“Pobreza, miséria e analfabetismo imperam no Afeganistão”

Francirosy Campos Barbosa comenta a situação do Afeganistão, cuja história é marcada por ocupações de nações estrangeiras, com grandes sofrimentos de sua população, sobretudo nas zonas rurais

 10/09/2021 - Publicado há 3 anos
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A intervenção dos EUA, desde 2001, tornou o Afeganistão um país corrupto, pois a ocupação beneficiou as classes médias altas, ricos e políticos da região  – Foto: Wikimedia Commons

 

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Mesmo antes de ter atraído os olhares de todo o mundo para o sofrimento da população, com a volta do grupo Talibã ao poder e com a recente conclusão da retirada das tropas dos Estados Unidos, após 20 anos de ocupação, no Afeganistão a população já enfrentava vários desafios e dificuldades.

Especialista em contextos islâmicos e árabes, a professora Francirosy Campos Barbosa, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, lembra que a história do país é marcada por ocupações de nações estrangeiras, com grandes sofrimentos de sua população, sobretudo, nas zonas rurais. “O território afegão já foi protetorado do Império Britânico, ocupado pela União Soviética e pelos Estados Unidos, e apresenta hoje uma realidade muito triste, sendo o país mais pobre do mundo, de acordo com dados do Banco Mundial/CIA World Factbook. A pobreza, a miséria e o analfabetismo imperam no país, onde a maior parte da população vive em área rural; são cerca de 78% contra cerca de 22% na área urbana.”

Francirosy Campos Barbosa – Foto: Reprodução

Segundo Francirosy, os EUA retiram suas tropas no momento em que o Afeganistão está faminto; é um país falido. “O que ocorre em Cabul, capital do país, não é a mesma realidade do resto da população afegã. Para a professora, são as zonas rurais, “onde as pessoas são paupérrimas, em que a pobreza e o analfabetismo imperam e onde as pessoas estão passando fome”.  

Francirosy diz que existe, sim, a preocupação com a volta do grupo ao poder, “porque a gente tem a memória do que foi o Talibã”. Contudo, é necessário se atentar às informações que chegam e os meios pelos quais são distribuídas, pois “há muito desencontro” e “geralmente, os canais de comunicação podem estar também instrumentalizados para criar essa onda de terror, de violência, de que os países islâmicos acabam sendo vítimas”. 

Mas, até o momento, assegura a professora, suas fontes – especialistas em direitos humanos e no conflito do Afeganistão – não têm notícias sobre violações aos direitos humanos. “Como eu confio em determinadas pessoas, são elas que eu vou sempre escutar primeiro”, conta, afirmando que, “por enquanto, as coisas estão sob controle”, mas que, se houver mudanças, as informações chegarão.

O que pode acontecer com as mulheres afegãs?

Mulheres afegãs – Foto: Enrico Venezza – Flickr

Os acontecimentos trouxeram manifestações de preocupação com a segurança e a liberdade das mulheres afegãs, fazendo referência também ao uso da burca, vestimenta criada pelas próprias mulheres pashtun, grupo étnico do qual descende o Talibã. A questão da roupa é descartada por Francirosy, uma vez que “as burcas nunca foram o problema”, afirma, enfatizando que essa situação deve ser interpretada sem julgamentos, porque as mulheres afegãs possuem suas próprias demandas e agendas. 

Estudiosa sobre o Islã, a professora diz que o Talibã faz uma leitura extremista do Alcorão e da Sunnah, que contém os ensinamentos do profeta Mohammed. Mas lembra que apenas cerca de 24% das mulheres afegãs são alfabetizadas, o que significa dizer que a maioria das “mulheres não consegue nem ler e interpretar o Alcorão”.

Apesar do medo e insegurança quanto ao futuro das afegãs, Francirosy afirma que ainda não é possível prever se o grupo vai seguir uma interpretação literal desses textos. Mas, por outro lado, relata ter ouvido discursos das mulheres ativistas, dizendo que “não querem o Talibã, mas também não querem ONGs americanas, não querem o governo americano nas suas terras”. Para a professora, o que as afegãs querem é autodeterminação para gerir seu próprio país. 

Acordo de cavalheiros

O fim da ocupação militar estadunidense não significa uma derrota para os Estados Unidos e ainda é cedo para prever o que vai acontecer, interpreta Francirosy, que diz não acreditar que o país saiu vencido do Afeganistão. “Eu acho que o mais importante neste momento é dizer que não temos uma conclusão”, pois trata-se de “uma situação que ainda está em movimento”, afirma. 

Francirosy diz ter certeza de que EUA e Talibã negociaram muito e fecharam um “acordo de cavalheiros” para a troca de poder no país. Lembra que o Afeganistão fica no centro da Ásia e é uma região de passagem e rota econômica do lítio e da papoula (matéria prima da heroína), e países próximos, “surpreendentemente”, apoiaram o Talibã. 

Como informação adicional, a professora conta que o Afeganistão, com a entrada dos EUA, em 2001, “se tornou um país totalmente corrupto”, com a ocupação militar beneficiando “classes médias altas, ricos e políticos” da região. 


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