Peças discutem as relações trabalhistas no Brasil atual

Espetáculos fazem parte do “Circuito Tusp de Teatro”, que acontece neste fim de semana no campus da USP de Bauru

 10/10/2024 - Publicado há 2 meses
Três pessoas usando nariz de palhaço.
Cena de Três Pratos de Trigo para Três Palhaces Tristes – Foto: Divulgação/Tusp

Neste fim de semana, o Teatro da USP (Tusp) promove em Bauru (SP) a 21ª edição do Circuito Tusp de Teatro. Nesta sexta-feira, sábado e domingo, dias 11, 12 e 13, sempre às 19 horas, três peças trazem para o palco discussões sobre o trabalho e seus desdobramentos sociais. Os espetáculos acontecem no teatro da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, com entrada grátis.

Nesta sexta, dia 11, o primeiro espetáculo, Ópera Febril, vem de São José dos Campos (SP) com a Cia. do Trailer. Aprofundando os experimentos em teatro documentário, associados ao interesse de debater as condições sociohistóricas da cidade de São José dos Campos em sua interconexão com as estruturas sociais, o grupo investigou o desenvolvimento naquela cidade da Tecelagem Parahyba, a partir das condições dos trabalhadores. Para tanto, leituras filosóficas, como as do filósofo coreano radicado na Alemanha Byung Chul-Han sobre a sociedade contemporânea, promovem um pano de fundo para a discussão performática e documental que enlaçam o local e o global, o passado e o presente, e a permanente exploração dos trabalhadores.

Ópera Febril mergulha na essência do trabalho, desde a sociedade fabril até os dias atuais, explorando suas nuances e desafios contemporâneos. A encenação transporta o público por dois momentos cruciais na evolução da exploração do trabalho.

Pessoas num palco em que uma carta manuscrita está projetada na parede.
Cena de Ópera Febril – Foto: Letícia Ferreira/Divulgação/Tusp

Primeiro, o público é levado ao cerne da fábrica, uma instituição que simboliza condições de trabalho dúbias, com alta demanda de produtividade e poucas seguridades, além de um sistema opressivo. Em outro momento, questiona-se a ideia dissimuladamente libertária do “patrão de si mesmo”, em que a voz interna do trabalhador o persuade a se entregar totalmente ao trabalho, sacrificando seu bem mais precioso: o tempo.

No sábado, dia 12, será exibida a peça Três Pratos de Trigo para Três Palhaces Tristes, da Trupe Tópatu de São Carlos. A peça não utiliza palavras e, por meio de uma trilha sonora original, criada por Alexandre Scarpelli, as três figuras tristes vivem em um local empoeirado e envelhecido, materializado pelo cenário e adereços de Anny Lemmos e figurinos de Daniele Busatto. Com dramaturgia de Bruno Garbuio, a peça tem como referências o psicodrama Palhaços, de Timochenco Wehbi, de onde veio a inspiração para o local do drama, os bastidores de um circo. As ideias de exaustão, desempenho e cansaço foram inspiradoras para as imagens dramatúrgicas e vieram do ensaio A Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han. Já a ideia de ausência do ócio e da fantasia na sociedade contemporânea – devido à experiência temporal ditada pelo neoliberalismo – vieram da obra O Tempo e o Cão – A Atualidade das Depressões, da psicanalista Maria Rita Kehl.

Em Três Pratos de Trigo para Três Palhaces Tristes, a Trupe Tópatu buscou experimentar a palhaçaria na contramão da ideia comum do chiste, daquela figura cômica por excelência que se envolve em situações sem lógica ou bobas. Essa não é uma peça que busca ser divertida. O riso acaba sendo uma consequência de outra ordem que não a da piada ou gag de palhaçaria.

Homem deitado lendo um livro.
Cena de Sacarose – Foto: Divulgação/Tusp

Fechando a programação, no domingo, dia 13, será apresentada Sacarose, solo de Edu Rosa, que, com o tema do açúcar, constitui um cruzamento entre as memórias pessoais de Rosa e as memórias históricas do Brasil. O artista é oriundo de uma família de migrantes nordestinos que vieram para o interior paulista para trabalhar nas usinas açucareiras da região. Durante sua infância e adolescência, ele testemunhou os abusos trabalhistas estabelecidos entre as usinas e seus familiares, ex-boias-frias. A peça opera no limite entre realidade e ficção, fazendo uso de depoimentos dos familiares do artista, em contraste à figura de um narrador que busca trazer para a cena a discussão sobre vestígios de passado colonial que se mantém em vigência no tempo presente. Rosa, que testemunhou durante sua infância e adolescência a experiência de sua família no corte de cana-de-açúcar, percorre junto ao público as inquietações que o conduziram durante o processo criativo da peça: “Sacarose é açúcar. Quando eu penso em açúcar, penso em abusos trabalhistas”, diz ele.

Na peça, Rosa associa esses abusos às condições degradantes do trabalho escravo e os define como “restos mal elaborados do nosso passado”. Com essa premissa, ele traça um paralelo entre a história da cana no Brasil e sua história pessoal. Com isso, busca colocar em cena um olhar para uma das maiores contradições da sociedade brasileira, simbolizada por essa planta que gerou grande progresso e foi o canal para o Brasil se tornar o maior mercado de escravizados do mundo, como Rosa destaca.

O 21º Circuito Tusp de Teatro é realizado graças a uma parceria entre o Tusp, a Prefeitura do Campus da USP de Bauru (PUSP-B) e a FOB.

O 21º Circuito Tusp de Teatro acontece nesta sexta-feira, sábado e domingo, dias 11, 12 e 13, sempre às 19 horas, no Teatro Universitário da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP (Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla, 9-75, Cidade Universitária, em Bauru). A entrada é grátis, mas pede-se a doação de um litro de leite, que será destinado a organizações assistenciais de Bauru e região. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (14) 3235-8394.

Luís Victorelli, de Bauru


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