Falta compromisso dos prefeitos com a gestão pública ambiental

Pesquisa da Fearp revela falta de compromisso de prefeitos e confirma responsabilidade desses gestores no desenvolvimento sustentável dos municípios paulistas

 26/10/2016 - Publicado há 7 anos
Higienópolis - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
A falta de compromisso dos prefeitos com a gestão pública ambiental foi confirmada em entrevistas com os interlocutores do município, inscritos pelos mesmos prefeitos no programa Município Verde Azul, da Secretaria de Meio Ambiente do governo do Estado de São Paulo. Higienópolis – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Muitos brasileiros acabam de escolher os prefeitos de suas cidades e ainda não sabem, mas estudo sobre gestão pública de meio ambiente em municípios paulistas mostra que são eles, os prefeitos, os principais responsáveis pelo desenvolvimento sustentável das cidades.

Os resultados do trabalho deixaram o pesquisador Paulo Roberto de Paiva, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (Fearp) da USP, preocupado. É que, logo de início, não obteve retorno dos questionários on-line encaminhados aos prefeitos, fato que Paiva classificou como “descaso total”. A recusa da maioria “significa claramente que eles entendem muito pouco do assunto e foi o que muitos me afirmaram. Isto é triste, porque deveriam, minimamente, saber do que se trata”.

A falta de compromisso dos prefeitos com a gestão pública ambiental foi confirmada depois, em entrevistas com os interlocutores do município (em alguns municípios, os próprios gestores de meio ambiente), inscritos pelos mesmos prefeitos no programa Município Verde Azul da Secretaria de Meio Ambiente do governo do Estado de São Paulo.

Tendo como base programas de países desenvolvidos, principalmente os europeus, Paiva decidiu investigar qual a importância da gestão ambiental do setor público no Brasil. E, ainda, por que o Sistema de Gestão Ambiental (SGA) funciona em algumas cidades e noutras, não. Optou pelo Estado de São Paulo “por ser o mais progressista” e pela existência do programa específico, o Município Verde Azul, cujo ranking é “o que mais se assemelha ao do prêmio Capital Verde Europeia”, garante.

Marginal Pinheiros - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
As cidades certificadas apresentam agentes ambientais mais comprometidos com seus cargos; sem filiação político-partidária – apenas 17% contra 57% da última faixa estudada (cidades na faixa de 20 a 49 pontos no ranking) – e com maior participação na elaboração da LDO e LOA dos municípios. Marginal Pinheiros – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Para o pesquisador, cidades que pensam verde – e São Paulo tem algumas regiões que “são verdadeiros jardins” – dependem de prefeitos que incluam variáveis ambientais no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e de Orçamento Anual (LOA); que contratem gestores (chamados de interlocutores pelo Município Verde Azul) capacitados para a área e incluam ações do SGA em todas as secretarias do município.

Mas o que Paiva encontrou explica por que a maior parte dos municípios do Estado mais rico da federação está ainda distante de se tornar ambientalmente viável. A falta de interesse dos prefeitos fundamenta os resultados do ranking, publicado desde 2008. Dos 645 municípios do Estado (todos inscritos no programa), apenas 119 estão certificados, com notas iguais ou acima de 80 pontos, numa escala que vai até 100. E essas notas “estão muito associadas ao comprometimento dos prefeitos relatado pelos interlocutores (agentes ambientais) em suas respostas.”

Apesar da alegação do Executivo ser sempre a mesma, “de que não há dinheiro; que a área do município é muito grande; dos problemas educacionais”, o pesquisador encontrou estreita relação entre a visão estratégica dos prefeitos somada ao profissionalismo dos interlocutores com os melhores escores no ranking. As cidades certificadas apresentam ainda agentes ambientais mais comprometidos com seus cargos; sem filiação político-partidária – apenas 17% contra 57% da última faixa estudada (cidades na faixa de 20 a 49 pontos no ranking) – e com maior participação na elaboração da LDO e LOA dos municípios.

Essas informações, diz Paiva, evidenciam a importância do prefeito na gestão ambiental do município. “Ele tem a obrigação de pensar estrategicamente o meio ambiente; é responsável pela boa ou má gestão; é o chefe da casa e contrata sua equipe, que o auxiliará a cuidar do meio ambiente.”

Legado ambiental de estadista

A escolha de um prefeito realmente comprometido com a gestão pública do meio ambiente pode ser um passo importante, mas encontrar o ideal pode ser muito difícil. Os estudos de Paiva mostram que um bom prefeito não precisa necessariamente ser um intelectual, com formação acadêmica invejável, para cuidar da cidade como ela merece. Ele precisa ser um estadista com “o DNA do meio ambiente”.

Paiva conta que a maioria das cidades que estudou é governada por prefeitos com graduação e até pós-graduação, mas que a escolaridade do Executivo municipal não interferiu na pontuação do programa. E cita o exemplo de Santa Fé do Sul, uma das mais bem classificadas pelo ranking, cujo prefeito não possui formação acadêmica e administra uma cidade que “mais parece um jardim, uma cidade europeia”.

Ibirapuera - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Segundo Paulo Roberto de Paiva, a escolha de um prefeito realmente comprometido com gestão pública do meio ambiente pode ser um passo importante. Ibirapuera – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A diferença entre um político e um estadista, segundo Paiva, está na base do governo dessa cidade paulista porque “seu prefeito pensa na vida da população, de seu filho, seu neto e no legado que vai deixar em termos ambientais. É um governante que teve coragem de enterrar milhões em saneamento na cidade”. O pesquisador lembra que, enquanto isso, outros prefeitos nem sequer deixaram seus agentes participarem dos treinamentos do programa Município Verde Azul.

Mitigar o problema ambiental no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo não é trabalho fácil, envolve tempo e, em alguns casos, investimentos, mas, defende o pesquisador da Fearp, é preciso antes de vontade, educação ambiental e mudanças profundas na cultura de como lidar com o meio ambiente. Informa que não tem dados sobre esses pontos, já que seu trabalho não chegou a tanto, mas acredita que “a chave é educação, como ocorreu com o programa pioneiro no mundo, realizado em Estocolmo, Suécia”.

Paiva adianta que a educação tem forte peso e que pensar em educação ambiental do município é acreditar na formação de uma geração toda pensando ambientalmente de forma correta.

Município Verde Azul

O programa, lançado em 2007 pelo governo do Estado de São Paulo, mede e apoia a eficiência da gestão pública de meio ambiente, com a descentralização e valorização da agência ambiental nos municípios paulistas.

Auxílio e estímulo às prefeituras, na elaboração e execução de políticas estratégicas para o desenvolvimento sustentável, vêm com os treinamentos e capacitação técnica dos interlocutores, indicados pelos prefeitos de cada cidade inscrita no programa.

As ações propostas pelo programa para nortear a agenda ambiental dos municípios são: esgoto tratado, resíduos sólidos, biodiversidade, arborização urbana, educação ambiental, cidade sustentável, gestão das águas, qualidade do ar, estrutura ambiental e conselho ambiental.

Uma avaliação técnica das informações vindas dos municípios resulta na publicação anual do Ranking Ambiental dos Municípios Paulistas. A participação da cidade no programa conta pontos na liberação de recursos do Fundo Estadual de Controle da Poluição (Fecop). O primeiro ranking foi publicado em 2008 com 332 municípios inscritos e 44 certificados. Em 2015, todos os 645 municípios paulistas estavam inscritos e 119, certificados.

Em meio às eleições para prefeito, parece ser esse um bom momento para conhecer as estratégias de gestão ambiental das plataformas de governo dos candidatos ao Executivo dos municípios brasileiros. E, para os paulistas, saber da existência do programa Munícipio Verde Azul, específico no apoio às prefeituras. A orientadora do estudo realizado por Paiva, a professora Sonia Valle Walter Borges de Oliveira, chama a atenção para o fato do desconhecimento da população sobre a existência do programa.

Os resultados dessa pesquisa fazem parte da tese de doutorado Estudo exploratório sobre gestão ambiental municipal e a influência dos prefeitos no desempenho dos municípios no Programa Município Verde Azul, apresentada por Paulo Roberto de Paiva, em setembro deste ano, na área de Administração de Organizações, à Fearp.

Mais informações: e-mail: prpaiva@usp.br

Por: Rita Stella


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