Por que o governo quer mudar as regras do MEI?

Mais de 70% das empresas são MEIs, fato que mudou o empreendedorismo brasileiro. Agora, a grande preocupação é quem vai pagar a aposentadoria deles

 14/02/2023 - Publicado há 1 ano
O Microempreendedor Individual foi criado em 2008, no segundo mandato do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva – Foto: Wikimedia Commons

 

Logo da Rádio USP

Na última semana, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse que o Ministério pensa mudar as regras do MEI, sigla para Microempreendedor Individual. Segundo a pasta, uma maior formalização significará uma maior contratação e excluirá a possibilidade de pejotização, que é a contratação por meio de Pessoas Jurídicas (PJ). Os informais e contratados de forma ilegal, depois das mudanças, teriam a possibilidade de serem formalizados. Muitas empresas estão contratando funcionários por meio do MEI, o que constitui uma forma de fraudar a CLT.

O Projeto de Lei Complementar 108/21, de iniciativa do senador Jayme Campos (DEM/MT), dispõe da mudança da faixa mínima de faturamento, que atualmente é de R$ 81 mil ao ano – ou R$ 6.750 por mês – para R$ 130 mil anuais. Hoje, o regime de contratação do MEI permite apenas um funcionário, outro ponto que deve ser alterado pelo PLP, que deve permitir a contratação de dois funcionários.

“Esse ponto, que está sendo estudado no governo, eu vejo como uma coisa muito difícil”, diz o professor Martinho Isnard, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. Isso porque cada vez mais as pessoas estão optando por serem donas de suas próprias empresas. Mudar o regime do MEI pode, entretanto, gerar atritos com aqueles que são cadastrados como tais: a mudança acarretará aumento de impostos. Um projeto com a criação de diferentes faixas de contribuição faria com que as empresas um pouco maiores pagassem menos impostos, ao passo que teriam capacidade de contratar mais pessoas.

Direitos do microempreendedor individual

Martinho Isnard – Foto: FEA/USP

O Microempreendedor Individual foi criado em 2008, no segundo mandato do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e nada mais é do que um profissional autônomo que, quando cadastrado, passa a ter CNPJ, facilidade de abertura de conta bancária, no pedido de empréstimos e na emissão de notas fiscais. Tem direito a auxílio-maternidade; aposentadoria; afastamento remunerado por conta de problemas de saúde; isenção de tributos federais; e pode abrir uma conta na Previdência Social. Também paga apenas 5% de contribuição sobre o salário mínimo, que corresponde a cerca de R$ 65 atualmente. Esse valor varia de acordo com a categoria de atuação do MEI, mas não fica abaixo dos R$ 61 nem passa de R$ 67.

Em 2009, havia cerca de 44 mil MEIs abertos, enquanto, em 2022, esse número subiu para 14.820.414 microempreendedores. “A formalização dos trabalhadores autônomos de baixa renda viabilizou a sua inclusão previdenciária, então isso daí foi muito importante”, diz o professor. Isnard cita ainda que “56,4% dos microempreendedores ganham mais do que 32% dos trabalhadores formais e 27,6% do total de trabalhadores por conta própria. Somente 15,6% dos trabalhadores sem carteira assinada ganham acima de dois salários mínimos”.

A ideia do programa era atender à classe social mais pobre, mas houve uma distorção: estudos mostram que o porcentual de MEIs são de classes mais altas. Ficou mais barato ser um MEI do que ter carteira assinada, alterando o regime de contratação em empresas. Esse programa abriu portas, inclusive, para uma mudança no empreendedorismo. “Hoje ninguém mais quer ser empregado de empresas, as pessoas querem criar as suas [próprias] empresas. E aí é o grande caminho que tem a pessoa para montar uma MEI”, explica ele.

E a aposentadoria?

A questão da aposentadoria daqueles que optaram por serem trabalhadores autônomos – Foto: Pedro França/Agência Senado

 

Porém, nem tudo são flores. Há uma grande preocupação a respeito de como vai ficar a questão da aposentadoria daqueles que optaram por serem trabalhadores autônomos. 

O custo é muito grande para o governo, já que a contribuição de 5% sobre o salário mínimo em vigor mais os R$ 5 para o INSS é muito pouco em comparação com o faturamento das MEIs. Quem acaba por bancar uma grande parte da aposentadoria dos autônomos, portanto, são as pessoas com carteira assinada, explica o professor. Estes pagam mais impostos e não recebem uma aposentadoria digna do governo. 

O MEI é necessário e abriu portas para milhões de trabalhadores, mas o custo para o País, atualmente, é muito alto. Hoje, das 20,4 milhões de empresas ativas, cerca de 14,8 milhões são MEIs. Isso representa mais de 70% de todas as empresas do País. “Quer dizer, alguma hora a gente vai ter que tomar providência para que isso não vire uma história, um problema maior lá na frente”, diz Isnard. Os quase 15 milhões de Microempreendedores Individuais hoje serão, invariavelmente, aposentados no futuro.  


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.