O Clube do Bilhão

Por Guilherme Ary Plonski, professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), ambas da USP

 22/11/2022 - Publicado há 2 anos

Em 15 de novembro de 2022 comemoramos um fato nacional e outro global. O primeiro, celebrado anualmente, é mais um aniversário da Proclamação da República. O segundo, de periodicidade variada, é o atingimento da marca de oito bilhões de seres humanos, conforme estimativa da Organização das Nações Unidas. O crescimento de um bilhão de pessoas em apenas 12 anos gera reações distintas. É um fenômeno assustador para os neomalthusianos, adeptos da teoria demográfica, elaborada na segunda metade do século passado, segundo a qual o crescimento populacional resulta em pobreza.

Mais ponderada é a manifestação de António Guterres, secretário-geral da ONU, ao ressaltar que esse marco é resultado dos avanços científicos e das melhorias na alimentação, na saúde pública e no saneamento. Ao mesmo tempo, faz um alerta dramático: “No entanto, à medida que a nossa família humana cresce, está também cada vez mais dividida. (…) Se não reduzirmos o enorme fosso entre os que têm e os que não têm, estaremos construindo um mundo de oito bilhões de pessoas repleto de tensões, desconfiança, crises e conflitos”.

Guterres expressa a natural expectativa de que encontros internacionais de alto nível, como a presente Conferência sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), no Egito, e a Cúpula do G20, em Bali, contribuam para reverter esse quadro, a partir de escolhas responsáveis dos assim chamados países desenvolvidos. E traz uma mensagem de realismo esperançoso: “Investimentos relativamente pequenos na saúde, na educação, na igualdade de gênero e no desenvolvimento econômico sustentável podem criar um círculo virtuoso de desenvolvimento e de crescimento, transformando economias e vidas”.

A conscientização dessa oportunidade vem gerando uma instigante ampliação conceitual e prática no seleto clube dos unicórnios. Esse termo mitológico, popularizado há cerca de dez anos a partir do segmento financeiro dedicado a investir no empreendedorismo inovador, é aplicado a empresas startup privadas (que não lançaram ações em bolsa) cujo valor de mercado atinge ou supera um bilhão de dólares norte-americanos. Segundo o painel Crunchbase, no momento da escrita deste artigo há 1.415 unicórnios, com valor total da ordem de 5 trilhões de dólares. Quase mil estão nos Estados Unidos ou na China; o Brasil consta com vinte, número que é quase o dobro do atribuído ao Japão e apenas um pouco inferior ao da Coreia do Sul, nação com a qual habitualmente nos comparamos nos estudos sobre progresso econômico. Parcela significativa dos unicórnios brasileiros tem a sua origem em universidades públicas, com destaque para a USP.

Estão surgindo novas concepções, que levam em conta necessidades urgentes do Planeta e de seus oito bilhões de habitantes, a respeito do que é um unicórnio. Os integrantes desse ainda diminuto Clube do Bilhão alternativo são os “unicórnios de impacto”. Como conceito em construção, há critérios diversos para ingresso. O mais singelo é o de startups canônicas (ou seja, que têm valor de mercado igual ou superior a um bilhão de dólares) e que atuam em áreas voltadas aos desafios globais da humanidade, como saúde, educação, meio ambiente e redução da pobreza. A organização HolonIQ identifica 180 unicórnios de impacto (nenhum brasileiro), portanto pouco mais de 1/10 do total global. Todavia, esse critério é visto com alguma reserva, uma vez que a mera constatação de que uma empresa é climate tech, healthtech ou edutech pouco diz sobre a sua contribuição efetiva para minorar problemas críticos da humanidade.

Outra abordagem para inclusão nesse Clube do Bilhão alternativo é contar o número de beneficiados, ao invés de se basear no valor de mercado. Assim, a atribuição do título de unicórnio de impacto é feita a startups que conseguem atingir um bilhão de pessoas, mesmo que tenham valor de mercado inferior ao bilhão de dólares. Uma versão leniente desse conceito é o reconhecimento de startups cujas propostas tenham o potencial de beneficiar ao menos um bilhão de pessoas. Um promotor dessa abordagem é a Fundação Norrskem, que se autodefine como “um ecossistema onde empreendedores podem encontrar tudo o que precisam para fazer com que salvar o mundo seja o seu negócio”. Uma métrica interessante de unicórnio de impacto é o valor econômico do benefício gerado, alavancando o recurso investido. Um unicórnio de impacto é o que gera ao menos um bilhão de dólares de valor econômico para a sociedade na redução do amplo fosso denunciado pelo secretário-geral da ONU.

Conhecer o eventual impacto das “organizações com DNA USP”, sejam elas empresas ou entidades do terceiro setor, e em particular dos unicórnios gerados por uspianos/as, ampliará o conhecimento interno e a apreciação externa sobre a efetividade do uso dos recursos públicos em nós investidos. Reforçará essa agenda um procedimento idôneo que aquilate os efeitos diretos e indiretos do ensino, da pesquisa e inovação, bem como da extensão universitária. A USP já faz parte de um Clube do Bilhão, onde o ingresso é orçamentário (volume da receita igual ou superior a um bilhão de dólares). Participar também do Clube do Bilhão alternativo, cujo acesso é dado pelo volume de benefícios gerados para os agora oito bilhões de terráqueos, é um objetivo relevante neste momento em que “universidade de impacto” passa a ser a grife do cartão de visita institucional da Universidade.


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