da década de 1940, o filme recebeu um total de sete premiações no domingo, 10 de março – premiação, aliás mais do que esperada e anunciada pela imprensa especializada.

Dirigido por Cristopher Nolan, que ganhou seu primeiro Oscar na carreira, e estrelado por Cillian Murphy, também premiado, o filme, de três horas, baseou-se no livro Oppenheimer, o triunfo e a tragédia do Prometeu americano, um vastíssimo cartapácio com 637 páginas, escrito pela dupla Kai Bird e Martin J. Sherwin ao longo de 25 anos, nada menos do que 1/4 de século. O filme já foi assistido por cerca de um milhão de espectadores em todo o mundo.

Consta que Nolan era antigo admirador da história do cientista. Como registro digno de nota, entre outras, houve a peça O caso Oppenheimer, escrita pelo alemão Heinar Kipphardt, que recebeu cartas de protestos do cientista contestando várias passagens de sua obra. O Grupo Teatral Politécnico, da Poli-USP, do qual fui diretor, apresentou essa peça a calouros da escola, em 1969, no mezanino da Casa do Politécnico, ao lado da sede antiga da escola, na Praça Coronel Fernando Prestes, centro de São Paulo.

O livro, o filme, a peça condensam a caminhada de Oppenheimer desde jovem. Era filho de Julius e Ella, judeus, não religiosos, membros da Sociedade de Cultura Ética, com trânsito fácil nos meios sociais da época nos EUA. Vencidas inseguranças pessoais iniciais, Oppenheimer desenvolveu sua carreira em importantes universidades norte-americanas e europeias: Harvard, onde se bachalerou em Química, Berkeley e Göttingen, na Alemanha, onde se doutorou em Física, Princeton e inúmeras outras faculdades e institutos, sempre trabalhando com nomes de destaque no estudo e desenvolvimento da física. Até o seu próprio nome ganhar merecida notoriedade na área acadêmica. Durante muito tempo, nos anos 1930 e 1940, foi área próxima do Partido Comunista dos EUA, do qual, garantia, nunca foi ativista, mas que atraía a simpatia de vários de seus colegas. A proximidade viria a lhe causar sérios problemas futuramente.

Um dia, Oppenheimer e as necessidades norte-americanas em relação à Segunda Guerra Mundial se encontraram. Os EUA precisavam desenvolver uma bomba atômica, especialmente diante da possibilidade, que acabou não se confirmando, de que a inimiga Alemanha nazista o fizesse. Surgiu, então, o Laboratório de Los Álamos, chefiado por Oppenheimer, no estado do Novo México, instalado em meio a uma cidade-acampamento onde viviam os cientistas recrutados para a tarefa de desenvolver a bomba, bem como dezenas de militares, chefiados pelo general Leslie Groves, encarregado de vigiar de perto a delicada tarefa, manter o controle sobre ela e, claro, evitar indesejáveis vazamentos. Uma das questões era: dos pontos de vista quantitativo, qualitativo e de segurança, quantas informações passar para a então aliada e comunista União Soviética?

A guerra na Europa acabou e não foi preciso usar a bomba contra a Alemanha. Foi utilizada contra a persistência do Japão, outro país do trio do Eixo (o terceiro era a Itália), em continuar a lutar. Ao invés de se arriscar na ingrata, desgastante e perigosa tarefa de invadir o Japão militarmente, os EUA lançaram mão, pioneiramente, do recurso de que já dispunham: o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, provocando uma devastação, até então, inimaginável em termos de dizimação de populações, cujas consequências morais se estendem até hoje. A União Soviética, depois da derrota da Alemanha e do fim da aliança de guerra com o Ocidente, explodiu sua primeira bomba atômica em 1949, o que deu início ao clube de países possuidores do perigosíssimo artefato – que nunca mais foi usado em conflitos bélicos.

Os efeitos da bomba atômica sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki incomodaram moralmente Oppenheimer, que, inclusive, declinou da tarefa de desenvolver a mais poderosa bomba de hidrogênio, cujo grande entusiasta foi seu colega Edward Teller. Mas, seu passado de simpatia pelo Partido Comunista dos EUA despertou a ira dos adeptos das perseguições anticomunistas comandadas pelo senador norte-americano Joseph McCarthy, então em ascensão no Congresso dos EUA no início dos anos 1950.

Devido ao seu renome, Oppenheimer escapou das sessões públicas promovidas por McCarthy, mas não das paralelas e agressivas audiências de segurança da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, que escarafunchou sua vida e cassou, por dois votos contra um, sua “habilitação de segurança” que lhe permitia ser, até então, participante de fóruns de segurança nacional no nível governamental. Enfim, baniu o cientista do palco de decisões de Washington. Oppenheimer foi apoiado por uma grande parte da comunidade científica dos EUA, e continuou a participar de discussões importantes sobre física e ciência ao longo de sua vida. Sua contribuição à descoberta da bomba atômica foi reconhecida pelo presidente John Kennedy, mas o laurel foi entregue por Lindon Johnson, depois do assassinato do primeiro. O pesadelo de ter liderado o desenvolvimento da bomba atômica e constatado os seus devastadores efeitos o acompanhou até seus últimos dias. Oppenheimer faleceu no dia 18 de fevereiro de 1967.

Não há registros, que eu conheça, de uso de bombas atômicas, fora de testes realizados pelos países que as detêm, depois dos lamentáveis lançamentos em Hiroshima e Nagasaki, na longínqua década de 1940. As bombas são armas cujo poder de destruição e mortalidade recomenda a sua proibição e, embora os grandes detentores desses arsenais tenham assinado tratados contra sua proliferação, relutam em diminuí-los significativamente, por desconfianças entre si.

Não deixa de ser um espanto que, no meio do atual conflito entre Ucrânia e Rússia, o presidente Putin, às vésperas de mais uma reeleição neste fim de semana, responda a um balão de ensaio do francês Macron, lembrando o poderio atômico de seu país. A consciência mundial gostaria, na verdade, que essas armas fossem varridas da face da Terra. Gostaria, na verdade, de ver encerrados e superados todos os atuais conflitos bélicos que se prolongam, atualmente, nas relações internacionais, sejam onde forem.

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