A USP deveria mudar seus concursos de professor titular para o modelo das universidades federais?

Por Angelo Segrillo, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

 06/09/2022 - Publicado há 2 anos
Angelo Segrillo – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 

Há algum tempo, as universidades federais brasileiras mudaram o formato de seu concurso para professor titular. Em vez de ser um único posto disputado por vários professores inscritos, agora o concurso para titular tem formato semelhante ao do professor livre-docente na USP: faz parte (como instância máxima) da ascensão da carreira individual de cada professor, podendo este pleitear o concurso para si sendo aprovado ou reprovado em seus méritos acadêmicos próprios, sem competição com outros.

Já na USP, os cargos de professor titular são abertos de tempos em tempos e colocados à disposição dos professores que queiram pleitear, fazendo competição entre eles.

Ou seja, um sistema tem competição entre diversos professores, enquanto no outro o concurso é individual, sendo o postulante aprovado ou não.

Quais são as vantagens e desvantagens dos dois métodos?

Frequentemente, quando pergunto por que a USP não adota o sistema das universidades federais, escuto que o sistema das federais é “mais fácil”, pois na USP há competição com outros professores e lá não. Ou seja, o sistema uspiano (também seguido antigamente pelas federais) seria mais meritocrático. Mas a realidade é mais complexa.

O sistema de competição frequentemente gera grande tensão entre os professores competidores e às vezes esgarça o tecido social dos departamentos nessas disputas, com discussões por formação de banca etc. – cada um “puxando a brasa para sua sardinha”. Nesse “puxa pra cá, empurra pra lá”, não poucas vezes acaba ocorrendo influência de quem tem mais capital político dentro do departamento e fora dele. Ou seja, nem sempre a competição automaticamente garante um level playing field para todos e que “o melhor vencerá”. E este ambiente de “jogo de soma-zero” (pois para um ganhar o outro tem que perder) também pode fermentar desavenças e lutas políticas desnecessárias dentro do departamento posteriormente.

Uma alternativa encontrada por alguns departamentos para evitar esses esgarçamentos do tecido social causado por tal concurso competitivo pelo cargo máximo na carreira é estabelecer algum critério (geralmente antiguidade na instância), que é seguido tacitamente por todos até que chegue o concurso “da sua vez”. Mas esta variante é praticamente a mesma coisa do sistema das federais, apenas de forma tácita e não explícita.

Em vista desses problemas, eu proporia que a USP adotasse o modelo das universidades federais (do Brasil e de outros países, como os EUA, por exemplo, onde também não há competição e o cargo de titular é o ápice da carreira individual de um professor que atinge um certo nível de reconhecimento alto). Deveria ser direito de cada professor pleitear ser julgado se chegou a esta condição, como ápice de sua carreira, em um momento em que se tornou referência em sua área.

Ou seja, proponho que invertamos a lógica que temos usado nos últimos tempos e que acredito ter trazido alguns resultados deletérios. No último processo de progressão horizontal para os professores na USP, terminado em 2021 (um processo que, em princípio, deveria ser sem nenhuma competição entre os professores, mas uma avaliação individual do mérito de cada professor separadamente poder progredir dentro de um mesmo nível da escala acadêmica), surpreendentemente introduziram no início um elemento de competição através da exigência de um “ranqueamento” dos professores nas unidades para o caso de não haver recursos suficientes para progressão de todos. Ou seja, o que deveria ser um direito individual de cada professor (pleitear progressão na carreira) passaria a depender da competição com outros. Isso causou desnecessária fricção e tensão entre os departamentos e entre os professores. Esse fator (e mais a desesperada tentativa final de corrigir tal deformação às pressas) acabou levando a distorções burocráticas e não acadêmicas no processo, como mostrei em artigo anterior meu no Jornal da USP.

No futuro, em vez de introduzir desnecessária competição em processos que não a exigem (como no parágrafo acima), devemos ir na direção oposta e tirar desnecessária competição nos concursos para professor titular, adotando o sistema das universidades federais de progressão na carreira baseada em avaliação individual de mérito. Idealmente, um professor titular é aquele cujos méritos acadêmicos o tornaram uma referência em sua área (independentemente de competição com outros professores que podem também ter alcançado a mesma coisa). Acredito que isso não apenas é mais justo, mas pode ajudar a concentrarmos nossa avaliação no mérito puramente acadêmico, escapando de distorções burocráticas ou políticas eventuais.

A competição para cargos de professor titular talvez fizesse sentido anteriormente, quando havia incorporação de gratificação por chefias, limite de 5% de cargos de titulares por departamento e outros mecanismos que estão deixando ou deixaram de existir e que faziam com que esses cargos realmente tivessem que ser poucos e disputados e com grande diferenciação salarial para os níveis anteriores. Como estes fatores estão desaparecendo, já não faz mais sentido manter a competição entre os professores e, como compensação para essas perdas, pelo menos o acesso ao direito de pleitear a elevação para titular deveria ser democratizado (garantida, é claro, a qualidade nesse processo, como fazemos na USP para a livre-docência, por exemplo).


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