Site “Afro-Sampas” traz filmes sobre a arte africana em São Paulo

Iniciativa é do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa) da USP

 03/08/2021 - Publicado há 3 anos
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Artistas africanos em São Paulo: diversidade e talento – Foto: Rose Satiko Hikiji

 

“A paisagem da cidade de São Paulo mudou com a presença cada vez maior de artistas africanos. Alguns recém-chegados não falavam português. Acompanhamos os trabalhos deles, os espaços culturais que eles frequentam e as produções que eles realizam. E fizemos as seguintes perguntas: Será que a gente encontra esses ecos africanos aqui em São Paulo? Ecos que constroem uma cena musical?” A partir dessas reflexões da professora Rose Satiko, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), e do pesquisador Jasper Chalcraft, do European University Institute, da Itália, foi elaborado o site Afro-Sampas, composto de filmes, ensaios, performances, shows, artigos e materiais fotográficos sobre a bagagem cultural desses artistas africanos que carregam o repertório dos países de origem e de São Paulo.

Criado com apoio da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP – por meio do 5º Edital Santander/USP/Fusp -, o site reúne filmes produzidos pelo Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa) da USP, além de ensaios fotográficos, textos e performances dos artistas africanos. Rose explica que a origem do projeto se relaciona com o crescimento do processo migratório de africanos para São Paulo ao longo dos últimos dez anos.

Primeiro foi feito o mapeamento de artistas da África que atuavam em festivais de música voltados para a questão da imigração, realizados no Largo da Batata, na zona oeste paulistana, e em bares que tinham noites dedicadas aos refugiados. Nesse mapeamento, os pesquisadores notaram que os artistas africanos chegaram a São Paulo por motivos variados: busca por melhores condições de vida, convite de amigos artistas, perseguição política no país de origem e desejo de aperfeiçoar a formação musical, por exemplo.

Com essas percepções, os pesquisadores foram a campo e gravaram algumas manifestações artísticas e depoimentos de artistas sobre suas vidas, o impacto de São Paulo em suas artes e a cultura dos seus países. A pesquisa iniciada em 2016 resulta agora no site Afro-Sampas como uma espécie de “portfólio”. Rose conta que optou por produções audiovisuais em um site porque já tinha experiência desse recurso e é uma maneira de alcançar um público mais amplo, uma divulgação que não fica restrita ao meio acadêmico. “Além de os filmes e os vídeos serem maneiras de compartilhar conhecimento, eles são muito apropriados para difundir o trabalho dos artistas africanos”, explica a professora.

Entre outras atrações, o site Afro-Sampas disponibiliza três filmes: Woya hayi mawe: Para Onde Vais?, Tabuluja (Acordem!) e Afro-Sampas

Em Woya hayi mawe: Para Onde Vais? conta a trajetória da cantora e ativista cultural Lenna Bahule, de Maputo, em Moçambique. Aborda principalmente suas raízes, as dificuldades de fazer música, ser mulher e negra no Brasil e em Moçambique e suas metamorfoses artísticas, com a vinda ao Brasil e o retorno à cidade natal. O documentário mostra também como Lenna atua em São Paulo e interage com sua família em Maputo, com os músicos moçambicanos e com a cultura em geral: comida, lugares, vestimentas e instrumentos locais.

Cena do filme Woya hayi mawe: Para Onde Vais? – Foto: Reprodução/Afro-Sampas

 

Segundo Lenna, São Paulo é uma cidade muito conhecida em Moçambique. Curiosa para conhecer as músicas em outros espaços além de seu país, a cantora moçambicana viajou em busca do sonho de estudar música, uma “busca artística maior”. Lenna conta que, por não haver muitas pessoas de Moçambique em São Paulo, os paulistas decoram facilmente seu nome e ficam curiosos com a cultura de seu país. Conforme conhecia o Brasil, ela começou a se identificar mais como moçambicana. “Nesse processo eu fui lapidando a minha arte e criando minha própria estética”, dia a cantora no documentário. Ela diz que não considera um nômade como alguém sem identidade, mas alguém em constante movimento.

Ao Jornal da USP, Lenna comentou que a experiência de participar do filme e ter a história dela reconhecida foi gratificante. “O documentário trouxe um olhar diferente sobre a minha trajetória e do meu país. Além de poder me comunicar com meu povo, é uma forma de divulgar nossa cultura, que foi silenciada com o processo colonial. Não precisamos só depender da arte estrangeira, o filme é uma boa forma de demonstrar que a arte moçambicana tem sua validade”, relata Lenna. 

Na parte pessoal, a cantora analisa que sua estética artística foi alterada radicalmente com o retorno a Moçambique. “Definitivamente voltar para o meu país provocou mudanças na minha arte. Até viver em São Paulo eu não tinha esse olhar curioso para a cultura natal. Hoje estou num processo muito rico de aprofundamento da minha pesquisa sobre a cultura popular de Moçambique.”

Já no filme Tabuluja (Acordem!) é exposta a performance de Shambuyi Wetu, artista plástico da República Democrática do Congo, no Museu Afro Brasil, no Ibirapuera, em São Paulo. Em cerca de 11 minutos, a obra apresenta reflexões sobre o racismo, a desunião entre os povos, o ódio contra os povos negros e a história da África, que foi escrita por brancos e que ao longo do tempo está sendo reescrita pelo povo negro. “Acordar para entender o poder que o povo negro tem”, menciona o artista no início do documentário.

Cena do filme Tabuluja (Acordem!) – Foto: Reprodução/Afro-Sampas

 

Shambuyi descreve que saiu do seu país porque se sentia inseguro e, quando chegou a São Paulo, “não sabia nem por onde começar”, segundo ele. “Levou muito tempo para voltar a trabalhar com arte, já que não conhecia ninguém.”

Ele é  formado em Arte Visual pela Universidade de Belas Artes do seu país, mas, ao estabelecer-se em São Paulo, foi trabalhar na construção civil por alguns anos, até começar a produzir as suas performances. “Hoje ele vive  da sua própria arte com muita dificuldade, porque a inserção no mercado de trabalho nessa área é muito difícil no Brasil”, comenta a professora Rose.

Em relação ao filme, Shambuyi relata que o objetivo é propagar a ideia de a sociedade conviver em um mundo melhor. “É uma maneira de sensibilizar as pessoas para respeitar o próximo. Um mundo de paz e de amor”, afirma o congolês.

O filme Afro-Sampas observa o que pode acontecer quando músicos dos dois lados do Atlântico são colocados em contato na cidade onde vivem e mostra diversas experiências sobre sonoridades, memórias e criatividades, conforme a sinopse do filme. Além disso, ele evidencia a “criatividade musical, uma espécie de ‘diáspora criativa’, e o contato com musicalidades diferentes”, relata Rose.

Cena do filme Afro-Sampas – Foto: Reprodução/Afro-Sampas

 

Edoh Amassize, do Togo, foi um dos músicos que participaram do filme. Ele conta que veio para São Paulo em busca de novas oportunidades e ficou muito impressionado com a quantidade de artistas e artes diferentes que existe na cidade. Ele observa que aprendeu muito com os artistas paulistanos e que agora mistura esse aprendizado com as práticas culturais de seu país de origem. 

“Foi uma experiência muito boa, porque mostrei um pouco do meu trabalho para os brasileiros. Eu me senti feliz em poder compartilhar minha cultura. Esses e outros filmes do site Afro-Sampas estão dando visibilidade aos artistas imigrantes”, conclui Edoh.

Uma questão trazida pela maior parte dos músicos, de acordo com a professora Rose, é como a diversidade cultural e social africana é pouco conhecida no Brasil. Esse desconhecimento foi notado pelos artistas ao pisar no Brasil. Rose afirma que Edoh até brinca que os artistas africanos se encontram numa posição de “embaixadores” de seus países e de suas culturas.

Além da seção de filmes, o site traz a seção Publicações, com textos de Rose Satiko, Jasper Chalcraft e outros colaboradores. Também há Arquivos, onde se encontra o material bruto das produções audiovisuais, como making-offs (bastidores) dos filmes, entrevistas, shows, depoimentos e performances. Outras seções são Exibições, que foram transmitidos os filmes, e Mídia, reportagens sobre as produções audiovisuais dos antropólogos.

Na seção Arquivos, o site Afro-Sampas traz vídeos que apresentam shows, espetáculos e performances feitos por artistas africanos em São Paulo – Foto: Reprodução/Afro-Sampas

 

“Esperamos que o projeto seja renovado por pelo menos mais de um ano e que o site seja expandido com pelo menos mais um filme e alguns artigos”, relata Rose.

O site Afro-Sampas, do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, está disponível neste endereço: https://afrosampas.webhostusp.sti.usp.br/.

 


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