Eleições em Portugal; desafios eleitorais, energéticos e ideológicos

Por Elaine Santos, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

 19/03/2024 - Publicado há 4 meses

Nos últimos dias, acompanhei de perto as eleições em Portugal, cujos resultados demonstraram um crescimento da extrema-direita e uma instabilidade governativa. Esse cenário resultou em uma vitória com mais votos para a Aliança Democrática (AD), porém sem alcançar a maioria necessária. Com essa ausência de maioria, surge o dilema para a Aliança Democrática, formada por uma coligação liderada pelo partido centro-direita PSD (Partido Social-Democrata): aliar-se à extrema-direita, representada pelo partido Chega, ou optar por um governo minoritário e instável. Essa situação reflete uma tendência mundial de crescimento da direita em meio ao enfraquecimento da representação política, na qual questões como desemprego, empobrecimento e xenofobia são exploradas como oportunidades para a reestruturação e legitimação do conservadorismo.

Minha conexão com os acontecimentos na política portuguesa remonta a alguns anos atrás, quando realizei meu doutorado naquele país, e mais recentemente ao iniciar uma pesquisa de pós-doutorado sobre a transição energética e os impactos da exploração de lítio tanto em Portugal quanto no Brasil.

Em relação aos projetos dos partidos para a energia, podemos usar a expressão de que, em resumo, no es lo mismo, pero es igual, ou seja, suas propostas não são exatamente iguais entre si, mas nenhum dos partidos têm um programa novo ou radicalmente diferente do que vem sendo desenvolvido em relação ao aumento da mineração em Portugal ou à questão energética de modo geral. No caso específico do lítio, é interessante observar como os diferentes partidos abordam a questão, embora nenhum deles rejeite completamente a sua exploração. O Partido Socialista (PS) foca na inovação e reciclagem das baterias e no desenvolvimento de uma cadeia de valor para o lítio, enquanto a Aliança Democrática (AD) busca expandir as infraestruturas para veículos elétricos e hidrogênio. O Chega propõe estratégias para a exploração responsável do lítio com participação das autarquias e das comunidades locais, enquanto o Bloco de Esquerda defende mudanças legislativas para proteger o meio ambiente. O Livre preconiza a rejeição da mineração a céu aberto sempre que a natureza do depósito mineral e a viabilidade econômica o permitam, priorizando modos de extração considerados mais sustentáveis e seguros.

É evidente, como já abordei outras vezes, que a exploração de minerais na Europa está vinculada a um projeto mais amplo de reindustrialização, o que limita a possibilidade de uma oposição mais contundente por parte dos partidos políticos portugueses. Com a Europa buscando reduzir sua dependência de recursos externos, especialmente em relação ao gás, petróleo e carvão russos, bem como à indústria tecnológica chinesa, os Estados-membros se veem pressionados a alinhar suas políticas com essa agenda.

Ainda sobre as eleições em Portugal, durante a apuração dos votos, chamou minha atenção o protesto dos ativistas ambientais, que jogaram tinta vermelha nos vidros de um hotel onde se encontravam partidários da Aliança Democrática acompanhando os resultados eleitorais. Essa forma de expressão de ativismo tem se tornado comum na Europa, e alguns autores fazem conexões entre ela e as raízes do ativismo ambiental que remontam ao movimento de maio de 1968. Aqui, vale um olhar atento sobre a importância, o papel e o crescimento desses movimentos relacionados às questões ambientais e climáticas. No contexto europeu, muitos desses movimentos, apesar de terem uma inclinação política, se posicionam como apartidários e, frequentemente, abraçam a ideia de um colapsismo ecologista, que, a meu ver, pode causar uma paralisia, um efeito político desmobilizador e uma ausência de futuro possível a ser construído, já que a catástrofe é inevitável.

Na complexidade das eleições em Portugal, e diante dos desafios da reindustrialização verde europeia, percebe-se uma interligação entre o cenário nacional e a atual geopolítica, tanto em termos energéticos, com foco na transição energética, quanto ideológicos, especialmente em direção à direita do espectro político.

Nesse contexto, a questão do lítio sobressaiu-se como um fator coadjuvante na queda do primeiro-ministro António Costa, levantando questionamentos sobre a transparência de seu governo e impulsionando uma viragem política mais conservadora. Contudo, não há nenhuma indicação deliberada de alteração das políticas energéticas e relacionadas às matérias-primas críticas seguidas pelo país. Ou seja, embora o panorama político possa se modificar, os interesses econômicos e estratégicos subjacentes à exploração do lítio em Portugal parecem estar estabelecidos, sugerindo uma continuidade nos rumos dessa atividade, mesmo sob novas lideranças e orientações políticas.

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