E-book traz experiência de professores que colocaram em ação a perspectiva cultural da educação física

Terceiro volume organizado pelo professor da USP Marcos Garcia Neira reúne relatos sobre os caminhos percorridos junto das turmas, seja de modo remoto, híbrido ou presencial 

 31/05/2023 - Publicado há 1 ano
Aula de educação física com corrida de toras no parque, referência a atividades esportivas que acontecem em povoados indígenas do Brasil – Foto: Reprodução / Escrevivências da Educação Física Cultural

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“’Escrevivência’ é uma criação de Conceição Evaristo, escritora, professora e participante ativa dos movimentos feministas e de valorização da cultura negra, É uma maneira de dizer e dizer-se, ser ouvido, redigir outra história, outra versão, outra epistemologia, que valoriza o sujeito comum do dia a dia, sobre o qual não se fala porque a ninguém interessa.” É assim que se inicia a apresentação do terceiro volume de
Escrevivências da Educação Física Cultural, recém-publicado no Portal de Livros Abertos da USP, com download gratuito, que empresta o termo da autora e segue as mesmas características dos outros dois volumes anteriores. A obra é organizada pelo professor da Faculdade de Educação (FE) da USP Marcos Garcia Neira e conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“É preciso reconhecer que por muito tempo as vozes dos professores estiveram ausentes no discurso pedagógico. A ausência é maior quando se trata da educação física. Se no contexto da literatura educacional os professores não podem falar, aqueles que atuam com esse componente curricular são ainda mais interditados, desvalorizados. Seu silenciamento não se deve a qualquer aspecto formal, mas à subalternidade para a qual foram historicamente empurrados. Afinal, quem se interessa por quem são, o que pensam e o que sabem os profissionais que tematizam as práticas corporais?”, questiona o organizador, e responde: “Os professores que traduziram para a prática a teoria curricular cultural da educação física transgrediram esse pensamento abissal, explicitando em suas escrevivências inúmeros transbordamentos. Seus relatos de experiência evidenciam algo impossível de capturar, classificar ou  sistematizar. Desdobram modos singulares não só de enunciar, como também, efetivar a docência”.

Segundo Neira, o livro traz a público relatos de experiências de professores que ousaram não só colocar em ação a perspectiva cultural da educação física de modo remoto, híbrido ou presencial, como também aceitaram o desafio de registrar e dar publicidade aos caminhos percorridos junto às turmas da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. São histórias de quem  propõe, trabalha junto com os estudantes, reorganiza suas ações e aprende cotidianamente. Histórias de quem enfrentou as dificuldades impostas pela pandemia de covid-19, que assolou a população brasileira em março de 2020 e atingiu duramente as famílias, o(a)s estudantes e o(a)s docentes. Obrigou à adoção de medidas protetivas, dificultou a realização satisfatória dos trabalhos educacionais e intensificou as dificuldades cotidianas dos setores mais vulneráveis da sociedade”, informa Neira, e ainda conta que, apesar do retorno às atividades pedagógicas presenciais no segundo semestre de 2021, os impactos do isolamento social ainda se faziam sentir nas salas de aula.

Aula de educação física com bicicleta, caso que é contado no livro – Foto: Reprodução / Escrevivências da Educação Física Cultural

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Educação física na pandemia

O que pode a Educação Física no cenário pandêmico? Quais cenas didáticas são produzidas nesse contexto? Como pensar o fazer docente em diálogo com esta nova realidade? Como estabelecer relação com corpos-sujeitos da educação no retorno ao espaço escolar após o período de distanciamento social? Essas questões abrem o capítulo Vai se tratar garota: tematizando as dancinhas do TikTok, de Aline Santos do Nascimento, que relata experiências vividas por crianças no chão da escola e pelas telas do computador. “Corpos conectados, em rede, aliançados a pensar coletivamente nas possibilidades da educação física escolar em meio ao caos”, como escreve a autora, afirmando que foi nesse contexto que a tematização das dancinhas do TikTok surgiu. 

O texto traz relatos de crianças dos 1º e 2º anos do ensino fundamental, ciclo de alfabetização, da Emef Virgínia Loriza Zeitounian Camargo, localizada na região de São Mateus, Zona Leste. “Preocupada com a produção de espaços de significação onde as narrativas de corpos-discentes sejam viabilizadas e o patrimônio cultural corporal da comunidade seja reconhecido, a escolha das dancinhas do TikTok se deu em profunda sintonia com a cultura de chegada desses corpos ao espaço escolar”, explica a autora. Ainda segundo ela, para organizar o plano de ensino de Educação Física em diálogo com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) e o Plano de Ação (PEA) foi preciso criar uma relação pedagógica híbrida, adequando o currículo escolar à nova realidade.

Livro traz história em que o skate é incorporado em aula de educação física – Foto: Reprodução / Escrevivências da Educação Física Cultural

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Jogos, lutas e danças 

Outro artigo, Rodando com Tampinhas: Uma experiência sustentável e solidária, de Anna Carolina Carvalho de Souza, documenta o relato de Jogos Internos do campus Tijuca I do Colégio Pedro II, situado na cidade do Rio de Janeiro, e seu vínculo com uma campanha solidária que mobilizou a comunidade escolar, “Rodando com Tampinhas” – as tampinhas são vendidas e com o dinheiro são adquiridas cadeiras de rodas para serem doadas -, em que as equipes que recolhessem mais tampinhas seriam destaques de solidariedade da competição. 

Nas Possibilidades do Boxe: de Megalobox e Rocky Balboa à Mary Kom e Bia Ferreira, escrito por Diego Gomes Teixeira, relata a experiência vivida pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado José Blota Junior, situada no extremo da Zona Sul de São Paulo, precisamente, a última escola da Diretoria Regional de Educação do Campo Limpo, no bairro Horizonte Azul. Depois do ano pandêmico de 2021, com o retorno às escolas e várias restrições para a execução de práticas corporais, foi iniciada a tematização do boxe – segundo o relato, havia uma apreciação por parte de alunos, nos cadernos e traços de desenho de animes. Além disso, um levantamento mostrou que nos últimos anos foi percebida a ausência das lutas e danças.  

O contexto pós-pandemia permitiu tematizar danças brasileiras e brincadeiras que garantiam o necessário distanciamento, mas algumas falas revelavam as representações dos estudantes acerca de alguns esportes, lutas e ginásticas, e em meio às conversas duas práticas se destacaram: o voleibol e o skate. O relato “A Vibe Está Muito Legal”: Entre skates, capacetes, joelheiras e calças baixas”, de Everton Arruda Irias, descreve uma tematização que ocorreu no primeiro semestre de 2022, envolvendo duas turmas de 5º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Raimundo Correia, situada na região de São Miguel Paulista, zona Leste de São Paulo. 

Acesse Escrevivências da Educação Física Cultural, volume 1, neste link; e Escrevivências da Educação Física Cultural, volume 2, neste link.

O download do terceiro volume está disponível neste link.

 


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